Gabriel Pierin, do Centro de Memória
Aos 40 minutos do primeiro tempo Pelé recebeu a bola do zagueiro Dalmo na entrada da área. O meia controlou a bola e atravessou todo o gramado sem tomar conhecimento da perseguição dos adversários. Assim, entrou na área do Fluminense e desvencilhou-se de Pinheiro. Jair Marinho veio na cobertura e Pelé, mais rápido, colocou com categoria a bola no canto direito, para marcar o segundo tento do Santos.
O feito espetacular foi na tarde de 5 de março de 1961, um domingo de verão, quando o Fluminense recebeu o Santos no Maracanã. Cerca de 40 mil pessoas assistiram à partida válida pela segunda rodada do Torneio Rio-São Paulo. Um jogo que entrou para a história pelo gol mais bonito já visto no Maracanã: o gol de placa de Pelé. Torcedores colocaram a rivalidade de lado, proporcionando uma cena inédita no Maracanã, ao comemorarem juntos o gol espetacular.
O episódio foi descrito assim pelo jornalista Mário Filho em seu livro “Viagem em torno de Pelé”:
Era um gol visto do princípio ao fim, como nunca se vira outro. Então aconteceu uma coisa inédita. A multidão não se levantou. Continuou sentada. Mas prorrompeu em palmas. Não houve um só espectador que não batesse palmas. Era uma ovação de Teatro Municipal. As palmas não paravam aumentando de intensidade. Batia-se palmas olhando para o campo, para Pelé. Pelé ouviu as palmas e olhou para as arquibancadas do Maracanã. Depois levantou o braço e acenou com a mão, agradecendo. Recebia os abraços de Coutinho, de Zito, de Pepe, de Dorval e continuava a escutar as palmas… Correu para o meio de campo, acenando com a multidão levantada, agradecendo. Era aquela a homenagem mais bela que recebera…
As palmas só cessaram quando Valdo deu a nova saída. Iam recomeçar logo depois, pois acabava o primeiro tempo e Pelé saía de campo. A diferença é que agora a multidão se pôs de pé para aplaudir Pelé. Quando Pelé desapareceu no túnel, ninguém ficou quieto. A vontade que todo mundo tinha era de se abrir, de compartilhar com alguém a alegria do gol de Pelé. Formavam-se grupos. Gente que não se conhecia tornava-se íntima pelo milagre do gol de Pelé.
O Santos ainda faria o terceiro gol no início do segundo tempo. Aos sete minutos, Pelé entregou a bola com perfeição para Pepe completar de primeira. O chute pegou efeito e surpreendeu Castilho. Depois de construir o placar de 3 a 0, o time de Vila Belmiro se acomodou. O Fluminense criou boas oportunidades, mas só descontou no último minuto, com o gol de Jaburu.
Naquele domingo inesquecível, o Santos foi escalado pelo técnico Lula com Laércio, Fioti, Mauro e Dalmo; Zito e Calvet; Dorval, Mengálvio (Ney), Coutinho, Pelé e Pepe (Sormani). O Fluminense, do técnico Zezé Moreira, atuou com Castilho, Jair Marinho, Pinheiro e Altair; Edmilson e Clóvis (Paulo); Telê Santana (Augusto), Paulinho, Valdo, Jaburu e Escurinho. Na arbitragem, o potiguar Olten Ayres de Abreu.
Na rodada seguinte, em 11 de março, também no Maracanã, o Santos goleou o Flamengo por 7 a 1, diante de mais de 90 mil pessoas, e Pelé marcou mais três gols. A fase excepcional de Pelé incomodava os adversários que reagiam com violência.
Na partida contra o São Paulo, em 15 de março, no Pacaembu, Dino Sani e Vitor foram citados na súmula da arbitragem por terem dado pontapés em Pelé. O Santos venceu por 1 a 0, mas perdeu o seu maior craque pelos três jogos seguintes do Rio-São Paulo. Pelé teve dificuldade para recuperar seu melhor futebol, o que foi decisivo para impedir o título do Santos.
Gol de Placa
Entre os presentes no Maracanã estava o jovem jornalista paulista Joelmir Beting, que cobria o jogo para o jornal O Esporte. Joelmir decidiu que aquele gol merecia uma placa. Ele mesmo mandou confeccioná-la, de bronze, pagou do seu bolso e foi levá-la ao estádio, em nome do jornal em que trabalhava. Nela estava escrito: Neste campo no dia 5-3-1961 Pelé marcou o tento mais bonito da história do Maracanã. O Esporte.
Joelmir fazia questão de dizer que não era o autor da expressão “gol de placa”, mas a verdade é que ela se consagrou após o gol de Pelé e a placa que doou ao Maracanã. Em 2011, quando o gol completou 50 anos, Pelé enviou uma placa de acrílico a Joelmir com os seguintes dizeres: Ao Joelmir Beting. Gratidão eterna do autor do gol de placa ao autor da placa do gol. Edson Pelé.
A imprensa se rende ao Santos
Muito além do gol eternizado, a placa é também um marco do reinado do Santos na era de ouro do futebol brasileiro. O Alvinegro encantava e se destacava na imprensa.
Matérias sobre o jogo do Maracanã publicadas no Jornal O Globo, na Folha de São Paulo, como no Jornal do Brasil, três jornais de grande influência no País, conferem a mesma visão do grande esquadrão do Santos:
Torna-se cada vez mais difícil encontrar adjetivos para traduzir o que está jogando o Santos. No mínimo teríamos que repetir o chavão, frisando que é verdadeira máquina. Máquina que se encontra bem ajustada, engrenada e azeitada, peças perfeitas e que se ajustam de forma incrível. Começaríamos por Pelé e Coutinho que, no futebol, repetem os fechos das histórias românticas: nasceram um para o outro… (O Globo)
O Santos demonstrou, mais uma vez, ser o maior esquadrão brasileiro da atualidade. A torcida carioca soube reconhecer as grandes qualidades do Santos, sendo inúmeras vezes aplaudida com entusiasmo a tabelinha entre Pelé e Coutinho. O grande meia Pelé demonstrou ser insubstituível (Folha de São Paulo).
O Santos deu, domingo, no Maracanã, uma amostra de seu poderio, confirmando que é, no momento, o melhor team brasileiro – e consequentemente do mundo – ao derrotar o Fluminense, sem se empregar e jogar tudo o que sabe, por 3 a 1, com relativa facilidade (…). É muito difícil explicar o que é o Santos, o que joga o Santos, o que representa o Santos. O seu padrão de jogo atual é, talvez, o que houve de melhor em futebol. Como equipe é quase insuperável e individualmente tem figuras da maior categoria. A alta qualidade de cada jogador se soma para formar um team uniforme, em que os homens se completam sucessivamente. O resultado é um futebol de primeira, um futebol de luxo, belo e prático, fabuloso e objetivo. E une a tudo isso o gênio Pelé (Jornal do Brasil).