José Roberto Torero
Aos nove anos eu ainda não tinha escolhido para quem torceria. E isso era muito bom, porque criava uma certa disputa entre o pessoal de casa.
Meu tio Mauro falava que eu tinha que torcer para o Palmeiras, porque o verde era a cor mais bonita do mundo. Mas como essa cor me lembrava alface, chuchu, chicória e outras verduras que eu tinha que comer à força, seu argumento não era grande coisa.
Já minha avó era corintiana. E muito. Escutava os jogos em seu radinho de pilha e gritava quando saía um gol. Porém, como o Corinthians estava há muito tempo sem ganhar um título (eram os idos de 1974 e o deserto ainda duraria mais três anos), ela não possuía grandes argumentos para me convencer. Ela só dizia que, mesmo perdendo, era bom ser corintiana. Mas eu ainda era muito criança para a metafísica.
Meu pai, por sua vez, tentava ganhar minha simpatia dizendo que o Santos era o time da minha cidade. O problema é que uma criança não tem o sentimento bairrista desenvolvido e, assim, esse argumento também não ia muito longe.
Como ninguém conseguia me convencer com palavras, passaram a tentar comprar minha opinião com presentes. Eu ganhava montes de chaveiros, jogos de botões e figurinhas. Mas, como havia um equilíbrio entre os presentes, o empate permanecia.
Porém, um dia, ou melhor, uma noite, meu pai mandou que eu me arrumasse porque ele ia me levar até a Vila Belmiro. Disse que iria acontecer um jogo muito importante e que eu tinha que ver aquilo.
Achei o estádio uma coisa fantástica. Nunca tinha visto tanta gente junta. Nem tantas bandeiras, nem tantas luzes. Era uma mistura de música, fogos de artifício e gritaria. Uma coisa selvagem e linda ao mesmo tempo.
De toda aquela festa eu tinha gostado muito. Já o jogo não estava sendo grande coisa. Mas aí, de repente, um dos jogadores do Santos se ajoelhou no meio do campo e houve um instante de silêncio, como se ninguém acreditasse no que via. Logo depois os torcedores ficaram de pé e começaram a bater palmas.
O jogador abriu os braços e virou-se, de joelhos, para os quatro lados do estádio. Olhei para trás e vi que todo mundo estava chorando. Pior, olhei para o lado e vi que meu pai estava chorando. Meu pai chorando!? Aquilo era uma coisa que eu nunca tinha visto na vida. Nem visto, nem imaginado.
Perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele me explicou que aquele homem de joelhos ia parar de jogar futebol.
“Vai parar por que é muito ruim?”, perguntei.
“Não, ele é o melhor do mundo”, meu pai me respondeu com os olhos cheios de lágrimas.
Eu não entendi aquela lógica: “Se ele é o melhor do mundo, por que vai parar de jogar?”
Meu pai não me respondeu, só ficou olhando para o campo. Talvez ele também não tivesse a resposta. Nem ele, nem os milhares de homens que choravam na Vila Belmiro, transformando as arquibancadas em cascatas.
Depois, quando o jogo recomeçou, com meu pai ainda triste e calado, resolvi que tinha que fazer alguma coisa para consolá-lo. Pensei no que poderia deixá-lo mais alegre. Pensei, pensei e, quando tive uma idéia, falei:
“Pai, acho que vou torcer para o Santos.”
Ele olhou para mim, enxugou as lágrimas, pôs a mão no meu ombro, sorriu e não falou nada. Mas nem precisava.
Naquele momento, eu vi que tinha substituído Pelé.
Foi assim, no dia mais triste da história do meu time, que eu me tornei santista.