Por: Odir Cunha
O Santos nunca decidiu um título brasileiro com o Grêmio, mas a semifinal de 2002 ninguém esquece, na qual o Alvinegro venceu por 3 a 0 na Vila Belmiro, perdeu por 1 a 0 em Porto Alegre, mas se classificou para a decisão em que derrotou o alvinegro da capital por duas vezes e ficou com o título. Houve ainda a semifinal da Copa do Brasil de 2010, em que o Santos perdeu no Sul por 4 a 3, mas em noite iluminada ganhou por 3 a 1 na Vila e se garantiu na decisão contra o Vitória, duelo que lhe daria o primeiro título da competição. Agora, porém, vamos falar da primeira semifinal importante contra os gremistas, no Pacaembu, onde voltarão a se enfrentar nessa quinta-feira.
O desafio era pela Taça Brasil/ Campeonato Brasileiro de 1963, mas foi jogado no ano seguinte. Na primeira partida, em 16 de janeiro de 1964, noite de quinta-feira, o Estádio Olímpico recebeu 45 mil pessoas e a renda, de Cr$ 21.357.000,00, foi recorde absoluto no futebol gaúcho. Inflamado, o Grêmio foi pra cima e Paulo Lumumba marcou aos seis minutos. Mas Coutinho marcou aos 25, desempatou aos 25 do segundo tempo e Pelé fechou o marcador seis minutos depois. Com a vitória, o Santos jogaria pelo empate em São Paulo, domingo, no Pacaembu.
Até ali acreditava-se que os grandes times brasileiros eram os paulistas e cariocas. Mas aquele Grêmio não estava para brincadeira. Pepe inaugurou o marcador aos 6 minutos, mas o mesmo Paulo Lumumba empatou aos 9, desempatou aos 11 e aos 15 Marino fez 3 a 1 para o tricolor gaúcho. Caramba, ninguém esperava aquilo. E o pior é que o time do técnico Carlos Froner continuava atacando…
Mas quem tem Pelé tem sempre uma esperança a mais. Pepe sofreu pênalti aos 30 minutos, Pelé cobrou para diminuir para 2 a 3. Depois, voltou a marcar aos 13 do segundo tempo, em jogada individual, e aos 38 sofreu pênalti que ele mesmo cobrou para desempatar a partida. A festa dos torcedores se tornou mais completa quando o goleiro Gylmar foi expulso por ofensa ao árbitro, aos 43 minutos do segundo tempo, e Pelé foi para o gol, a tempo de fazer duas defesas simples, mas que fizeram o Pacaembu delirar.
Estatísticas bem favoráveis
Nossos historiadores Gabriel Santana, Gabriel Pierin e Guilherme Gomez Guarche informam que o Santos já enfrentou o Grêmio em 86 oportunidades, com 35 vitórias, 23 empates e 28 derrotas, marcando 116 e sofrendo 95 gols, sendo que 66 partidas foram pelo Campeonato Brasileiro, sete amistosos, cinco pela Copa do Brasil, duas pela Copa Libertadores e seis por torneios diversos.
Pelo Brasileiro, saldo de seis vitórias
Apenas pelo Campeonato Brasileiro, os times se enfrentaram 66 vezes, com 26 vitórias santistas, 20 empates e 20 vitórias do Grêmio. O Santos marcou 84 gols e sofreu 67.
Somente no Pacaembu foram seis duelos, com quatro triunfos santistas, um empate e uma derrota, 12 gols marcados e apenas seis sofridos.
Principais artilheiros santistas do confronto
1 – Pelé, 10 gols.
2 – Robinho, 4 gols.
3 – Del Vecchio, Jair Rosa Pinto, Coutinho, Giovanni, Alessandro e Alberto, 3 gols.
No primeiro jogo, Friedenreich jogou pra nós
Nos conta Guilherme Gomez Guarche que na primeira partida entre Santos e Grêmio, um amistoso em em 19 de maio de 1935, no Estádio da Baixada, Porto Alegre, o grande Arthur Friedenreich, considerado o melhor jogador dos tempos de amadorismo do futebol brasileiro, vestiu a camisa alvinegra do Vila.
O Santos Futebol Clube, cujo técnico era Virgílio Pinto de Oliveira, o popular Bilú, jogou com Cyro, Neves e Iracino; Marteletti, Ferreira e Jango; Sacy, Friedenreich (depois Raul), Moran, Mário Seixas e Junqueira.
O Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense jogou com Lara (depois Chico); Dario e Luiz Luz; Jorge, Mascarenhas e Peixinho; Laci, Russo, Veronezzi, Foguinho e Castilhos.
A vitória coube aos gaúchos, por 3 a 2. Friedenreich e Mario Seixas marcaram para o Santos; Castillo,Veronezi e Dario fizeram os gols do Grêmio.
A imprensa e o desafio de 1963
Guilherme Gomez Guarche
No dia 16 de janeiro de 1964 o Santos vencia a equipe do Grêmio jogando no estádio Olímpico pelo placar de 3 a 1, em partida válida pelas semifinais do Campeonato Brasileiro (Taça Brasil),referente ao ano anterior, com dois gols de Coutinho e um de Pelé. Essa exibição de gala do Peixe fez com que os jornais gaúchos estampassem em suas edições as seguintes manchetes:
Santos venceu e Pelé foi o espetáculo da noite – Correio do Povo.
Tabelinha infernal Pelé-Coutinho decidiu o jogo – Diário de Notícias.
Santos passou pelo Grêmio com sobra de categoria – Folha Esportiva.
Show de Coutinho e Pelé na vitória do Santos – Última Hora.
Na partida seguinte, que decidiria, no Pacaembu, qual time se classificaria para a final, o Peixe venceu novamente o Tricolor Gaúcho, dessa vez por 4 a 3, com o Rei Pelé marcando três e Pepe um gol. Formando o time praiano com Gylmar (depois Pelé), Dalmo, João Carlos (Joel Camargo) e Geraldino; Haroldo e Zito; Batista, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. Com O Gylmar expulso, Pelé atuou como goleiro nos minutos finais do jogo.
Sobre a ida de Pelé para o gol, o jornal A Tribuna publicou o texto abaixo, com o título “O Pacaembu gelou”:
O Pacaembu gelou quando Pelé foi para o arco. Gelou Pacaembu total, não Pacaembu dos santistas, Pacaembu de contra esse ou a favor daquele, mas Pacaembu – São Paulo – Brasil, Pacaembu do mundo do futebol.
Contagem alta, Santos ganhando de 4 a 3, até que seria divertido, seria engraçado, gargalhada sacudindo Pacaembu. Pelé indo para o gol, porque lá estaria na moldura, num contraste cheirando à ironia, o maior rebentador de molduras que o Universo já criou. Mas, com o Santos ganhando só de um, com o Santos ficando sem Pelé lá na frente, para ficar com um Pelé que poderia ser desgraça, lá atrás, aí, pensando nisso Pacaembu gelou. E se Pelé, bola que vem, bola que passa, outra bola que entra, outra bola que surge, outra bola que passa, outra bola que entra e se Pelé se pusesse a ciscar terreno, leão de chácara fracassado, deixando frangos ateus fazer lá dentro do templo de cânhamo? E se Pelé, Pelé dos três gols na frente, ficasse sem o Pelé, retrato em negro, de dois gols, lá atrás? Ai fama de Pelé, mau arquivo, iria ferir fundo fama de Pelé bom artilheiro. “Quem manda por máscara de goleiro?” Tá pensando que agarrar a “menina” é tão fácil, é tão canja como pintalizá-las? Foi ai que o Pacaembu gelou.
Gelou com medo de arranhão na auréola de Pelé, medo do mundo ficar com raiva de Pelé, esquecido que ele não era goleiro, mas lembrando que dianteiro que se preza não deve fazer palhaçadas de ir para o arco. E Pacaembu ficou gelado até que… “Eu não dizia, eu não dizia que esse menino é melhor goleiro, muito melhor goleiro arqueiro, do que jogador de ataque?”
Então Pacaembu degelou, nesse degelo gostoso, creme de chantilly derretendo sobre recheio de morango, que sucede sempre depois que passa um tornado, que passa alguma borrasca, que passa alguma coisa que a gente que é horrível, mas que se mostra de uma doçura inegável, doce como gols de Pelé, lá na frente, doce como defesas de Pelé, lá atrás, num Pacaembu-mundo, já que não sabe mais como arregalar os olhos para que dentro dele possa caber esse monstro cada vez mais monstro.