Raul Estevan, do Memorial das Conquistas
Em um final de semana de junho de 1959, o jovem goleiro Lalá estava hospedado em um hotel em Corunha, na Espanha. Aguardava junto do time santista para jogar a decisão do Torneio Teresa Herrera, com seu colega de quarto ansioso para o momento. Dias antes da partida decisiva contra o Botafogo, ambos se reuniram e foram visitar as ruas da cidade. Por lá, encontraram uma loja exibindo o belíssimo troféu. “Maior taça, hein? Não temos nenhuma em Santos igual a essa”, disse seu colega. “Sabe o que eu vou fazer? Vou te dar uma dessas medalhas de presente”, completou. Na ocasião, Lalá compartilhava o quarto com um garoto de palavra e uma Copa do Mundo recém-conquistada. O Santos ficou com a taça e Lalá com a medalha, prometida pelo futuro Rei.
O Torneio Teresa Herrera acontece anualmente desde 1946. Na competição, disputam clubes convidados de todo o mundo, em poucos jogos que definem um campeão. Organizador do torneio, o mandante La Corunha joga sempre em casa — uma tradição que se estabelece há décadas. E há 65 anos, o Santos Futebol Clube se apresentava à competição com imponência. A final foi entre dois clubes brasileiros, Santos e Botafogo, na cidade de Corunha, Espanha. Para nós, a descoberta da Europa. Para os europeus, a do futebol.
O time santista subiu para o campo, no domingo de 21 de junho de 1959, aos olhos de 45 mil pessoas no Estádio Riazor. Era a equipe de Pelé e Zito, titulares na conquista do mundo um ano antes pela seleção nacional. Mas era também o Santos de Pepe, Coutinho, Dorval e comandado pelo saudoso Lula. Do lado do Botafogo, outras figuras campeãs pela canarinho: Nilton Santos, Garrincha, Didi e Zagallo. O páreo era duro, mas não o suficiente. Em um duelo entre campeões do mundo, era válido afirmar que Santos e Botafogo formavam a disputa do que havia de melhor no esporte. Nessa batalha, não deu para os cariocas. Entre os melhores, o melhor. Esse é o Santos.
Apitou o árbitro, e bola rolando. Logo aos dez minutos de jogo Pelé marca o primeiro, mas o árbitro Blanco Perez prontamente anula o gol por impedimento. “Nunca vi nada igual. A bola não saía para a lateral, e ninguém na torcida aguentou ficar sentado”, destaca o goleiro. O jogo era intenso, com a disputa acirrada. Algo precisava acontecer para quebrar a tensão, e aos 39 minutos um pênalti para o Santos mudaria esse cenário. Ao entrar na área, Pelé sofre falta e Pepe converte para abrir o placar.
Mesmo com a vantagem, o jogo permaneceu duro. E em meio à pressão adversária, lá estava o arqueiro salvando o nosso gol. Em ataque botafoguense, Garrincha chuta para grande defesa de Lalá. Ao se levantar, encontra Pelé atento ao seu lado. “Se vocês não fizerem o segundo gol, o Botafogo vai empatar esse jogo já, já!”, alertou o goleiro. Todavia, o camisa dez sabia o que precisava fazer. “Lança a bola para mim. Vou para o meio de campo, e você me entrega ela”, falou baixinho. Ao receber o lançamento de Lalá, conforme o pedido, Pelé driblou a defesa do adversário e assim ampliou o placar já no segundo tempo.
O Alvinegro Praiano tinha magia. Uma magia chamada Pelé, Pepe, Dorval e também um garoto de 16 anos chamado Coutinho. O terceiro gol veio dos pés do jovem centroavante, que havia sido substituído ainda no primeiro tempo após lesão de Afonsinho. Assistido por Pepe, Coutinho ampliou o placar e, com isso, o jogo parecia ter se resolvido. Zagallo chegou a diminuir para os cariocas, mas para sacramentar o triunfo santista, o Canhão da Vila marcou seu segundo gol, e quarto do Peixe. Quatro a um no placar, e um estádio inteiro em delírio.
A volta olímpica após o jogo foi de muita festa, e durou quase uma hora. Nas arquibancadas, ninguém ousou ir embora ou parar de vibrar. As 45 mil pessoas presentes balançavam seus lenços brancos em gesto de agradecimento, pois sabiam que não veriam nada parecido tão cedo. A ocasião marcou a primeira viagem do time à Europa — ou quando o Santos de Pelé desfilou nas terras europeias e o Velho Mundo parou para vê-lo.
Ao término do espetáculo, uma cobrança de Pepe. Com dois gols na conta, o Canhão da Vila sentiu-se no direito de reclamar. “Eu vou te cobrar. Você deixou eles fazerem um gol!”, zombou o brincalhão ponta esquerda com seu goleiro. Lalá riu, e logo retrucou. “O que eu peguei não está escrito!”. Agora, está!