Santos, primeiro time bicampeão do mundo 

Por Gabriel Pierin, do Centro de Memória

Um Maracanã repleto de torcedores, na noite de sábado, 16 de novembro de 1963, viu o Santos se transformar no primeiro bicampeão mundial de futebol. O gol de pênalti do lateral Dalmo foi o único do terceiro e último jogo da disputa pelo título contra a Milan.

O primeiro confronto entre as equipes finalistas ocorreu no estádio San Siro em Milão, na Itália, em 16 de outubro, e o Santos foi derrotado por 4 a 2. Com a derrota, a equipe brasileira teria que ganhar o jogo de volta no dia 14 de novembro e provocar a terceira partida.

Virada no dilúvio

Nessa partida da volta, Lula tinha um grande problema pela frente. Com Pelé, Zito e Calvet machucados, o técnico precisou reorganizar a equipe e escalou, respectivamente, Almir, Ismael e Haroldo. Lima foi deslocado para o meio campo, formando ao lado de Mengálvio.

O Milan foi impiedoso com as adversidades santistas. Terminou o primeiro tempo vencendo o jogo por 2 a 0 e mesmo com um empate já sairia campeão. O Santos precisaria mais do que futebol para reverter o placar. A liderança veio do substituto de Pelé: Almir, no intervalo, inflamou o grupo: “Joguem a bola pra mim que liquido esse jogo”.

A mudança começou com uma reação da natureza. Um dilúvio caiu dos céus e encharcou o gramado. A raça santista de sobrepujou à técnica. Empurrados pelas 132 728 pessoas que lotaram o Maracanã, marcando o recorde da história do Peixe, o Santos marcou quatro gols em 22 minutos e devolveu o placar de Milão. Os torcedores teriam que esperar para conhecer o melhor do mundo.

Um gol que valeu a conquista

Os times tiveram apenas dois dias entre um jogo e outro. Sem tempo e condições para treinamento, os jogadores ficaram concentrados para a final. Naquele sábado de decisão, o Maracanã recebeu um público pagante de 120 421 pessoas para assistir ao duelo entre brasileiros e italianos.

Lula escalou o mesmo time do jogo da virada, com Gylmar, Ismael, Mauro, Haroldo e Dalmo; Lima e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Almir e Pepe. O Milan, treinado pelo argentino Luis Caniglia, Balzarini (depois Barluzzi); Davi, Maldini e Trebi; Trapattoni e Pelagalli; Mora, Lodetti, Fortunato, Mazzola e Amarildo. Na arbitragem, o argentino Juan Regis Brozzi, considerado o melhor árbitro sul-americano daqueles tempos, foi auxiliado por Juan Luis Praddaude e Roberto Goicochea, também argentinos.

O Santos começou o jogo com uma boa atuação da linha defensiva, porém sem entrosamento entre os atacantes. Almir e Coutinho insistiam nas jogadas individuais, enquanto os pontas Pepe e Dorval estavam isolados no ataque.

Isso começou a mudar quando Almir passou a se deslocar com mais frequência, desorganizando e forçando o recuo da defesa italiana. Foi na pressão santista que resultou a penalidade sobre o atacante. Aos 30 minutos, o zagueiro Maldini ergueu a perna e atingiu a cabeça do jogador santista. Os italianos protestaram e Maldini acabou expulso. A invasão do campo por repórteres e policiais paralisou o jogo por quatro minutos.

Nesse ínterim, Dalmo se aproximou de Pepe, o cobrador natural de pênaltis quando Pelé não estava em campo, e pediu para bater. Pepe percebeu a confiança do amigo e consentiu. O lateral relatou o momento histórico:

“Era um barulho ensurdecedor, aquele povo todo gritando. 

Houve um desentendimento. Quando eu ia bater, dava a paradinha e o goleiro se adiantava. O árbitro mandou que eu não fizesse a paradinha e que o goleiro não se adiantasse. Fui frio e calculista, pois estava acostumado a cobrar pênaltis nos outros clubes em que joguei. Quando corri para a bola, o estádio silenciou. Mas já estava decidido. Bati no canto esquerdo do goleiro, rasteiro, e fiz o gol”.

O Santos ainda desperdiçou duas oportunidades para ampliar a vantagem. O Milan, nervoso em campo, sobrava na rispidez da defesa e na displicência do ataque. No final da primeira etapa, a expulsão do zagueiro santista Ismael resultou no equilíbrio da partida que viria no segundo-tempo.

Na volta do intervalo, o atacante Dorval passou a jogar mais recuado para ajudar a defesa e o Santos insistiu nas jogadas pelo meio do ataque. O Milan articulava bem as jogadas ofensivas e deu bastante trabalho para a zaga santista. O capitão Mauro, com sua experiência e classe, comandou a luta para manter a vantagem santista até o final. O goleiro Gylmar ainda fez duas boas intervenções antes do árbitro Brozzi encerrar a partida que tornou o Santos o primeiro bicampeão mundial de clubes.

Ao final da partida, Mauro subiu na Tribuna de Honra do estádio do Maracanã e recebeu de Raul Colombo, presidente da CSAF, a Taça do Mundial. O zagueiro de toque elegante ergueu a conquista sobre a cabeça, tal como fizera um ano antes com a Jules Rimet pela Seleção Brasileira.

Conquistas em série

Um detalhe histórico importante é que este bicampeonato mundial representou o nono título oficial consecutivo do Santos. A série começou em dezembro de 1961, com as conquistas do Campeonato Paulista e da Taça Brasil/Campeonato Brasileiro daquele ano. No ano seguinte, o do cinquentenário do clube, o Santos venceu as quatro competições que disputou: o Paulista, a Taça Brasil/Campeonato Brasileiro; a Copa Libertadores e o Mundial Interclubes. E em 1963 venceu o Torneio Rio-São Paulo e repetiu os títulos da Libertadores e do Mundial.

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