Quando o Santos nasceu

Centro de Memória do Santos FC
Porto de Santos, 14 de abril de 1912
O vapor austríaco Francesa, procedente de Trieste, cidade do Nordeste da Itália, banhada pelo Mar Adriático, atracou com 116 passageiros, dos quais 14 desembarcaram em Santos e 102 seguiram viagem. Um grupo de seis adultos e 10 crianças, que se diziam agricultores, foram proibidos de desembarcar por serem considerados ciganos.
Às 14h40, mesmo horário em que o Santos Futebol Clube estava sendo fundado, chegou ao porto o iate nacional Carolina, que havia seis dias zarpara de Tijuca para Florianópolis com uma carregamento de madeira e apanhara fortes temporais no caminho.
Época em que o Brasil era a esperança de dias melhores para povos de todo o mundo, em março de 1912 chegaram ao Porto de Santos 411 famílias de diversas nacionalidades, em um total de 2.139 imigrantes, que foram encaminhados para as colônias no Sul do Brasil.
Major Rost, chefe da polícia marítima, interrogou o passageiro clandestino Américo Valentim de Oliveira, vindo do Rio de Janeiro no vapor Itauba. O rapaz confessou ser desertor do 4º Batalhão da Polícia do Rio e imediatamente foi recolhido à cadeia.
O dia na cidade
O tempo em Santos naquele domingo em que o Santos surgiu foi ameno, com temperatura máxima de 22,7 graus e mínima de 19,1. O sol nasceu às 6h15 e se pôs às 17h45.
Às 16 horas, enquanto os jovens estudantes e comerciários discutiam a fundação do Santos no Club Concórdia, realizou-se a procissão de trasladação das imagens do Senhor Ressuscitado e de Nossa Senhora das Dores da igreja Matriz do Rosário para o convento de Santo Antonio.
À noite, às 22h30, o inspetor policial José Monteiro chamou o Corpo de Bombeiros ao ver que saía muita fumaça do prédio 65 da Rua do Rosário, onde ficava o hotel Bella Napole.  Com a chegada dos homens do fogo, constatou-se que a fumaça vinha de um jornal colocado sobre uma mesa. A polícia deteve o funcionário Manuel Joaquim Martins.
Quem fosse ao teatro em Santos naquele mês de abril poderia escolher entre as “sessões corridas” do Colyseun Santista ou do Teatro Guarany. Os preços eram idênticos e variavam de dois contos e 500 réis a 300 réis. Mas enquanto o Guarany, genérico, só prometia uma “Maravilhosa Soirée de Arte”, o Colyseun anunciava várias atrações, como: Os Duetistas Napolitanos, O Cão que Fala e o filme Fatal Semelhança, em duas partes.
Como era Santos em 1912
Quando o Santos foi fundado o prefeito da cidade era Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, do Partido Republicano Paulista (PRP). Nascido em Santos, Belmiro era um empresário e político empenhado em acabar com os cortiços da cidade. A Vila Operária, cujas terras pertenciam a ele, receberia o nome de Vila Belmiro em sua homenagem.
Santos se urbanizava. Fundada pelo fidalgo português Brás Cubas, a cidade crescia rápido desde a inauguração da Estrada de Ferro São Paulo Railway, em 1867. O toque decisivo do progresso veio em 1892, quando se iniciou a exportação pelo porto. Um censo de 1912 constatou que Santos possuía exatos 88.967 habitantes e era uma das cidades mais populosas do Brasil.
Desde 1910, com a construção dos hotéis Internacional e Parque Balneário, a cidade se tornou um ponto turístico obrigatório. E para pôr fim ao crônico problema de saneamento básico, prosseguia a construção dos canais projetados pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito. Dos sete previstos, os dois primeiros já tinham sido entregues.
Muitas personalidades já tinham deixado seu nome na história da cidade, como o cientista Bartolomeu de Gusmão, o “Padre Voador”; seu irmão Alexandre de Gusmão, autor da Carta Geográfica do Brasil; João de Menezes e Souza, o barão de Paranapiacaba; os poetas Vicente de Carvalho, Rui Ribeiro Couto, Xavier da Silveira e Martins Fontes; e os ilustres irmãos Andrada, com destaque para o “Patriarca da Independência”, José Bonifácio de Andrada e Silva.
O mundo em 1912
Anunciado como insubmergível, logo em sua primeira viagem – da Inglaterra para os Estados Unidos – o transatlântico RMS Titanic colidiu com um iceberg, no Atlântico Norte, e começou a naufragar. O acidente ocorreu às 23h40 da noite de 14 de abril.
Duas horas depois do choque o luxuoso navio afundou, provocando a morte de 1.495 pessoas, entre elas o capitão Edward Smith. Cerca de 10 horas antes o Santos Futebol Clube tinha sido fundado, no litoral do Atlântico Sul. Segundo a mitologia, Netuno decidiu que não poderia haver duas instituições insubmergíveis na Terra.
