O jogo da guerra suspensa 

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Por Guilherme Guarche, Centro de Memória 

Foi durante a Guerra de Biafra, no continente africano que o time do Santos viveu um dos mais épicos momentos de sua centenária história. Numa terça-feira, dia 4 de fevereiro de 1969, o time Alvinegro parou a guerra na cidade de Benin, na Nigéria para que o povo nigeriano pudesse ver o espetacular onze praiano jogar contra a Seleção do Meio Oeste.

Essa partida não constava da programação feita pelo empresário Samuel Ratinoff e só foi aceita pela diretoria do Peixe, após o clube ter recebido garantias de que sua estada em Benin seria cercada de garantias e com total segurança.

Benin, quase na fronteira da Nigéria com a região separatista de Biafra, teve naquele dia um feriado local e o tenente coronel Samuel Ogbemudia, governador da região, liberou a passagem pela ponte que ligava a cidade a cidade de Sapele para que todos pudessem assistir a partida.

O jornalista de A Tribuna, Gilberto Castor Marques, era quem cobria a excursão santista no território africano e presenciou a partida vencida pelo Santos pelo placar de 2 a 1, com gols de Edu e Toninho Guerreiro.

O técnico Antônio Fernandes, o Antoninho, escalou a equipe santista com Gylmar (Laércio), Turcão, Ramos Delgado, Joel Camargo e Rildo (Oberdan); Lima e Negreiros (Marçal); Manoel Maria, Toninho (Douglas), Pelé (Amauri) e Edu (Abel).

Cerca de 25 000 pessoas compareceram ao Ogde Stadium para assistir a exibição do Peixe. Pelé foi homenageado com flores antes do início do encontro. Na sequência o Santos ainda seguiu para Gana e Argélia antes de retornar ao Brasil.

O legado que o Peixe deixou no continente se faz sentir até hoje, dada à simpatia que os africanos possuem pelo time, pelo futebol brasileiro e pela figura mítica de Pelé.

Menos de dois meses antes, em 10 de dezembro de 1968, o Santos havia derrotado o Vasco, no Maracanã, por 2 a 1, e conquistado o título do Torneio Roberto Gomes Pedrosa de forma incontestável.

Então, o Santos partiu para uma sequência de jogos na África que se revelaria histórica. As primeiras exibições ocorreram na República do Congo. Na ocasião, o Congo estava dividido em dois países em litígio, que não mantinham relações diplomáticas. O Santos se viu obrigado a jogar nos dois, em eventos marcados pela alegria dos africanos por ver Pelé.

Depois de passagens por Lagos, na Nigéria, e Lourenço Marques, em Moçambique, o clube foi convidado para retornar à Nigéria. Dessa vez, o jogo seria em Benin, cidade próxima à fronteira com a região separatista de Biafra, epicentro de uma sangrenta guerra civil.

Entenda a Guerra de Biafra

A guerra separatista no antigo Estado do Biafra é conhecida como uma das maiores tragédias humanitárias do mundo. A Nigéria tinha uma população de mais de 45 milhões de habitantes, composta por mais de 250 grupos étnicos, principalmente pelos povos Hauçá e Fula no Norte, Iorubá no Sudoeste e Igbo no Sudeste.

O país africano tornou-se independente do Reino Unido em 1960 e conflitos internos foram gerados pela supremacia e acesso a recursos naturais, especialmente o petróleo.

Os nigerianos viveram dois golpes de Estado em 1966. Um grupo de oficiais do exército leais a Johnson Aguiyi-Iro nsi, um líder da etnia Igbo, destituíram o primeiro-ministro Abubakar Tafawa Baleva, um líder do Norte do país.

Seis meses mais tarde os Hauçás responderam às iniciativas de Aguiyi-Ironsi. Após graves motins, o governador militar da região Sudeste, Chukwuemeka Odumegwu Ojukwu, declarou o então Estado do Biafra independente em 30 de maio de 1967.

Era o começo de uma guerra que só terminaria em 1970, com a rendição de Biafra. O número estimado de mortos está entre 500 mil e três milhões de pessoas. Essa era a Nigéria que recebeu o Santos no dia 4 de fevereiro de 1969.

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