O primeiro jogo da história da Vila Belmiro

Por Gabriel Pierin, do Centro de Memória

Dias antes da data marcada para o jogo inaugural, o Santos ajustou o calendário. Os sucessivos dias chuvosos adiaram a tão esperada da primeira partida do Alvinegro em sua Praça de Esportes, na Vila Belmiro. 

Na reunião de diretoria de 11 de outubro foi lido um ofício da Associação Paulista de Sports Athléticos (APSA), “nomeando comissão que examinará o ground deste club”. A entidade, em comum acordo com a diretoria concordou com a transferência do jogo entre Santos e Ypiranga que deveria realizar-se no dia 12 para o dia 22 próximo. No dia 18 o Santos recebeu um ofício da APSA: “[…] considerando o campo deste club apto para nele disputar matches do campeonato sendo de notar que esses matches serão oficiais, caso não chova copiosamente no dia do jogo ou dois dias antes e o club escalado alegue o estado do campo com as chuvas”.

No domingo primaveril, dia 22 de outubro de 1916, o Santos recebeu cerca de duas mil pessoas na Praça de Esportes. Presidido por Agnello Cícero de Oliveira e com apenas quatro anos de fundação, o clube já exibia, orgulhosamente, a sua nova casa.

Havia apenas modestas arquibancadas de madeira e uma cerca em volta do campo para o público pagante. Em campo o time não decepcionou e venceu a forte e tradicional equipe do Clube Atlético Ypiranga, da capital, por 2 a 1. 

O primeiro gol marcado no campo foi de autoria de um dos fundadores do Peixe, o jovem Adolpho Millon Junior, um atacante polêmico, que naquela época era sempre chamado para defender a Seleção Brasileira. Aos 21 anos esse endiabrado ponta-direita entraria em definitivo para a história santista ao assinalar esse gol pioneiro. Depois de Millon, o meia-esquerda Jarbas também marcou para o Santos, enquanto o atacante Formiga fez o único gol dos visitantes.

O Santos, dirigido por Urbano Caldeira, formou com Odorico, Américo e Arantes; Pereira, Oscar e Junqueira; Millon, Marba, Tedesco, Jarbas e Arnaldo. O Ypiranga jogou com Dionísio, Dario e Ferreira; Loschiavo, Jacinto e Peres II; Hugo, Ary, Bororó, Peres e Formiga.

Um detalhe importante a ser destacado é que o jogo pioneiro foi disputado em um campo sem grama, já que devido às chuvas intensas que ocorreram no início daquele mês de outubro não foi possível o plantio do gramado e a partida foi disputada no terreno enlameado. No dia anterior, o jornal A Tribuna destacou assim o encontro: 

“É extraordinario, é ardente, o enthusiasmo que se nota entre os innumeros associados do Santos e os varios apreciadores do salutar sport britannico, pela grandiosa pugna que, amanhã, na nova praça de esportes, a Villa Belmiro, se vae travar entre o galhardo campeão santista e a valorosa equipe da paulicea. O interesse que este encontro vem despertando em todas as rodas sportivas é a prova mais cabal da necessidade imperiosa que, desde há muito, se impunha, diante do nosso progresso sportivo, dessa extraordinária obra que um grupo de esforçados e arrojados sportsmen acaba de legar a esta cidade. Santos, presentemente, pode, affoitamente e com orgulho, dizer que, em seu seio, mantem uma praça sportiva que rivaliza com todas as congêneres do Estado. Até que enfim teremos ocasião de assistir a matches de foot-ball e não de “water-polo” e poderemos receber qualquer “esquadra” sportiva sem que tenhamos de ficar, diante dos visitantes, compromethidos e vexados, pelo desleixo e desamparo a causa sportiva. Ainda bem que esse núcleo de sportmen alcançou, após innumeros sacrifícios, a palma da victoria, que toda a população santista lhe offerta enthusiasticamente. O vasto campo do Santos ficará amanhã ao “complet” levando ali tudo quanto há de mais fidalgo no nosso Burgo. Vae, pois, ser uma das tardes superiores das nossas pugnas sportivas. O valor dos antagonistas é de sobejo conhecido, e, portanto, a luta será emocionante e plena de brilhantismo. Oxalá que o tempo não venha empalidecer esta bella e grandiosa festa sportiva. De accordo com o estabelecido pela Associação Paulista de Sports Athleticos, as senhoras pagarão ingresso, e os menores de 14 annos quando acompanhados de suas famílias terão entrada franca”.

As benesses da nova Praça de Esportes ultrapassaram a questão competitiva dentro das quatro linhas do gramado. O Santos passou a contar com a arrecadação dos jogos e com a exploração da venda de produtos.

O impacto foi sensível também na aquisição de novos sócios. Já na primeira reunião após a inauguração da Praça de Esportes foram apreciadas 92 novas propostas de sócios.

A proposta para adoção do nome Urbano Caldeira foi realizada em Reunião de Diretoria em 17 de março de 1933, quatro dias após o falecimento de Urbano. O autor da proposta foi o sempre presente Ricardo Pinto de Oliveira. Em reunião do Conselho Deliberativo de 24 de março, tal proposta foi aprovada por unanimidade e a Praça de Esportes passou a chamar: Praça de Esportes “URBANO CALDEIRA”. Uma justa e merecida homenagem.

Os números de Vila Belmiro

Desde esse primeiro e longínquo jogo no Alçapão da Vila Belmiro até hoje, o Peixe disputou exatas 2338 partidas oficiais no Urbano Caldeira. O Santos venceu 1506, empatou 471 e perdeu 390, marcando 5857 gols e sofrendo 2752.

Quem mais vezes estufou as redes do estádio Urbano Caldeira foi o eterno Rei Pelé, que marcou 288 gols, seguido por Feitiço, com 162; Pepe, 152; Araken Patusca, 133, e Camarão e Coutinho, empatados com 106 gols.

Os santistas que mais vezes jogaram no estádio praiano foram: Zito, com 218 partidas; Léo e Pelé, 210; Antoninho, 203; Pepe, 201 e Camarão, com 185. O Urbano Caldeira, que completa 106 anos, é o estádio particular de um time de primeira divisão mais antigo do Brasil em atividade.

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