O Feitiço da Vila

Por Guilherme Guarche, do Centro de Memória
Quinto maior artilheiro do Santos, Feitiço fez 214 gols em 151 partidas pelo Alvinegro Praiano, estabelecendo uma média de 1,41 gols por jogo, provavelmente a maior entre artilheiros de equipes tradicionais do futebol. Ele fez sua estreia no Santos em 3 de abril de 1927, um domingo, dia em que o Santos venceu a equipe do Palestra Itália, hoje SE Palmeiras por 3 a 2, no Parque Antártica, em São Paulo.
Nesse amistoso, cujos gols santistas foram marcados por Araken Patusca, Camarão e Feitiço, o treinador do Alvinegro era Urbano Caldeira, que escalou a equipe com Ballio, David e Américo Ratto; Alfredo, Júlio e Hugo; Evangelista, Camarão, Feitiço, Araken e Siriri.
Nascido Luiz Macedo, Feitiço fez questão de acrescentar o sobrenome “Matoso”, pelo qual ficou mais conhecido. Começou nos times de várzea do bairro do Bixiga, onde morava, com fama de jogador raçudo e com faro de gol. Além de jogar futebol, Feitiço trabalhava fazendo carretos usando uma carroça que lhe foi dada pela diretoria do São Bento.
Sua vinda para o clube que Urbano Caldeira treinava e orientava, no começo de 1927, ocorreu por insistência de Antônio Araújo Cunha, um dos fundadores do Santos, que costumava assistir Feitiço jogar pelo São Bento da capital. Naquele ano o ataque santista era formado por Omar, Camarão, Araken Patusca, Siriri e Evangelista. Feitiço entrou na vaga que era do irmão de Camarão, o Siriri, passando a integrar a linha que ficou conhecida como “O ataque dos 100 gols”, que naquele Campeonato Paulista de 1927 marcou 100 gols em 16 partidas, com uma assombrosa média de 6,25 gols por partida.
Mas nosso herói tinha um gênio forte e isso ainda lhe daria muitos problemas. Em 13 de novembro de 1927, quando jogava pela Seleção Paulista contra a Seleção Carioca, no estádio de São Januário, e placar do jogo era 1 a 1, e o árbitro marcou pênalti contra os paulistas e Feitiço não deixou que a penalidade fosse cobrada, paralisando a partida até que o ajudante de ordens de Washington Luís, o presidente da República, entrou no gramado, com uma ordem:
“O excelentíssimo presidente da República solicita aos paulistas que deixem a Seleção Carioca bater o pênalti”, disse o emissário, ao que Feitiço respondeu: “Pois diga ao excelentíssimo senhor presidente que ele manda no Palácio do Catete, mas quem manda aqui no campo somos nós”.
O assessor levou as palavras do craque a Washington Luís, que imediatamente deixou o estádio. Presidente do Santos e chefe da delegação paulista, Guilherme Gonçalves, alguém que levava a sério o respeito à disciplina, suspendeu Feitiço e expulsou do clube o goleiro santista Tuffy, que também participara da confusão em São Januário.
Sem seu homem-gol, o Santos perdeu a final do Campeonato Paulista de 1927 para o Palestra Itália, na Vila Belmiro, por 3 a 2, quando jogava pelo empate para ser campeão. Meses depois o atacante foi perdoado e voltou ao Alvinegro Praiano, pelo qual foi artilheiro dos Campeonatos Paulistas de 1929, 1930 e 1931, estabelecendo o recorde de 39 gols nesse último ano – marca só superada por Pelé em 1958, com 58 gols.
Os santistas tiveram o prazer de ver Feitiço no ataque do Alvinegro Praiano de 1927 a 1932. Ele ainda retornaria em 1936. Pela Seleção, jogou quatro partidas, marcando seis gols. O especialista em marcar gols, que costumava fazê-los até de bico, faleceu na capital paulista, na sede da Associação Paulista dos Veteranos, em 23 de agosto de 1985.

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