Odir Cunha, do Centro de Memória
Pesquisa de Guilherme Guarche Gabriel Santana
Depois de destacada atuação como goleiro e como diretor de esportes, o comerciante de café Athié Jorge Cury (ou “Athiê”), tornou-se, em 27 de fevereiro de 1945, o vigésimo-segundo presidente do Santos, aquele que iria colocar o time em um patamar jamais igualado por nenhum outro clube brasileiro.
Nascido em primeiro de agosto de 1904, em Itu, Athié mudou-se para São Paulo em 1927, aos 22 anos, para estudar Economia no Colégio Mackenzie. Na mesma época iniciou carreira como goleiro do Alvinegro Praiano, que perdurou até 1934.
Após ser diretor de esportes do Santos, aos 41 anos Athié estava preparado para assumir o comando do clube, o que ocorreu na eleição de 1945. Seus vices eram Acácio de Paula Leite Sampaio, Ulisses Guimarães, Sílvio Fortunato, Armando Erbisti e Rubens Ferreira Martins. Com ideias revolucionárias, logo mostrou que alavancaria o clube a um nível jamais sonhado.
Entre o final de 1946 e o início de 1947 levou o time para uma longa e inédita excursão ao Norte/Nordeste, a maior já realizada no país. Nela, enfrentou as melhores equipes de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará. Ao final de 15 jogos, voltou invicto, com 12 vitórias e três empates, 52 gols marcados, 17 gols sofridos e duas taças.
Na década de 1950 decidiu que o clube não venderia mais o passe de nenhum de seus melhores jogadores, a não ser que houvesse um substituto à altura. Assim, o Santos passou a ser um clube comprador, filosofia que a partir dali faria toda a diferença.
Ao colocar os interesses do Santos em primeiro lugar, Athié teve de recusar repetidas propostas milionárias por Pelé, Pepe, Coutinho. A antiga Lei do Passe dava ao clube brasileiro a autonomia para manter seus jogadores, o que facilitava a ação de um dirigente honesto e idealista, como Athié.
Com ele à frente o Santos ganhou tudo o que era possível no mundo do futebol, a ponto de conquistar nove títulos oficiais consecutivos entre meados de 1961 e meados de 1963. No início dos anos 80 a revista argentina El Gráfico fez uma enquete mundial, consultando especialistas da América do Sul e da Europa, e definiu o Santos bicampeão mundial de 1962/63 como o melhor time de todos os tempos.
Um caráter raro
Líder que comandava pelo exemplo, na Revolução Constituinte de 1932 Athié se alistou para lutar contra as tropas federais que invadiam São Paulo. Como jogador, aguerrido, defendia a meta santista como se fosse a própria casa.
Tornou-se goleiro do time principal em substituição a Tuffy. Estreou em 9 de outubro de 1927, na Vila Belmiro, em amistoso contra o Corinthians de Santo André, vencido pelo Santos por 9 a 0. Sua última apresentação na meta santista ocorreu em 15 de abril de 1934, também na Vila Belmiro, na derrota para o Palestra Itália por 3 a 0.
Como dirigente, o currículo de Athié é insuperável. Presidente do Santos por 25 anos e 11 meses ininterruptos, liderou o clube até 28 de fevereiro de 1971, durante 1.696 jogos, dos quais o time venceu 1.042, empatou 291 e perdeu 363, marcando 4.665 gols e deixando passar 2.567.
O primeiro título conquistado sob sua gestão foi o da Taça Cidade de Santos, em 18 de abril de 1948, e o último o da Taça Cidade de São Paulo, em 24 de abril de 1970.
Dinâmico, o presidente santista tinha muitas atividades fora do futebol. Além de ser dos mais bem-sucedidos corretores de café de Santos, foi um destacado político, eleito vereador, deputado estadual e deputado federal em muitas oportunidades.
Em 1.º de dezembro de 1982, o homem que levou o Santos dos palcos mais ricos da Europa aos campos de terra batida da África, que descobriu Pelé e tantos outros astros, que rejeitou fortunas para não desmanchar uma equipe eternamente protagonista, faleceu em Santos, aos 88 anos. No seu inventário, como chancela de sua tocante honestidade, apenas um imóvel: a única casa onde viveu. E morreu.