O grande curinga faz aniversário

Por Guilherme Guarche, do Centro de Memória
São Sebastião do Paraíso é um município brasileiro de Minas Gerais, distante 340 km de Belo Horizonte, situado na divisa com São Paulo. Nessa pacata cidade que, num dia de domingo, 18 de janeiro de 1942, nascia Antônio Lima dos Santos, ou simplesmente o curinga Lima, um dos jogadores mais versáteis da história do futebol brasileiro.
Ainda garoto, acompanhando a mãe, dona Izabel Fernandes dos Santos, o menino se mudou para São Paulo. Em sua adolescência o futebol se tornou algo rotineiro, tanto que chegava a disputar até duas partidas por dia por equipes como o Luso Nacional e o Leão do Norte Futebol Clube.
E foi em um desses campinhos da várzea paulistana, no bairro de Belém, Zona Leste da capital, que o seu jeito raçudo e simples de jogar chamou a atenção de Osvaldinho, ex-jogador do Palmeiras e da Portuguesa. Encantado com o futebol do garoto de 14 anos, Osvaldinho o encaminhou aos quadros amadores do CA Juventus, mesmo a contragosto de dona Izabel, que queria ver o filho estudando contabilidade.
Lima assinou o primeiro contrato profissional com o “Moleque Travesso” aos 16 anos.  O técnico da equipe grená, José Carlos Bauer, o “Gigante do Maracanã”, percebeu a qualidade do jovem lateral do time de aspirantes e o promoveu para a equipe principal. Em um domingo, 2 de agosto de 1959, na Rua Javari, Lima se tornaria testemunha ocular de um dos mais belos gols de Pelé, em um jogo pelo Campeonato Paulista.
Após cruzamento de Dorval, o Rei dominou a bola e, sem que ela tocasse o gramado, chapelou Julinho, Homero e Clóvis. Por fim, deu um último lençol no goleiro Mão de Onça – que ficou caído, com o rosto em um poça de lama – e completou de cabeça para o fundo das redes. Eram passados 42 minutos do segundo tempo. Pelé marcava o seu terceiro gol na partida, o último da goleada santista por 4 a 0. Como vinha sendo provocado pelos torcedores adversários, Pelé socou o ar para comemorar, em um gesto que se tonaria habitual.
Nessa partida Lima atuou no meio de campo, mas costumava jogar na lateral direita, e foi para essa posição que o técnico Lula o indicou para o Santos, em 1961. O novo contratado estreou em 19 de abril daquele ano, uma quarta-feira à noite, no Pacaembu, em jogo do Torneio Rio-São Paulo.
Desfalcado de Zito e Pelé e focado em uma partida festiva contra a Seleção do Distrito Federal, dois dias depois, em homenagem à inauguração de Brasília, o Alvinegro foi goleado pelo Flamengo por 5 a 1. O time jogou com Lalá, Fioti, Mauro e Getúlio; Formiga e Lima (Tite); Dorval, Mengálvio, Coutinho, Nenê (Sormani) e Pepe.
Aquele Santos ganhava muito mais do que perdia e aos poucos Lima já tinha em seu currículo os títulos Paulista, Brasileiro, da Taça Libertadores e Mundial. Apesar da pouca idade, o curinga atuou em 45 partidas no seu primeiro ano no Peixe e em 74 no ano seguinte, tornando-se fundamental nas grandes conquistas obtidas pelo Santos na chamada década de ouro do Alvinegro.
Eficaz na defesa e no ataque, Lima começou atuando mais na lateral direita, mas quando o técnico Lula precisou improvisá-los em outras posições e viu que se seu rendimento continuava bom, transformou-o no maior curinga do futebol brasileiro. Nas finais dos Mundiais de 1962 e 1963, por exemplo,  atuou no meio campo e realizou ótimas partidas. Também jogou no meio campo da Seleção Brasileira na Copa da Inglaterra, em 1966, e foi um dos poucos a não ser substituído.
O jornalista Adriano Neiva da Mota e Silva, o De Vaney, pena de ouro da literatura esportiva brasileira, comparou Lima com o personagem “Rodopião”, do primeiro conto de Humberto de Campos, no qual o escritor maranhense conta a existência de um cidadão que sabia fazer tudo, e tudo fazia bem. De Vaney afirmou que “Lima, quando o vemos, nos faz lembrar o conto, porque ele é, no mundo da bola, o “Rodopião”, incansável, prestativo, querendo ser útil a todos.”
O Curinga da Vila permaneceu no Peixe até 1971. Fez 692 jogos pelo Santos – atrás apenas de Pelé, Zito e Pepe – e marcou 63 gols. Com a camisa da Seleção Brasileira disputou 18 partidas e marcou seis gols.
Na última vez em que vestiu a camisa do Alvinegro Praiano, em um sábado, 30 de outubro de 1971, Lima formou no meio de campo com Clodoaldo e o Santos empatou em 1 a 1 com o Corinthians pelo Campeonato Brasileiro, no Pacaembu. Depois, foi jogar no futebol mexicano e lá permaneceu até 1974. Na volta ao Brasil, defendeu o Fluminense e em 1975 jogou também nos Estados Unidos, antes de encerrar a carreira na Portuguesa Santista.

“Que bom, mais um negão no Peixe!”
O eterno Curinga da Vila, chamado carinhosamente pelos antigos companheiros de “Limoeiro”, cultivou inúmeras amizades desde que chegou a Santos. A primeira delas ele não esquece. Logo que desceu do carro, em frente ao clube, deu de cara com Pelé, que o cumprimentou: “Que bom, mais um negão no Peixe!”. Lima, 19 anos, dividiria um quarto com Pelé, 20, na pensão de dona Jorgina, na avenida Pinheiro Machado, canal 1.
De seu ex concunhado e amigo, o curinga se recorda, principalmente, de dois fatos: a desorganização de Pelé e de um par de sapatos até hoje não devolvidos pelo eterno parceiro: “Ficar no quarto com ele era difícil porque ele deixava as coisas espalhadas pelo chão, e ainda me deve um par de sapatos que o cachorro dele destruiu. Era o único par de sapatos que eu tinha.”
Em defesa do Santos Lima conquistou 22 títulos oficiais, além de inúmeros torneios. Os oficiais são: Mundial (1962/1963), Libertadores (1962/1963), Brasileiro (1961/1962/1963/1964/1965/1968), Torneio Rio-São Paulo (1963/1964/1966), Paulista (1961/1962/1964/1965/1967/1968/1969), Recopa Sul-Americana (1968) e Recopa Mundial (1968).
Assim como muitos de seus companheiros de time que se apaixonaram pelas águas tranquilas das praias de Santos, como Pelé, Coutinho, Dorval, Mengálvio, Zito, Lalá, Abel, Clodoaldo e outros, Lima também veio morar e constituir família na cidade, no bairro do Embaré. Nos finais de semana costuma caminhar à beira mar acompanhado da esposa Vera Lúcia Cholby. O casal tem o filho Marcel M. Cholby Lima dos Santos.

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