Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Colaboraram Gabriel Santana e Guilherme Guarche
Solteiro e sem filhos, Urbano Caldeira elegeu o Santos Foot -Ball Club como o grande amor de sua vida. Nas noites de luar, propícias para o encontro dos casais enamorados, Urbano vinha ao campo da Vila Belmiro aparar com carinho a relva do gramado, para que ela crescesse forte e servisse de palco ideal para os jogos do Santos, nos momentos de maior emoção para Urbano.
Filho de Urbano Villela Caldeira e de Celina Faria Caldeira, Urbano Villela Caldeira Filho nasceu em Florianópolis, Santa Catarina, em 6 de setembro de 1890. Aos 21 anos foi aprovado em concurso para escriturário e se mudou para São Paulo.
De hábitos atléticos e praticante do futebol, ao chegar à capital paulista ingressou no Sport Club Internacional, uma das agremiações pioneiras do futebol bandeirante daquele início de século XX. Pouco depois se retirou para ser um dos fundadores da Associação Atlética Vila Buarque.
Desses tipos apaixonados pelo que fazem, Urbano se dividia, com a mesma empolgação, entre as funções de atleta e dirigente da Vila Buarque. Em campo podia atuar como goleiro, zagueiro, médio e atacante. Fora dele, não fazia questão de cargo. Queria apenas servir.
Como a Vila Buarque não participava do Campeonato Paulista, Urbano era “emprestado” para o Germânia (atual Pinheiros) e para a Associação Atlética das Palmeiras, que tinha um campo para 15 mil espectadores na Chácara da Floresta, onde hoje se situa o Centro Esportivo Tietê.
Ao ser transferido para a alfândega do Porto de Santos, Urbano veio morar na cidade na mesma época em que o Santos se preparava para participar, como convidado especial, de seu primeiro Campeonato Paulista.
Pesou para o convite a pujança da cidade de Santos, a segunda mais populosa do Estado, e o fato de o clube ser indicado pelo respeitável Americano, campeão paulista de 1912 e primeiro time brasileiro a jogar no exterior e ter jogadores estrangeiros em seu elenco. Fundado em Santos, o Americano se mudou para São Paulo em 1913 e apoiou o Santos Foot-Ball Club como seu sucessor na cidade praiana.
Um anjo da guarda protege o Santos
Urbano chegou ao Santos quando o clube estava sem saber como se organizar para a disputa do campeonato promovido pela Liga Paulista de Futebol. Filiou-se ao Santos em 27 de janeiro de 1913 e imediatamente assumiu um lugar no time, além da função de técnico. Jogou no ataque e ao mesmo tempo escalou e orientou a equipe no Campeonato Paulista de 1913.
Sem dinheiro para as passagens de trem e os lanches, o Santos desistiu da competição após quatro jogos, depois de goleado em três deles. Mas sua única vitória valeu por todos os revezes. Em 22 de junho, no campo da Antárctica Paulista, fazendo “um jogo de passes curtos”, como queria o exigente Urbano, o time goleou o Corinthians por 6 a 3, no primeiro clássico do Estado.
Entre 1913 e 1918 Urbano jogou 43 partidas e marcou dois gols com a camisa do Santos. Aos poucos suas habilidades como gestor superaram as de atleta e se tornou um faz-tudo no clube, atuando nas mais diversas funções e chegando à vice-presidência. Só não foi presidente porque não quis, dizem.
Mesmo jovial e geralmente bem-humorado, Urbano Caldeira era um técnico que podia ser definido como “disciplinador”. Exigia comparecimento assíduo e empenho nos treinos. Tinha métodos próprios. Costumava colocar os jogadores em círculo, com barris deitados no centro. O exercício consistia em acertar chutes com força na direção da boca dos barris.
De espírito boêmio, Urbano gostava da noite, mas não tolerava que os jogadores ficassem até tarde pelas ruas, pois dependiam do físico para jogar bem. Certa madrugada, ao voltar para casa, flagrou em uma padaria do Largo do Rosário alguns atletas jogando dominó. Levou o fato ao conhecimento do presidente Agnello Cícero de Oliveira, que, entretanto, puniu os rapazes sem muito rigor, pois não havia indícios de bebida alcoólica na mesa.
Rigoroso, mas ao mesmo tempo otimista e motivador, Urbano assumia, como nenhum outro, as alegrias pelas vitórias e as dores pelas derrotas santistas. Por isso é que há uma versão de que a foi a mágoa de ver o Santos goleado pelo São Paulo por 5 a 1, no primeiro jogo profissional realizado no Brasil, que agravou a sua doença e o levou à morte, em 13 de março de 1933.
O amistoso histórico foi jogado na Vila Belmiro em um domingo, 12 de março. Araken, criado no Santos e um dos velhos amigos de Urbano, defendia o São Paulo e fez dois dos gols dessa goleada. No dia seguinte, padecendo de uma pneumonia contraída no Carnaval carioca, Urbano faleceu, aos 42 anos, em São Vicente, onde morava.
Quatro dias depois, o diretor geral de esportes do Santos, Ricardo Pinto de Oliveira, enviou um ofício aos diretores do clube lamentando “profundamente o desaparecimento prematuro de nosso consócio e grande benemérito do nosso Santos, Urbano Vilella Caldeira Filho”, exaltando as qualidades de Urbano e sugerindo duas homenagens ao ex dirigente:
1º Que seja dada à nossa Praça de Esportes a denominação de Praça de Esportes “Urbano Caldeira Filho”.
2º Que o clube mande erigir no pátio de entrada de nosso campo uma herma com o busto deste nosso consócio que sem favor algum foi o nosso maior e mais dedicado associado e o esteio mais forte que o Santos F Clube sempre encontrou para chegar ao ponto de adiantamento e progresso em que se encontra atualmente.
Como se sabe, os pedidos de Ricardo Pinto de Oliveira foram cumpridos. O estádio de Vila Belmiro foi batizado com o seu novo nome em 24 de março de 1933. Assim o incansável florianopolitano Urbano Caldeira deixou, para sempre, o seu nome na história do estádio que cuidou com tanto carinho. No Santos, o seu dia é comemorado em 9 de janeiro, data em que foi inaugurado o seu busto.
Curiosamente, a cidade de Santos, que deve muito de sua fama e prestígio ao clube de Urbano Caldeira, ainda não batizou nenhuma de suas ruas com o nome do grande santista. Que se conheça, na Baixada Santista, só no bairro Tude Bastos, de Praia Grande, há uma rua com esse nome.