O mundo já vivia o clima belicoso que antecedia a I Guerra Mundial. Na Guerra Ítalo-Turca as tropas italianas tomavam as ilhas do Dodecaneso, incluindo Rodes. A paz seria assinada apenas em outubro, mas no mesmo mês começaria a Guerra dos Balcãs, mais uma preliminar da primeira grande guerra.
Mas nem as notícias foram ruins em 1912. Nesse ano o bioquímico polonês Kazimierz, ou “Casimir”, Funk, comandando um grupo de cientistas, descobriu a vitamina, trabalho que lhes renderia o um Prêmio Nobel de Medicina em 1929.
O Brasil em 1912
O advogado e lavrador Manuel Joaquim Albuquerque Lins, de 59 anos, nascido em São José dos Campos e membro do Partido Republicano Paulista (PRP) era o governador – ou o presidente, como se dizia na época – do Estado de São Paulo em abril de 1912. A presidência da República era ocupada pelo militar gaúcho Hermes da Fonseca, do Partido Republicano Conservador (PRC).
O ano ficou marcado por duas crises internas que se transformaram em conflitos armados. Em janeiro, Salvador foi bombardeada pelas forças federais, seguindo-se sangrentas batalhas campais. Em outubro começou a Guerra do Contestado, na região fronteiriça entre Paraná e Santa Catarina.
Mas 1912 também contou com o nascimento de muitas personalidades das artes brasileiras, como o dramaturgo Nelson Rodrigues, em 23 de agosto; o escritor Jorge Amado, em  10 de agosto; o compositor Herivelto Martins, em 30 de janeiro; o compositor e intérprete Luiz Gonzaga, em 13 de dezembro, e o cineasta Amácio Mazzaropi, em 9 de abril.
No dia 30 de abril, ainda no mês de fundação do Santos, surgiu em Belo Horizonte o América Futebol Clube, ou América Mineiro. Em 7 de julho foi jogado o primeiro Fla-Flu, com vitória do Fluminense por 3 a 2, e em 27 de outubro inaugurou-se o Bondinho do Pão de Açúcar, que se tornaria o ponto turístico mais visitado da então capital do Brasil.
Como e quem fundou o Santos
Havia quase 10 anos que Henrique Porchat de Assis, o Dick Martins, tinha trazido duas bolas de São Paulo e o primeiro jogo de futebol em Santos se realizara na praia da Barra, atual praia do Embaré, em 1º de novembro de 1902. No ano seguinte surgiram o Clube Atlético Internacional e o Sport Clube Americano e o futebol cresceu na cidade. Mas, no começo de 1912, a situação era desanimadora e um grupo de jovens estudantes e comerciários resolveu criar um novo clube de futebol em Santos.
Os líderes Raymundo Marques, Mário Ferraz e Argemiro de Souza Junior percorreram o comércio convidando cerca de 200 jovens para o evento de fundação do novo clube, marcado para um domingo, 14 de abril de 1912, às 14 horas, na sede do Club Concórdia, à Rua do Rosário, 18, atual João Pessoa, 10 (o prédio, de dois andares, existe até hoje e abriga uma loja Proplastic. O salão do Club Concórdia ficava na sobreloja).
Trinta e nove jovens compareceram à reunião. Após as explanações iniciais de Raymundo Marques, procedeu-se à escolha do nome da nova agremiação. As denominações “África”, “Brasil” e “Concórdia” foram rejeitadas, mas quando Edmundo Jorge de Araújo sugeriu “Santos Foot Ball Club”, em homenagem à cidade, todos aprovaram entusiasticamente e uma salva de palmas saudou o novo time de futebol que nascia.
Santos já nasceu predestinado
Quantos clubes do mundo podem dizer que entre seus fundadores já havia dois adolescentes que, dois anos depois, seriam titulares da primeira seleção de seu país? Pois é. O ponta-direita Adolpho Millon, com 16 anos, e o ponta-esquerda Arnaldo Silveira, com 17, fundaram o Santos em abril de 1912 e em setembro de 1914 jogaram as duas primeiras partidas oficiais da Seleção Brasileira, contra a Argentina, conquistando a Copa Roca, o primeiro troféu do futebol brasileiro.
Em Santos, o time não tinha adversários, e no Campeonato Santista de 1913 goleou os outros três adversários nos dois turnos: a Escolástica Rosa por 5 a 1 e 5 a 0; o América por 5 a 2 e 7 a 1, e o Atlético Santista por 6 a 3 e 7 a 0.
Ainda em 1913, sem passar por barragens – ao contrário de outros clubes oriundos da várzea paulistana – o Santos entrou direto na divisão principal da Liga Paulista de Futebol, na sua primeira participação em um Campeonato Paulista.
Só que todos os jogos foram na capital, e sem dinheiro para as passagens de trem e os lanches da equipe, contando apenas com o entusiasmo dos jogadores e do técnico-jogador Urbano Caldeira, o clube acabou desistindo da competição. Mas sua única vitória revelou-se profética: goleou o Corinthians por 6 a 3, naquele que entrou para a história como o primeiro clássico paulista.

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