Gabriel Pierin do Centro de Memória
No dia 19 de novembro de 1969, uma quarta feira, Pelé escrevia mais um capítulo na história do futebol, ao marcar de pênalti, o milésimo gol da sua gloriosa carreira, na vitória do Santos contra o Vasco por 2 a 1, no estádio do Maracanã.
O ano de 1969 deixou um grande legado para a humanidade. O homem pisou na lua pela primeira vez, o maior festival de rock and roll de todos os tempos, o Woodstock, aconteceu nos Estados Unidos e os Beatles deixavam o palco e gravavam seu último álbum. Mas no desporto nada superou o feito de Pelé.
A expectativa pela marca inédita era acompanhada em todo o mundo. A contagem atingiu a marca de 999 gols, dias antes, no jogo contra o Botafogo da Paraíba. Pelé marcou um gol na vitória por 3 a 0. A partida amistosa no acanhado estádio José Américo de Almeida, em João Pessoa, não era o cenário ideal para o tão sonhado espetáculo. Quando o goleiro Jair Esteves sofreu uma contusão, o Rei não pensou duas vezes e trocou a chance do milésimo gol para defender outra meta, o arco santista.
No dia 16 de novembro, o Santos voltou a atuar fora de casa. No jogo contra o Bahia, em Salvador, válido pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Campeonato Brasileiro), o Peixe ficou no empate por 1 a 1. Pelé bem que tentou, mas não conseguiu. Na metade do segundo tempo, após tabelar com Manoel Maria, driblou o goleiro Jurandir e chutou para o gol vazio, mas o zagueiro Nildo se atirou e salvou o gol certo. O Bahia reagiu e abriu o marcador aos 39 minutos. Aos 43, uma bola na trave de Pelé só não sufocou o grito do torcedor porque Jair Bala aproveitou o rebote e empatou para o Santos.
A expectativa pelo milésimo gol passou para o jogo contra o Vasco no Maracanã. As duas equipes já estavam desclassificadas do torneio nacional, mas isso não desanimou o público. Nem mesmo as chuvas intensas que caíram no dia anterior tirou a previsão de um grande número de espectadores, atraídos pelo feito histórico.
Naquela noite de sonho, 19 de novembro, o Maracanã levou 65 157 pessoas para o estádio. As homenagens estavam preparadas; as emissoras de TV anunciaram a transmissão da partida e um plano de policiamento foi estabelecido para evitar a invasão de campo no momento do gol de Pelé.
O Santos entrou em campo todo de branco, com camisas de mangas curtas, e foi escalado pelo técnico Antoninho com Agnaldo, Carlos Alberto Torres, Ramos Delgado, Djalma Dias (depois Joel Camargo) e Rildo; Clodoaldo e Lima; Manoel Maria, Edu, Pelé (Jair Bala) e Abel. O Vasco, do técnico Célio de Souza, jogou com Andrada, Fidélis, Moacir, Renê, Eberval, Fernando, Buglê, Benetti, Acelino (Raimundinho), Adilson e Danilo Menezes (Silvinho).
O árbitro Manoel Amaro de Lima autorizou o início da partida. A bola começou a rolar e o clima tenso pairava no ar. O Santos era melhor, mas foi o Vasco que abriu o marcador, com Benetti, aos 16 minutos do primeiro tempo.
A pressão santista aumentou na segunda etapa e o gol de empate veio aos 10 minutos. Edu cruzou, Andrada não cortou e Renê acabou cabeceando contra sua própria meta. Edu chegou a ter uma chance clara para bater a gol, mas esperou pela chegada de Pelé. Ao empurrar-lhe a bola, um zagueiro vascaíno apareceu, apavorado, e aliviou o perigo.
Aos 33 minutos deixaram Clodoaldo livre. Ele avançou pelo meio da intermediária vascaína e enfiou uma bola rasteira para Pelé. Este dominou na corrida e se preparava para chutar quando foi abalroado por dois zagueiros adversários e caiu sobre a marca de pênalti. Manoel Amaro foi caminhando até onde estava Pelé e abaixou o corpo para apontar a marca.
Desesperado, o goleiro Andrada jogou a bola com força para o chão, depois tentou argumentar com o árbitro e, por fim, conversou com Pelé. Um outro jogador vascaíno cavava a marca de pênalti com o pé. Os jogadores do Santos foram todos para a risca do meio de campo. O público passou a gritar o nome de Pelé insistentemente.
De frente para o gol, Pelé se abaixou para arrumar as meias. Depois se virou para o campo, viu que seus companheiros estavam perfilados no círculo central e sorriu. Aos poucos todos saíram da área e ficaram só ele, a bola e Andrada.
Um silêncio pesado se fez em todo o estádio. Pelé deu três passos lentos. Apressou a marcha ameaçando uma corrida, deu uma ligeira paradinha e, num tiro seco, bateu com o pé direito no canto esquerdo do goleiro. Andrada voou com vontade, conseguiu raspar na bola, mas não evitou o gol. A bola branca atravessou a linha de gol aos 34 minutos e 12 segundos. Desacreditado, o vascaíno passou a esmurrar o chão.
Pelé não deu o soco no ar. Trocou a tradicional marca pela corrida até o fundo das redes. Foi em busca da bola do jogo. Os jornalistas saíram de trás do gol e imediatamente colocaram Pelé sobre os ombros. O estádio gritava o nome do Rei.
Os dirigentes do Vasco pediram a Pelé para vestir a camisa do time carioca, que ele já tinha vestido em alguns jogos por um combinado Santos-Vasco, em 1957. Na camisa havia o número 1000. Pelé deu a volta olímpica com ela, seguido por uma pequena multidão. Ao ser ouvido, pediu que o governo olhasse pelas crianças pobres do Brasil. Pelé deixou seu recado para o mundo.
Fim do jogo, início das homenagens
Depois da marcação do milésimo, Pelé recebeu muitas homenagens, a começar por um diploma da FIFA assinado por seu presidente, sir Stanley Rous, enaltecendo o seu feito. O vestiário ocupado pelo Santos no jogo recebeu uma placa com o seu nome. João Havelange entregou-lhe uma medalha de ouro em nome da CBD. Outra medalha de ouro foi dada pela Federação Carioca. A Companhia Brasileira de Telégrafos ofertou-lhe o painel do selo comemorativo e a Escola de Samba da Mangueira, por intermédio de seu passista Bira, deu-lhe um tamborim de prata.