Sim, Supercampeões Mundiais!

Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Terça-feira, 24 de junho de 1969. Apenas cinco dias depois de se tornar tri campeão paulista, o Santos entrava em campo no estádio de San Siro, Milão, para o primeiro jogo da decisão da Primeira Recopa Mundial. O adversário era a Internazionale, que há um mês se preparava para o embate. Disputada apenas por campeões do mundo, a Recopa daria ao vencedor o cobiçado título de Supercampeão Mundial.
Organizada pela Conmebol (Confederación Sudamericana de Fútbol), em parceria com a Uefa (Union of European Football Associations), a competição, iniciada em 1968, permitia apenas a participação de campeões mundiais (ou “intercontinentais”) e colocaria frente a frente os supercampeões americano e europeu.
Assim, da chave americana participaram Santos, bicampeão mundial em 1962/63; Peñarol, do Uruguai, campeão do mundo em 1961 e1966, e Racing, da Argentina, campeão em 1967. O representante da Europa sairia de um duelo entre Real Madrid, campeão do mundo em 1960, e Internazionale, bicampeã mundial em 1964/65.
Entretanto, a Inter teve a vida facilitada e se tornou finalista sem jogar quando o Real desistiu da disputa europeia. Na América do Sul, porém, a disputa foi renhida, principalmente entre Santos e Peñarol, enquanto o Racing acabou sendo o fiel da balança.
No Brasil, o Santos venceu o Racing por 2 a 0 e o Peñarol por 1 a 0. Fora, bateu o Racing por 3 a 2 e perdeu para o Peñarol por 3 a 0. Na última partida do grupo, em 22 de maio de 1969, o Peñarol estaria classificado para a final – por saldo de gols – se vencesse o Racing, em Buenos Aires. Porém, o empate de 1 a 1 colocou o Santos na decisão.
Cerca de 55 mil pessoas foram ao San Siro ver o tira-teima entre os gigantes da América e da Europa. Pelé não quis ficar de fora, mesmo sentindo o tornozelo desde o último jogo do Campeonato Paulista, contra o São Paulo. O técnico Antoninho escalou o time com Cláudio (depois Laércio), Carlos Alberto, Ramos Delgado, Djalma Dias e Rildo; Clodoaldo e Negreiros; Edu, Toninho Pelé e Abel.
Pela equipe italiana, o treinador Maino Neri colocou em campo Ivano Bordon, Tarcisio Burgnich, Cesare Poli, Gianfranco Bedin, Aristide Guarneri, Giancarlo Cella, Jair da Costa, Alessandro Mazzola, Angelo Domenghini, Mario Corso e Giovanni Vastola. Na arbitragem , o espanhol José María Ortiz de Mendíbil.

