O gol antológico do Rei do Futebol na Javari
O acanhado estádio da rua Javari, no bairro da Moóca, Zona leste de São Paulo, pertencente ao Clube Atlético Juventus, entrou em definitivo para a história do futebol mundial. Foi ali no Estádio Rodolfo Crespi que o eterno Rei do Futebol, Pelé, marcou o gol que ele mesmo considera como o mais bonito de sua carreira.
No domingo, 2 de agosto de 1959, o jovem Edson Arantes do Nascimento, no esplendor da forma física, já ostentando a fama de ser um dos melhores jogadores do mundo com 18 anos de idade e campeão mundial pela Seleção Brasileira no ano anterior na Suécia se apresentou no campo do Juventus para um público de torcedores de todos os times da Capital que estavam ansiosos em ver em ação o camisa 10 do Santos.
O time santista que tinha excursionado pela primeira ao Velho Mundo no meio daquele ano de 1959 e era tido como franco favorito a conquista do Campeonato Paulista do ano em curso.
Esses torcedores foram a rua Javari dispostos a vaiar não só o Rei como também o time do Alvinegro Praiano que era a grande sensação dos últimos anos conquistando três campeonatos paulistas para desespero e revolta dos esportistas do chamado “Trio de ferro”.
Naquela tarde Pelé marcou três gols e Dorval um na vitória do Peixe pelo placar de 4 a 0 diante do time grená que curiosamente tinha em sua equipe o jovem Lima que anos depois viria a fazer parte do melhor time de futebol de todos os tempos.
O gol que encerrou a goleada do Alvinegro aconteceu aos 42 minutos da etapa complementar. A jogada teve início com Coutinho na intermediária juventina que passou para o ponta-direita Dorval que entregou a bola para Pelé que sem deixar a pelota tocar no chão encobriu Homero pegando-a logo à frente, seu companheiro de defesa Clóvis interveio e também foi superado com jogada idêntica a anterior.
Por último desesperado o goleiro Mão de Onça saiu da meta tentando agarrar a bola, mas Pelé o encobriu como já tinha feito com os dois zagueiros juventinos, chapelando-os sem deixar a bola tocar no gramado. E com um toque sútil de cabeça mandou a bola para o fundo das redes ante o olhar incrédulo do guardião do time adversário estatelado no chão.
Estava concluída a pintura da mais linda obra de arte do Rei Pelé dentro das quatro linhas em sua fenomenal carreira. Esse foi o gol de nº 227 de todos os seus 1282 gols marcados em sua carreira.
O Santos formou nessa partida histórica com Manga, Pavão e Mourão; Formiga, Ramiro e Zito; Dorval, Jair Rosa Pinto, Coutinho, Pelé e Pepe. O técnico era Luiz Alonso Perez, o Lula.
O jornalista De Vaney, o “Pena de Ouro da Literatura Esportiva do Brasil”, assim descreveu a obra de arte do Rei:
“No capítulo dos gols magistrais, o que Pelé assinalou, domingo, na rua Javari, há que ter um realce especial. Lances existem que, pela sua formosura técnica, a gente os traz gravados nos olhos, de regresso à casa. Esse, o de Pelé, 4º do Santos F. Clube ante o Juventus, é o gol que se fixou na alma, no espírito, no coração, no sentimento inteiro de quem o viu surgir em meio de dois crepúsculos: o do dia, que se findava aos poucos, e o da partida, que se extinguia lentamente. Gols tenho eu os visto, magníficos, para mais de meia centena deles. Vi Friendereich, a matreirice em pessoa, derrubar os uruguaios de 19 com aquele tento-histórico que deu ao Brasil o seu primeiro título. Vi Nilo Murtinho Braga, furacão em feitio de gente, sacudir redes argentinas em vesperais de ouro. Vi Feitiço, pólvora seca em cada chanca, estraçalhar malhas escocesas com quatro petardos no dia em que os do Motherwell tombaram por 5 x 0. Vi Leônidas da Silva, todo de borracha, arrasar metas polonesas em concepções estupendas, dignas da magia que se continha em seus pés. Vi Heleno de Freitas, uma ofensa em cada chute, arrebentar cidadelas imbatíveis, em cotejos decisivos. Vi Carvalho Leite, um rompe-aço em cada arremate, vencer guardiões famosos em tiros devastadores. Vi Petronilho de Brito, um poema em cada lance, esconder a bola no fundo dos arcos inimigos como menino que brinca de chicote-queimado. Vi gols de todos os feitios, desde o que explode no fundo do retângulo como bomba de canhão, até o que chia ao contacto dos barbantes encerados como azeite de alto custo em frigideira de ouro. Mas gol com aquele que Pelé presentou o mundo do futebol, domingo, na Moóca, eu creio que ninguém viu coisa igual até hoje. O gol de Pelé fez lembrar, até, a anedota do cidadão que após olhar demoradamente para a girafa, no jardim zoológico, comentou: ‘Isso não existe’”.
O gol de placa no Maracanã
O time do Santos estava em plena ascensão no futebol mundial e ganhava a admiração de todos os esportistas brasileiros. O mundo conhecia o clube que tinha em suas fileiras um jovem de apenas 20 anos que mostrara na Suécia o seu admirável talento com a bola.
O Vasco da Gama foi uma das vítimas daquela maravilhosa equipe santista, impiedosamente goleado por 5 a 1, no Pacaembu, além do Flamengo, também goleado por 7 a 1 no Maracanã, em partidas válidas pelo Torneio Rio-São Paulo. A partida contra o Rubro-Negro foi a seguinte ao jogo do “Gol de Placa”.
O gol que recebeu uma placa para eternizar o bonito lance aconteceu no Estádio do Maracanã no dia 5 de março de 1961, um domingo típico carioca. O palco não poderia ser outro e o resultado, nova vitória do Peixe pelo placar de 3 a 1, com Pelé marcando dois gols e Pepe outro.
O gol histórico começou com o próprio autor. Pelé recebeu a bola a poucos metros além da linha do meio-campo, aplicou a primeira finta no jogador do Fluminense, progrediu com bola, superou um e outro adversário, com fintas lépidas até entrar na área, acossado, imprensado, mas ainda assim, ao perceber a saída de Castilho, o avante santista golpeou com muita classe no canto direito e marcou um bonito e memorável gol.
A sugestão de colocar a placa no Maracanã em homenagem ao belo gol foi sugestão do falecido e saudoso jornalista Joelmir Beting, pai do também jornalista Mauro Beting.
Na partida o Peixe formou: Laércio, Fioti, Mauro, Dalmo e Calvet; Zito e Mengálvio (Ney); Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe (Sormani). O técnico era Luiz Alonso Perez, o Lula.
O jornal O Globo destacando o lance publicou que:
“Desde que surgiu, garoto ainda, para o futebol profissional e para a fama, Pelé não havia conseguido marcar um só tento contra o Fluminense. Vitória do Santos, empate ou derrota e o artilheiro ludibriou as mais diversas defensivas nacionais e estrangeiras saía de campo sem contribuir para o marcador. Ontem à tarde, no entanto, ao mesmo tempo em que derrubava a outra história, a de que não produzia o quanto é capaz no Maracanã, Pelé quebrou o tabu, assinalando o primeiro “goal” do Santos, quando os relógios decretavam o 3º minuto do jogo”. No caso do 2º gol de Pelé, o jornal carioca o qualifica como “um gol para entrar para a história”.