Sonho de uma noite de outono

Crônica do pesquisador Guilherme Guarche, do Centro de Memória
Diuturnamente debruço-me na sala do Centro de Memória e Estatística do Santos Futebol Clube sobre a centenária história do melhor time de futebol de todos os tempos. Talvez por isso meu subconsciente fez com que tivesse um sonho maravilhoso noutro dia.
Nele, sonhei que estava presente na reunião que fundou o clube que carrega com orgulho e altivez o nome de sua cidade: o Santos Futebol Clube. Fui levado a esse encontro pioneiro por meu avô, Raimundo Gomez, um espanhol da Galícia que chegou a Santos em 1909 e aqui se fixou, trabalhando como tintureiro, até falecer. Nesse meu fantasioso sonho, era um menino ainda imberbe, usando calças curtas, no esplendor da adolescência.
O local da reunião era o salão de festas do Club Concórdia, na antiga rua do Rosário, 18, na parte superior da padaria Suissa. Meu falecido avô não participou da reunião, preferindo ir prosear no Largo do Rosário, com alguns amigos portuários, de folga na tarde daquele distante domingo de outono.
Observei Raymundo Marques e Argemiro de Souza Júnior darem início ao encontro. Senti a ausência do terceiro organizador, Mario Ferraz de Campos, que não se fazia presente e por isso não é considerado um dos fundadores do Santos, e é o primeiro associado do clube a pedir demissão no mês seguinte a fundação.
Ouvi atentamente a fala de Raymundo Marques, um esportista nato, que jogara futebol em algumas equipes da cidade e, pelo fato de todas elas deixaram de existir, era um dos mais motivados a de “fundar um clube destinado à prática do futebol” – como dizia o comunicado publicado no jornal Diário de Santos no dia 9 daquele mês de abril:

“Varios sportsmem desta cidade estão empenhados em organisar um poderoso club de football, tendo já para isso, conseguido um vasto e esplendido terreno de propriedade de J.D. Martins, a rua Aguiar de Andrade, no Macuco, onde sera installado o ground da nova sociedade sportiva. A commissão organisadora do clube compõe-se dos tres esforçados cavalheiros seguintes: Mario Ferraz, Raymundo Marques e Argemiro de Souza Junior. Essa commissão, no desempenho da ardua tarefa que se impoz, esta percorrendo o nosso alto commercio para a acquisição de sócios, tendo já conseguido alistar para mais de 200 pessoas. No próximo domingo, as 2 horas da tarde, havera uma reunião na sede do Club Concordia, para ser em apresentadas as bases do novo clube, eleita a sua directoria e tomadas outras deliberações attinentes aos fins da nova aggremiação sportiva. Era já sensível a falta, entre nós, de um bom clube dedicado ao bello sport do football. Acreditamos que o novo clube venha preencher essa lacuna”.

Lembro de ter visto, em um canto do salão, o jovem Urbano Villela Caldeira usando um terno de linho branco com o seu inseparável chapéu de palheta. Mas, como? (esse meu sonho está ficando confuso), Urbano Caldeira só se filiou ao clube em janeiro do ano seguinte! E, daí? O sonho era meu e nele poderia incluí-lo, fazendo justiça ao maior abnegado que o Alvinegro já teve desde os seus primórdios.
Não vi nessa assembleia o primeiro presidente, Sizino Patusca, já que fora convidado para ser o mandatário máximo dias antes, por Raymundo Marques, e aceitara o convite. Também não vi Oswaldo nem seu irmão Arnaldo Silveira, considerados fundadores, conforme a reunião do Conselho Deliberativo em 1929.
Só sei que naquele 14 de abril, que entraria para a história mundial não só pela fundação do clube praiano, mas também pelo naufrágio do Titanic, ao todo estavam no salão 37 participantes, considerando que os dois irmãos Silveira são reconhecidos como fundadores. Então, na realidade, o clube tem 39 sócios fundadores.
Ainda naquela tarde foi decidido que a nova agremiação teria suas camisas em listras verticais azuis e brancas, com frisos dourados. Após breve discussão, aprovou-se a sugestão de Edmundo Jorge de Araújo, filho do doutor Sóter de Araújo, que sugeriu o nome de Santos Foot Ball Club, indicação aprovada por unanimidade e abençoada eternamente por todos nós, santistas, nascidos ou não na terra de Brás Cubas, que verdadeiramente amamos o clube da Vila Belmiro, tornado Alvinegro a partir de 1913.
Quando meu sonho surrealista chegava ao fim, ouvi de Raymundo Marques e Urbano Caldeira a profecia de que aquele novato clube um dia haveria de ter em seu time o melhor jogador de todos os tempos e que aquela neófita agremiação seria várias vezes campeã de Santos, de São Paulo, do Brasil, da América e de todo o planeta Terra.
Para que isso possa sempre acontecer, o nosso Santos Futebol Clube precisa viver eternamente sem ódio, sem rancor e com a união de todos aqueles que realmente o querem bem.

Pular para o conteúdo