Toninho, como um raio
O jogo começou nervoso, truncado, mas era o Santos quem tomava a iniciativa e buscava mais o gol. Nem mesmo a contusão do goleiro Cláudio, que sofreu distensão muscular logo aos 14 minutos e teve de ser substituído por Laércio, abateu a equipe.
Após uma primeira etapa sem gols, o panorama não mudou na segunda. Aos 10 minutos, o goleiro Ivano Bordon se atirou aos pés de Pelé para evitar o gol brasileiro. Dois minutos depois o zagueiro Gianfranco Bedin puxou Negreiros pela camisa nas proximidades da área italiana. Pelé bateu com força, Bordon não conseguiu segurar e Toninho Guerreiro surgiu como um raio para estufar as redes.
Mesmo com a vantagem, o Santos prosseguiu dominando. A Inter só foi apertar no finzinho da partida e teve sua melhor chance aos 43 minutos, quando, após uma confusão na área santista, o zagueiro Tarcisio Burgnich acertou a trave.
Após a vitória, incontestável, surgiram rumores de que o segundo jogo da final também seria na Itália, possivelmente em Napoles. O presidente do Santos, Athié Jorge Cury, negou a informação e deixou claro que não que não aceitaria pressões para mudar o local da partida:
Acertamos tudo antes. O primeiro jogo na Itália, o segundo no Brasil, e para o caso de um terceiro, campo neutro. Não mudamos de ideia e o regulamento terá de ser cumprido.
Como se sabe, a Internazionale, diante da possibilidade de sofrer um resultado vexatório no Brasil, desistiu de fazer o segundo jogo e cedeu ao time brasileiro a valiosa taça – hoje exposta no Memorial das Conquistas da Vila Belmiro.
Sucesso de público e de crítica
O futebol vistoso dos santistas fez com que, por vezes, o público se esquecesse de que estava diante de um time adversário e aplaudisse as jogadas brasileiras. Segundo o Jornal do Brasil, Pelé era o mais ovacionado:
Dos seus pés nasceram as mais belas jogadas da partida. Teve uma atuação excepcional, fazendo muitas vezes com que a torcida se esquecesse que ele era um adversário e o aplaudisse delirantemente.
A imprensa italiana também se rendeu à superioridade santista. Para o jornal Gazzetta dello Sport, de Milão, o Santos mereceu amplamente a vitória conquistada. O Corriere dello Sports acrescentou:
O Santos dominou, porém só Toninho marcou. Pelé regressou a San Siro para ser admirado e conseguiu, mais uma vez, deixar o público satisfeito.
O reconhecimento da superioridade santista veio do público, da imprensa e até dos adversários. O técnico da Inter, Maiuno Neri, gastou o tempo entrevistas elogiando o time brasileiro.
No último grande momento de hegemonia de um clube brasileiro, o Santos reinava um ano antes da Copa de 1970, era a base da Seleção que conquistaria o Tri no México e, naquele momento, acabava de se sagrar supercampeão do mundo. Pedir mais o quê? Jamais um time brasileiro voltaria a ter tamanha proteção e reconhecimento.
Depois, a Recopa só seria disputada mais uma vez, em 1969, e mesmo assim apenas a fase Sul-americana, vencida pelo Peñarol. O único duelo da competição entre América e Europa a permanecer na história e na memória dos amantes do futebol seria aquele entre Internazionale 0, Santos 1, uma conquista que para muitos vale mais uma estrela no uniforme.
Terceira Estrela
O Alvinegro Praiano chegou a fazer algumas partidas com a terceira estrela na camisa, considerando a Recopa como mais uma conquista mundial oficial. Na verdade, desde 2005 a Conmebol reconhece a fase sul-americana da Recopa. Falta a Uefa reconhecer a fase europeia, no caso a decisão entre Santos e Internazionale.
A Fifa, muito justamente,já reconheceu como mundiais os campeões intercontinentais a partir de 1960. Assim , em 1968, o título de campeão do mundo ficou com o Estudiantes, da Argentina, que na final superou o Manchester United, da Inglaterra. Porém, em caso excepcional pode-se ter dois campeões mundiais no mesmo ano, como já ocorreu antes.
Para os santistas, não há dúvida de que a proeza foi extremamente relevante e merece ser comemorada. É o que o clube fará nesta terça-feira, 24 de junho de 2019, às 18 horas, no seu Memorial das Conquistas, com a presença de muitos dos que a própria imprensa italiana chamou de supercampeões mundiais. Abaixo a lista dos heróis e a idade que tinham quando conseguiram a façanha.
Supercampeões Mundiais
Cláudio – Cláudio César de Aguiar Mauriz, goleiro, 28 anos, participou dos cinco jogos.
Laércio – Laércio José Milani, goleiro, 38 anos, participou de um jogo.
Carlos Alberto – Carlos Alberto Torres, lateral-direito, 24 anos, cinco jogos.
Ramos Delgado – José Manuel Ramos Delgado, zagueiro, 33 anos, cinco jogos.
Marçal – Emerson Marçal, zagueiro, 24 anos, três jogos.
Rildo – Rildo da Costa Menezes, lateral-esquerdo, 27 anos, cinco jogos.
Joel – Joel Camargo, zagueiro, 22 anos, dois jogos.
Djalma Dias – Djalma Pereira Dias Júnior , zagueiro, 29 anos, um jogo.
Negreiros – Walter Ferraz de Negreiros, meio-campo, 22 anos, cinco jogos, um gol.
Clodoaldo – Clodoaldo Tavares de Santana, meio-campo, 19 anos, cinco jogos, um gol.
Lima –Antônio Lima dos Santos, meio-campo, 27 anos, um jogo.
Douglas –Douglas da Silva Franklin, meio-campo, 19 anos, dois jogos.
Mengálvio – Mengálvio Pedro Figueiró, meio-campo, 30 anos, um jogo.
Edu – Jonas Eduardo Américo, ponta-esquerda, 19 anos, cinco jogos, um gol.
Manoel Maria – Manoel Maria Evangelista Barbosa dos Santos, ponta-direita, 21 anos, três jogos.
Toninho Guerreiro – Antônio Ferreira, centroavante, 26 anos, cinco jogos, três gols.
Pelé – Edson Arantes do Nascimento, atacante, 28 anos, três jogos, um gol.
Antoninho (técnico) – Antônio Fernandes, 47 anos.

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