Por Guilherme Guarche, do Centro de Memória
Um dos 9.437 felizardos presentes na Vila Belmiro na chuvosa tarde de sábado, 21 de novembro de 1964, o autor deste artigo viu, do começo ao fim, a partida pelo Campeonato Paulista em que o Santos triturou o Botafogo de Ribeirão Preto por 11 a 0 e Pelé marcou oito gols.
Percebia-se que o Santos estava “mordido”, pois há três dias tinha sido goleado pelo Guarani, em Campinas, por 5 a 1. E também porque no primeiro turno, em Ribeirão Preto, contra esse mesmo Botafogo, tinha perdido por 2 a 0 e sofrido provocações do adversário.
O técnico Lula fez algumas alterações no time que jogou em Campinas. Sem Zito, machucado, o meio de campo ficou com Lima e Mengálvio. No ataque saiu o ponta-direita Peixinho e entrou Toninho Guerreiro. O time entrou em campo com Gylmar, Ismael, Modesto, Haroldo e Geraldino; Lima e Mengálvio; Toninho, Coutinho, Pelé e Pepe.
Além de Pelé, também marcaram na goleada os atacantes Pepe, Coutinho e Toninho Guerreiro. O detalhe é que nem o inédito gol olímpico de Pepe recebeu o merecido destaque da imprensa, que enalteceu apenas os oito gols do Rei.
No dia seguinte, o jornal A Gazeta Esportiva escancarava a seguinte manchete: “SACI da Vila marcou oito gols. Pelé superou Fried depois de 35 anos.”
Esse recorde brasileiro de oito gols em uma só partida durou até 1976, quando Dario, o Dadá Maravilha, marcou 10 gols na vitória por 14 a 0 do Sport Recife sobre o Santo Amaro, pelo Campeonato Pernambucano. Antes, o recorde do Rei já tinha sido igualado por Jorge Mendonça, que marcou oito gols na goleada de 8 a 0 do Náutico contra o mesmo Santo Amaro.
O reconhecimento de Araken
Na verdade, não só Friedenreich, mas também o santista Araken Patusca já tinha marcado sete gols em uma partida oficial. Isso ocorreu em 3 de maio de 1927, na mesma Vila Belmiro, dia em que o Santos goleou o tradicional Ypiranga por 12 a 1, com sete gols de Araken, dois de Feitiço e outros de Hugo. Camarão e Evangelista.
Ao saber que Pelé havia superado a sua marca, o elegante Araken Patusca, então com 59 anos, escreveu a seguinte carta ao número 10 do Santos:
Pelé, você me suplantou. Você me venceu. Você marcou 8 tentos numa partida oficial de campeonato. Eu marquei 7. Meus olhos se turvaram. Eram lágrimas que os umedeciam, e que traduziam não a amargura pela perda de um recorde de 37 anos, mas que eram, e isso sim, o testemunho de uma recordação.
Pelé – naquela mesma cidade, Santos, a minha cidade. Naquela mesma cancha, Vila Belmiro, ante a mesma torcida vibrante do Campeão da Técnica e da Disciplina, com aquela mesma camisa, que seria a de número 10 se numerada fosse, eu, em 1927, conseguia 7 tentos em jogos de campeonato.
Dois anos depois, em 1929 fui alcançado no recorde pelo mestre da época, Arthur Friendenreich. Durante 37 anos fui o recordista, acompanhado em 35 anos pelo grande Arthur Friendenreich. Pelé – você sucede na tabela de artilheiros recordistas, não a este pequeno Araken Patusca, mas ao rei do passado – Arthur Friendenreich.
Ao longo da carreira, Pelé não superaria apenas o grande Araken ou o lendário Friedenreich. Com 1091 gols em 1116 partidas oficiais, se tornaria o maior artilheiro do futebol, além de o jogador mais vitorioso.
Em 1964 o Campeonato Paulista acabou vencido pelo Santos ao bater a Portuguesa de Desportos, na Vila Belmiro, por 3 a 2, em 16 de dezembro. O Botafogo ficou na décima posição entre 16 participantes.
Osvaldo Brandão, técnico do “Pantera da Mogiana” no jogo dos 11 a 0, foi contratado pelo Corinthians logo em seguida. Duas semanas depois da goleada histórica, Santos e Corinthians se enfrentaram, no Pacaembu, e o Santos venceu por 7 a 4, com quatro gols de Pelé e três de Coutinho. O resultado fez com que alguns santistas passassem a chamar o conhecido técnico por “Dezoito”.