Primeira vez fora de São Paulo. E para inaugurar um estádio!

Centro de Memória

O Santos já existia há quatro anos, mas ainda não se apresentara fora do Estado de São Paulo, até que no início de 1916 surgiu o convite para jogar no Rio de Janeiro e ainda ter a honra de inaugurar o estádio do São Cristóvão, na rua Figueira de Melo. Santos e São Cristóvão jogariam na nova praça de esportes, considerada uma das maiores e mais belas da então capital federal, em um domingo, 23 de abril daquele ano.

O convite encheu os santistas de orgulho, mas não havia dinheiro para a viagem. O problema foi solucionado com um empréstimo de Otávio Lara Campos, a ser reembolsado com a parte do clube na arrecadação do jogo.

Anunciado pelo jornal carioca Gazeta de Notícias como “o campeão, em 1913 e 1915, da cidade que lhe dá o nome”, o Santos desembarcou no Rio de Janeiro no sábado, 22 de abril, a bordo do vapor nacional Acre. Além dos jogadores, viajaram Otávio Lara Campos, Urbano Caldeira – que abriu mão de jogar para ser o chefe da delegação – e cerca de 20 torcedores.

A imprensa carioca já conhecia a fama dos santistas Adolpho Millon, Arnaldo Silveira, Ary Patusca e Ricardo Pinto de Oliveira. Destes, apenas Ricardo Pinto não viajou ao Rio. O time escalado por Urbano Caldeira jogou com Benedicto Soares, Américo e Cícero (este no lugar de Urbano); Oscar Bastos, Pereira e Alcides; Adolpho Millon, Agostinho Marba, Tedesco, Ary Patusca e Arnaldo Silveira.

Fundado em 12 de outubro de 1898, portanto 13 anos mais velho do que o Santos, o São Cristóvão atuou com Cardoso, Alexandre Moitinho e Rubens Portocarrero; Azevedo, João Cantuária e Lewerett; Pederneiras, Heitor Pinheiro, Horácio Salema, João Rollo e Sylvio Fontes.

Apresentado pela Gazeta de Notícias como um “vigoroso full back do Botafogo”, Osny Nerner foi o escolhido para arbitrar o duelo que atraiu seis mil pessoas, a lotação completa do estádio.

Nos dias que antecederam ao encontro, o São Christóvão Athletic Club (hoje denominado São Cristovão de Futebol e Regatas) organizou comissões de recepção para cada ala do estádio. Não se permitiriam penetras. Sócios sem o recibo de abril, por exemplo, não teriam acesso.

As festividades começaram às 13 horas, com provas de atletismo, esgrima e luta greco-romana. Na preliminar, a equipe B do São Cristóvão venceu por 2 a 1 um time chamado Palmeiras, campeão da terceira divisão da Liga Metropolitana do Rio de Janeiro em 1913.

Empate em jogo conturbado

O Santos perdeu o sorteio e teve de jogar o primeiro tempo na parte do campo contrária ao Sol. Às 16h35, Alvaro Zanith, presidente da Federação Brasileira de Sports, deu o kick inicial do match, previsto para dois tempos de 30 minutos, com 20 minutos de descanso (na época o normal eram dois tempos de 40 minutos, mas, como o jogo foi anunciado para o período de 16h30 a 17h40, presume-se que teria dois tempos de 30 minutos e mais 10 de intervalo).

Movimentada, no início a partida mostrou maior iniciativa dos locais, o que obrigou o goleiro santista Benedicto Soares a praticar vistosas defesas. A primeira boa chance do Santos veio com um arremate de Adolpho Millon que raspou na cabeça de Portocarrero, bateu no travessão e saiu para escanteio. Arnaldo Silveira cobrou o corner e Cardoso defendeu.

Aos 12 minutos, após jogada que envolveu a defesa santista, João Rollo chutou para fazer o primeiro gol do estádio e colocar o São Cristóvão na frente. Mas o Santos não se abateu e passou a procurar o empate.

Antes do final do primeiro tempo, após confusão na área do São Cristóvão, Adolpho Millon jogou a bola para o fundo da rede, empatando a partida. A jogada, porém, provocou reclamações dos adversários. Alegavam que ela havia começado com um toque do centroavante Ary Patusca.

O árbitro validou o gol, sob protestos dos jogadores e da torcida adversária, e a partir daí, a cada dividida, ou toque de bola na mão, o público exigiria que ele marcasse infração dos santistas. Alguns jogadores do São Cristóvão também faziam de tudo para inflamar a torcida contra a arbitragem.

O primeiro tempo terminou com apenas 28 minutos de jogo. Após 23 minutos de intervalo, a pressão sobre o Santos e o árbitro recomeçou. Aos 15 minutos, um pretenso toque de mão na área santista gerou nova confusão. Um sócio do São Cristóvão invadiu o campo para xingar o árbitro e foi retirado do gramado (na verdade, “gramado” é força de expressão. Prejudicado pelas chuvas, parte do campo tinha terra fofa e lama).

Como o pênalti não foi marcado, o time do São Cristóvão decidiu abandonar o campo, só não o fazendo pela interferência de seus diretores Após a bagunça, o árbitro deu bola ao ar e em seguida encerrou a partida. Foram jogados apenas 23 minutos no segundo tempo.

Clubes irmãos

As desavenças nessa partida não impediram que Santos e São Cristóvão mantivessem um ótimo relacionamento, a ponto de se declararem clubes-irmãos. Estabeleceu-se que os sócios de um teriam o mesmo direito dos sócios do outro. A semelhança do distintivo e o fato de ambos adotarem o uniforme todo branco como o principal, foram outros fatores que os aproximaram.

Em 1926, quando fez uma campanha espetacular, goleando os grandes do Rio para conquistar o seu primeiro título carioca, o São Cristóvão anunciou, com orgulho, que era o “Santos do Rio”.

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