Vila Belmiro, uma metamorfose de 107 anos

Por Raul Estevan
Memorial das Conquistas

Para quem não conhece, Vila Belmiro é um bairro. Para quem não torce, é só um estádio. Aos torcedores, ela é tudo.

À primeira vista, ela engana os desavisados. Pode parecer franzina e amigável, mas tolos são aqueles que ousaram desafiar seu tamanho. A Vila Mais Famosa do Mundo, popularmente apelidada após os mais de cem anos de grandeza, nasceu, cresceu e segue vivendo junto ao Santos Futebol Clube. O Estádio Urbano Caldeira, como conhecido por muitos, também é famoso. De muitos nomes, formas e climas, o Alçapão se fez e continua fazendo. Como um órgão vital ao clube santista, Vila Belmiro muda, envelhece, ganha casco e segue se transformando.

Imutável, nunca foi. Em um princípio que hoje parece distante, ainda em 1916, o estádio surgia como Praça de Esportes da Vila Belmiro. O campo era de futebol, mas recebia outros esportes que já não passam na Rua Princesa Isabel. Rua essa que, um dia, já foi Rua da Abolição. José de Alencar, famosa pelo velho muro no que hoje é a seção 204, já foi Guarany. Percorrendo uma brilhante história de 107 anos, são demais as mudanças que nos fazem chegar aos dias de hoje.

A Praça de Esportes do Santos FC, em 1919 (Foto: Acervo Memorial/Santos FC)

RESPEITADA POR UNS, TEMIDA POR OUTROS

Quem não viu, ouve falar. Quem viu, não esquece. Ela é altiva, mas nunca esnobe, tal como seu clube. Humilde, mas sempre impiedosa. Vila Belmiro, de origem pequena, um dia já teve somente um singelo lance de arquibancadas na Rua Princesa Isabel. Para todos os lados e em todos os sentidos, cresceu e engrandeceu. E agora, 107 anos adentro de sua história, brinca com gente grande. De muitos rostos, quem pôde ver seus tantos muros subirem e descerem jamais se esquecerá de suas cores e detalhes.

De muitos sentimentos, Vila Belmiro para sempre vive nos sonhos dos apaixonados e no pesadelo de gigantes. De muitos nomes, ela é chamada com mais ou menos carinho pelos que a conhecem. Aos que respeitam, só Vila Belmiro basta. Sabem de seu poder. Os que não, apenas pagam para ver. Foi somente em 1933 que ela passava a ser oficialmente chamada de Estádio Urbano Caldeira. A homenagem veio em decorrer do falecimento de um ícone do clube, adorado pelas quatro ruas da até então Praça de Esportes da Vila Belmiro. Dos que vestiram o manto mais alvo, Urbano soube dar valor e escrevia, com próprio punho, a história alvinegra.

O Alçapão da Vila Belmiro (Foto: Acervo Memorial/Santos FC)

Em seu tempo, a história decidiu ser feita em solo santista. Não havia outra forma de ser. Teria de ser feita, inúmeras vezes, na Vila Belmiro. Tantos choros e lágrimas se derramaram. A tristeza se debruça em suas paredes e Vila Belmiro abraça cada alma em prantos. Mais ainda, se emociona junto. Em seu silêncio, realmente se cala. No grito, explode. Noites frias podem ser quentes e as tardes de verão já viram muitos motivos para chuva. A história, cruel com os que as desprezam e generosa com quem a valoriza, nunca deixa de ser feita e contada, custe o que custar.

E assim, segue. Vila Belmiro não se opõe ao futuro. Ela é esperta demais para isso. Sua eterna juventude a proporciona a malícia de ser jovem. Não se aquieta para os incomodados e não abaixa a cabeça para quem se acha grande. Por isso, talvez, ela os incomode tanto. Mas não só de malícia da juventude e rigidez dos adultos vive o alçapão. Ela é também criança. Cheia de graças, com seu jeitinho ousado e alegre, e às vezes irritante para quem não entende.

E eles não entendem. Nunca vão. Podem, por mil vezes, tentar tirar o que é seu, Vila Belmiro. Mas nada nem ninguém conseguiria. Seu amor pelo clube é retribuído, dia após dia, no canto dos milhões de torcedores que fazem de tudo para te ver. Seja em Santos, ou fosse em qualquer lugar — nada pode parar o amor que uma legião de apaixonados nutre pela casa da história mais linda do futebol.

Parabéns ao Estádio Urbano Caldeira, à Praça de Esportes e ao Alçapão. Parabéns à Vila Belmiro, tão querida e em eterna mudança. Parabéns por tudo que foi e tudo que virá a ser. Que sua existência transcenda a nossa!

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