Santos veste a camisa da Seleção e vence a Alemanha de virada

Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Não é segredo para ninguém que boa parte do sucesso da Seleção Brasileira na dourada década de 60 pode ser explicada pelo futebol técnico, insinuante e confiante do Santos, o melhor time da época. Era comum a Seleção se apresentar com vários titulares do Alvinegro Praiano. Nenhuma vitória, porém, foi tão significativa quando aquela, de virada, sobre a poderosa Alemanha Ocidental, em um 5 de maio como hoje.
Com o prestígio de bicampeão mundial a defender – título conquistado dez meses antes, no Chile – o Brasil partiu para uma pouco planejada excursão pela Europa em abril de 1963. Os jogadores do Santos já tinham conquistado dois títulos naquele início de temporada e, naturalmente, estavam exaustos. Mas o técnico Aymoré Moreira, mesmo assim, convocou quase todo o esquadrão santista para a viagem.
Com três derrotas e apenas uma vitória, o início da excursão foi desastroso. E o mais preocupante é que a partida seguinte seria contra a Alemanha Ocidental, que já se preparava para a Copa de 1966, na Inglaterra (na qual só perderia a polêmica final, para os ingleses).
Apreciadores do futebol brasileiro, os alemães esperavam o confronto com enorme expectativa. No domingo, o Estádio Volkspark, de Hamburgo, recebeu 72 000 ruidosos torcedores para apreciar o espetáculo, arbitrado pelo suíço Gottfried Dienst.
Escalada pelo pelo técnico Sepp Herberger, a Alemanha Ocidental se apresentou com Fahrian, Nowak, Schnellinger, Shulz e Wilden, Werner, Heiss e Schutz, Uwe Seeler, Konietzka (depois Strehl) e Dorfel. Era o seu melhor time. Destes, alguns seriam titulares na Copa da Inglaterra, como Schulz, Schnellinger e Uwe Seller, o capitão da equipe.
Se o Brasil já havia perdido para Portugal, Bélgica e Holanda, era bem provável que fosse derrotado também pela Alemanha, este sim um jogo de mais peso, que certamente abalaria a imagem dos bicampeões mundiais. Então, como outros técnicos fariam depois, na hora do aperto Aymoré Moreira apelou para aquele considerado o time mais harmonioso e eficiente do planeta e escalou a Seleção com, nada menos, oito titulares do Santos!
Entraram em campo os santistas Gylmar, Lima, Zito, Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, reforçados por Eduardo, do Corinthians; Roberto Dias, do São Paulo, e Rildo, do Botafogo. O zagueiro Mauro Ramos de Oliveira, também no Santos, só não jogou porque estava machucado.
Quando a genialidade decide
Nesse jogo, cujos melhores momentos podem ser vistos no Youtube (basta teclar 1963 (May 5) West Germany 1-Brazil 2) já se percebe uma Alemanha bem equilibrada, vibrante, ofensiva, como seria seu desempenho natural nos anos posteriores. Ao Santos, ou melhor, ao Brasil, só restava usar a garra, a malícia e o talento para fazer frente a tão poderoso adversário.
Mesmo com mais oportunidades para os alemães, o empate sem gols prevaleceu até os 43 minutos de jogo, quando, após um escanteio, Zito calçou por trás o adversário que preparava o chute da pequena área. Werner bateu de chapa, no canto direito de Gylmar, e o estádio explodiu.
Na segunda etapa o andamento do jogo não mudou muito, mas os santistas parecem ter decidido esquecer o cansaço e, com garra, talento, o que fosse, sair de campo com a vitória. Aos 25 minutos, Pelé e Coutinho tabelaram, na entrada da área Coutinho voltou o corpo para a direita, como se fosse devolver a Pelé, mas cortou seco para a esquerda e bateu cruzado, rasteiro, para vencer o goleiro Fahrian.
Os alemães ainda não tinham se refeito do baque e dois minutos depois Mengálvio lançou à meia altura para Pelé, a quatro passos da risca da grande área. O Rei mal dominou a bola e já encheu o pé, de esquerda, no canto esquerdo da meta. O jogo prosseguiu bem disputado até o final, com mais chances de gol para os alemães, mas o Sanbrasil resistiu e conseguiu a vitória mais significativa daquela excursão.
Seleção exauriu o Santos
Em 2009, durante visita ao Centro de Treinamento do Santos, João Havelange, ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), agradeceu aos “meninos” Pelé e companhia pelo apoio que sempre deram à Seleção Brasileira e à própria CBD, uma entidade deficitária que começou a se tornar milionária a partir da conquista da taça Jules Rimet, em 1970.
Como se sabe, no período de 1958 a 1970, em que o Brasil conquistou três Copas do Mundo, os craques santistas tiveram de se revezar entre o clube, que lhe pagava os salários, e a Seleção Brasileira. Anos depois da Copa do México, o comentarista João Saldanha, que dirigiu o Brasil nas Eliminatórias para aquela Copa, admitiu que a Seleção Brasileira foi uma das responsáveis pelo desmantelamento do chamado “grande Santos”.
Sem folga no calendário e sem poder contar com seus craques nas excursões internacionais, o Santos perdeu seu generoso faturamento em dólares e não pôde mais manter o elenco que era o mais caro do Brasil e um dos mais brilhantes do planeta. Restou o legado histórico.
Durante dez anos não houve uma só partida da Seleção principal do Brasil que não contasse com mais de um titular santista. Nesse período, o chamado Escrete Canarinho fez nada menos de 35 partidas com, no mínimo, cinco titulares do Santos: foram 16 jogos com cinco santistas; 12 com seis; dois com sete e cinco jogos com oito titulares – entre estes a histórica vitória sobre a Alemanha Ocidental, há 57 anos.

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