Raul Estevan, do Memorial das Conquistas
Em consecutivos anos, o Santos passava perto. Sua hora precisava chegar.
O início da década de 30 foi marcada pela profissionalização do futebol. Fase de diversos burburinhos, à época discutia-se muito se o esporte deveria, ou não, se profissionalizar. Era tudo complicado. A cultura do futebol se dividia entre os que defendiam um amadorismo (que criaram e jogaram suas próprias ligas) e os que, vencedores, conseguiram se reunir e tornar esse esporte que, já à época, se tornava tão popular.
“Cansei de ser amador no futebol, onde essa condição há muito deixou de existir. Os clubes enriqueceram e eu não tenho nada”, diziam jogadores da época. Foi somente em 1933, com a criação da liga que hoje conhecemos como FPF, que o futebol se tornava profissional. Eram os pontapés iniciais de uma grande história sem fim. Com essa nova fase, demorou dois anos para que o clube litorâneo conquistasse seu primeiro título oficial.
Em 1935, após quase uma década batendo na trave, o Santos Futebol Clube vinha de fora para destronar os tão favorecidos e bem estabelecidos do eixo da capital. A conquista de seu primeiro Campeonato Paulista estava atrelada a uma série de polêmicas dentro e fora de campo. O futebol, recém profissionalizado, ainda engatinhava para regras e condições plenas de jogo. E, dessa forma, clubes de fora da elite da capital eram constantemente prejudicados.
No ano de 1927 o Alvinegro Praiano, com o grandioso ataque dos 100 gols em apenas 16 partidas, foi vice-campeão no Campeonato Paulista. Daquele ano até 1931, o clube santista ficou quatro vezes na segunda colocação. Algo precisava mudar. Foi somente em 1935, com um ultimato do presidente Carlos de Barros, que essa maré começaria a virar.
Para a partida final, um recado: não seriam toleradas injustiças. O presidente santista, já farto das inúmeras falcatruas da arbitragem paulista, fez questão de deixar clara a mensagem e a repassou para os estivadores do Porto de Santos. Caso o clube fosse novamente prejudicado, os galões de gasolina transportados nos vagões da São Paulo Railway com destino ao estádio de madeira do Parque São Jorge teriam sua utilidade. Pelo bem de todos, não foi necessário, e o time santista se garantiu na bola.
Batendo o Corinthians por 2 gols a 0, o Alvinegro Praiano se consagrou, pela primeira vez, campeão paulista. O primeiro saiu dos pés de Raul. O artilheiro alvinegro conta, dias depois, que ficou “tonto de alegria” e que sentiu o campo girar em torno de si. Entretanto, foi somente minutos após seu gol que o placar se consolidaria. Em bola alçada na área, o autor do primeiro tento escora a bola para os pés de Araken. Depois de anos e anos como protagonista, a narrativa havia de ser essa. Foi o grande primeiro raio que esteve lá para acabar com o jogo e arrematar a vitória.
Não houve confusão no pós-jogo; pelo contrário, ao chegar a notícia nas ruas de Santos, logo se instaurou a festa. E ela chegou rápido, como conta o jornal A Tribuna.
“Logo que os rádios anunciaram a vitória final, as ruas começaram a movimentar-se, como se qualquer coisa de anormal e estranho houvesse acontecido. Em pouco tempo, a praça Ruy Barbosa, em frente ao “Café Paulista”, estava repleta de pessoas, e à medida que se aproximava a hora da chegada da delegação, o público ia aumentando. Tomaram-se preparativos para que a recepção fosse condigna.”
Anormal, somente para a época. Ao longo dos anos, o costume da comemoração veio junto aos outros 21 títulos que se sucederam. Eram os novos tempos chegando. As ruas de Santos foram aprendendo a se acostumar com a vitória e a festa, e a tradição só começava.