Por Odir Cunha, do Centro de Memória
O torcedor do Santos que no dia 30 de março de 1956 fosse procurar no jornal Folha da Manhãnotícias do primeiro título internacional do clube, conquistado na noite anterior, na capital paulista, só iria encontrar informações sobre a catástrofe provocada pelas fortes chuvas que se abatiam sobre Santos, a ponto de causar desmoronamentos, interditar o cassino e suspender o serviço de bondes para o Monte Serrat.
Provavelmente as tragédias da chuva desviaram a atenção de uma conquista fundamental. Campeão paulista de 1955, o Santos mostrava, com o título do Torneio Internacional Roberto Gomes Pedrosa, que estava no mesmo nível dos grandes times do continente. Isso, antes de ser bicampeão estadual, em 1956, e antes mesmo de contar com Pelé.
Do torneio participaram os cinco grandes de São Paulo – Santos, Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Portuguesa – e outros três sul-americanos: o uruguaio Nacional e os argentinos Boca Juniors e Newell’s Boys, todos em ótima fase. As equipes brasileiras enfrentaram apenas as estrangeiras e no final a brasileira e a estrangeira mais bem classificadas disputaram a final.
Os três jogos classificatórias do Santos foram na Vila Belmiro. Em um sábado, 10 de março, venceu o Newell’s Boys por 4 a 2, sem sustos. Vasconcelos foi o melhor em campo e autor de um gol. Pepe marcou duas vezes e Negri mais uma.
Nove dias depois, enfrentou o Boca Juniors, na estreia do veterano Jair Rosa Pinto. Enquanto a chuva deixou o campo pesado, os argentinos foram melhores e abriram uma vantagem de 2 a 0. No segundo tempo, quando a chuva parou e o gramado secou, o Alvinegro virou para 3 a 2, com gols de Pepe, Vasconcelos e Pagão. Faltava enfrentar o Nacional, tão credenciado que seria tricampeão uruguaio em 1955/56/57. Mas aí surgiu uma malandragem nos bastidores que favorecia o Corinthians.
Até ali os dois alvinegros estavam empatados em pontos ganhos, com apenas um gol de vantagem para o Santos. Mas ambos ainda tinham uma partida a fazer. O inaceitável é que, enquanto o Alvinegro Praiano enfrentaria o Nacional no dia 22 de março, o da capital só jogaria contra o Boca Juniors só no dia 27, portanto já sabendo de quanto precisaria vencer para superar o saldo santista.
Porém, confiante, o Santos foi para o jogo. Nem mesmo o reforço dos campeões sul-americanos Leopardi e Ambrois, da Seleção Uruguaia, fez o Nacional segurar o ímpeto santista. Depois de um primeiro tempo disputado, em que o Santos conseguiu apenas a vantagem mínima, com um gol contra de Leopardi, na segunda etapa a porteira abriu de vez: Pagão, aos seis e aos 24 minutos; Alfredinho e Urubatão completaram os, quem diria, 5 a 0 sobre o campeão uruguaio!
O Corinthians venceu o Boca por 4 a 1, mas, com três gols de saldo a menos que o Santos, ficou fora da decisão. Dos estrangeiros, o melhor foi o Newell’s Old Boys, e assim Santos e Newell’s decidiram o título em partida única, no Pacaembu, na noite do dia 29 de março, uma quinta-feira.
O técnico Lula escalou o Peixe com Manga, Hélvio (depois Cássio) e Feijó; Ramiro, Zito e Urubatão; Alfredinho (Sarno), Jair Rosa Pinto, Pagão (Del Vecchio), Vasconcelos e Pepe. O treinador José Ramos optou por Masueli, Griffa e Coronel; Mastrogiuseppe (depois Bovery), Sanguinetti e Etchevarria; Nardiello, Picot, Rocha (Hernandez), Reinozo (Carranza) e Urquiza (Donelutti). O britânico Harry Davis foi o árbitro.
O Santos era o Brasil e muitos paulistanos foram ao Pacaembu torcer para o time das praias. Pela primeira vez a imprensa esportiva paulistana parecia se curvar a uma equipe superior aos grandes da capital. Mesmo o populista tabloide Mundo Esportivo admitia, em sua apresentação da final:
O time santista de hoje é uma máquina, onde (sic) todas as peças trabalham automaticamente. Lula mexe no quadro e seu rendimento é o mesmo. São todos titulares e não há reservas no plantel do campeão. Um quadro para chegar a essa posição precisa de muitos anos de trabalho e o Santos tem condição e capacidade para ganhar muitos títulos, porque o seu quadro é indiscutivelmente o melhor do Brasil e seu plantel o mais rico, pois para cada posição Lula tem dois ou três craques (…). Deve ganhar o título, na disputa com o quadro argentino e assim enriquecerá seu patrimônio com mais essa incomensurável conquista, dando também uma grande alegria à sua torcida (…). Com garotos o campeão formou o mais rico e jovem quadro do Brasil e hoje é a coqueluche do futebol brasileiro.
Todas as previsões se confirmaram. Bastante ofensivo, o Santos definiu o jogo e o título em um intervalo de 10 minutos: aos 29 Pagão abriu o marcador, aos 35 Pepe ampliou e aos 39 Vasconcelos fez o terceiro. No início do segundo tempo, Pagão, de pênalti, fez o quarto. O Newell’s diminuiu com Picot e depois Hernandez, mas Del Vecchio, que entrara no lugar de Pagão, marcou o quinto aos 36 minutos, definindo a vitória santista por 5 a 2 e o título do torneio.
A façanha fez a imprensa olhar o Santos de outra forma. Não se tratava apenas de mais um fenômeno regional. O Mundo Esportivo chegou a definir o time como “uma verdadeira academia de futebol”. Ofensivo, técnico, com muitos jogadores de alta qualidade, o Santos representava um alento para o combalido futebol brasileiro que dera vexames tanto na Copa do Mundo de 1954, como no Sul-americano de 1956.
Os números do time no seu primeiro título internacional mostraram isso: em quatro jogos, o Santos marcou 17 gols, média de 4,25 gols por jogo. O centroavante Pagão foi o artilheiro, com cinco gols, seguido por Pepe, com quatro, e Vasconcelos, com três.
Em Santos, os torcedores se esqueceram por um momento da angústia e das lágrimas provocadas pela chuva e se alegraram com o sucesso do grande time da cidade, que começava ali a sua incomparável jornada internacional.
Troféu “Deusa Alada” será exposto dia 14 de abril
Durante as próximas comemorações da 2ª Semana Santos, precisamente no dia 14 de abril, domingo, o Memorial das Conquistas exporá o troféu conquistado pelo Santos em 29 de março de 1956, no seu primeiro título internacional. Resgatado e restaurado, ele estará à disposição dos olhares e do reconhecimento dos santistas.
Na oportunidade, estará presente o ponta Pepe, um dos dois remanescentes daquela conquista. O outro é Ramiro Valente, que nos enviará uma mensagem de vídeo da Itália, onde vive.
O nome oficial do troféu é Doutor Lino de Matos – Torneio Internacional Roberto Gomes Pedrosa 1956. Mas, ao vê-la, todo amante do futebol tem a impressão de estar diante de uma bela e poderosa Deusa Alada. Um nome, aliás, que condiz mais com a relevância da conquista peixeira.