Por Guilherme Guarche e Gabriel Santana, do Centro de Memória
Em 16 de fevereiro de 1963 ocorreu, no Maracanã, um episódio que entrou para a história do futebol como mais uma das inúmeras façanhas de Pelé. O Santos perdia para o Vasco por 2 a 0, a partida entrava nos seus cinco minutos finais, os zagueiros vascaínos Brito e Fontana provocavam o craque santista, quando algo inesperado aconteceu.
“Você viu algum rei por aí, Brito?”, perguntava Fontana.
“Eu não, Fontana, e você?”, respondia o companheiro de zaga.
Nisso, aos 41 minutos, Pelé fez um gol. A partir daí os instantes finais da partida passam a ser descritos pelo notável cronista esportivo e dramaturgo Nelson Rodrigues, em sua coluna do jornal O Globo:
“A multidão parou. E o tento solitário de Pelé veio como um toque sobrenatural numa peleja decidida. Mas o Vasco continuava na frente. O Santos fizera o seu “goal” de honra e só. Pois bem – e continua a batalha. O time do Santos arquejava como um asmático em último grau. Era preciso impedir que Pelé tocasse na bola. Nos últimos segundos , há uma chance do Santos, Toninho enche o pé e fura. Estava salvo o Vasco. Não, não estava salvo. Falhou Toninho, mas Pelé apareceu. Não estava lá, mas vejam vocês – desabrochou na hora e no momento certo. Enfiou a bola lá dentro e com que graça, sortil&ea cute;gio, beleza e “goal” perfeito. Irretocável como um soneto antigo. E aí está porque nós o consideramos o maior jogador do mundo. Amigos, não há Santos e insisto: Há Pelé. Dizia-me um colega, ontem no Maracanã: “O crioulo teve sorte”. Exato. Mas a sorte pertence aos Pelés, aos Napoleões. A história deu a Bonaparte, de mão beijada, uma Revolução Francesa. E é claro que as potências misteriosas do destino carregam Pelé no colo. Alguém diria que para os dois “goals” Pelé pouco ou nada fez, pelo contrário: quem enfia nos três minutos de uma partida dois “goals” já fez tudo. E mesmo que não jogasse nada, amigos, só os pernas de pau, os cabeças de bagre precisam jogar bem. Um Pelé pode sentar em campo para ler gibi. Com um leve toque, marcou um &l dquo;goal”, com um segundo toque imponderável, empatou”.
Uma matéria da revista Placar de março de 1999 afirma que após buscar a bola no fundo do gol, Pelé a entregou a Fontana e disse: “Toma, leva para tua mãe. Diz que foi o Rei que mandou”. Mas, na mesma matéria, Pelé, humildemente, desmente essa frase:
“Naquele dia, o Fontana e o Brito me encheram demais. Toda vez que a bola saía e eu ia buscar, um deles chutava mais longe, aproveitando que, naquela época, não havia tantos gandulas. Depois, falavam: “É crioulo, essa não dá mais…”. Só que quando faltavam três minutos para o jogo terminar, fiz um gol, descontando para 2 a 1. Faltando dois minutos, fiz outro. Aí peguei a bola, dei para o Fontana e disse: “Tá vendo isso aqui? Leva para a sua mãe de presente”. Mas eu não falei que “foi o Rei que mandou”.
Aquele jogo marcou a estreia de Toninho Guerreiro, que entrou no lugar de Pagão. O time escalado pelo técnico Lula jogou com Gylmar, Dalmo, Mauro e Zé Carlos (Tite); Calvet e Lima; Dorval, Mengálvio, Pagão (Toninho), Pelé e Pepe.
E o Santos vestiu azul
Em uma época na qual nem se falava em terceira camisa e as cores tradicionais dos clubes eram sagradas, o Santos teve de vestir camisas azuis contra o Universitário, do Peru, em partida disputada no Estádio Nacional de Lima em 16 de fevereiro de 1960.
O Santos não levou seu uniforme de camisas listradas para aquela excursão e o time peruano, que usava camisa creme, não quis trocar a sua. O jeito foi o Alvinegro Praiano utilizar camisas azuis, de treino. Com elas o Santos empatou em 2 a 2, com gols de Ney e Pepe. O time jogou Laércio, Getúlio e Dalmo; Urubatão, Formiga e Zito; Dorval, Mario (Afonsinho), Ney, Pelé e Pepe.
Dez dias depois as equipes voltaram a se enfrentar no mesmo estádio Nacional de Lima e novamente o Santos teve de improvisar, usando camisas azuis e vermelhas de um clube amador da cidade chamado River Plate. Dessa vez o Alvinegro foi derrotado por 3 a 2. Naquele giro pela América do Sul o Alvinegro jogou 10 partidas, com seis vitórias, dois empates e duas derrotas; 24 gols marcados e 14 sofridos.
Pelé com amigdalite
Após a derrota por 3 a 2, no segundo jogo contra o Universitário, Pelé foi hospitalizado devido a fortes dores na garganta. Ficou constatado que o craque precisava ser operado, pois estava com amigdalite. A cirurgia afastaria Pelé da final da Taça Brasil de 1959, diante do Bahia, no Maracanã, só jogada em 29 de março de 1960. Sem seu melhor atacante, o Santos perderia por 3 a 1, dando ao adversário a primazia de se tornar o primeiro campeão brasileiro.