Odir Cunha, do Centro de Memória
Colaboração de Guilherme Guarche
Há 54 anos os locutores não soletram o verso dodecassílabo mais conhecido do futebol. A última vez ocorreu em 9 de janeiro de 1966, um domingo, em Abdjan, Costa do Marfim, quando Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe iniciaram a partida que terminou com uma goleada de 7 a 1 sobre o Stad Club Abidjan, diante de 30 mil espectadores.
Já não eram meninos. A média de idade dos cinco era de 26,6 anos. Dorval e Pepe fariam 31 anos um mês e meio depois daquele jogo; Mengálvio tinha 26 anos e só ficaria mais duas temporadas no Santos; Coutinho era o mais jovem, 22 anos, mas seus joelhos já não eram os mesmos. Apenas Pelé, aos 25 anos, ainda teria mais de dez anos de futebol pela frente.
Naquele jogo que iniciava a temporada do Santos em 1966, Pelé, Coutinho e Pepe marcaram duas vezes cada um, e Lima fez o primeiro dos sete. Só com o tempo se percebeu que terminara ali, no Noroeste da África, a saga da linha ofensiva que virou poesia, ainda hoje declamada por quem aprecia e respeita a história do futebol.
Testemunhos como o do técnico Jesualdo Ferreira nos levam a um tempo que hoje pode parecer sonho. Sim, já existiu uma época em que os times jogavam com cinco atacantes e o Santos tinha dois pontas rápidos, habilidosos e ótimos finalizadores; um meia e um centroavante geniais em tudo e um armador cheio de classe que ditava o ritmo da equipe. Enfim, um ataque irresistível, capaz de romper qualquer sistema defensivo.
No seu apogeu, entre 1961 e 1963, esse ataque santista foi o maior responsável por uma sequência de nove títulos oficiais consecutivos: Paulista e Brasileiro de 1961; Paulista, Brasileiro, Libertadores e Mundial de 1962; Torneio Rio-São Paulo, Brasileiro e Libertadores de 1963.
Na primeira vez em que jogaram juntos, em 19 de abril de 1960, uma terça-feira, no Pacaembu, pelo Torneio Rio-São Paulo, a média de idade do quinteto era de 21 anos. Coutinho tinha apenas 16; Pelé, 19, Mengálvio, 20, Dorval e Pepe, 25. Menos de mil pessoas viram aquele empate de 2 a 2 com a Portuguesa de Desportos, em que Zito e Ney Blanco marcaram para o Santos. O Ataque dos Sonhos só se formou quando Ney foi substituído por Mengálvio no segundo tempo.
Os cinco só iriam começar uma partida um mês e meio depois, em 7 de junho de 1960, na estreia do Santos no Torneio de Paris contra o Stad Reims, da França, vice-campeão europeu de 1956 e 1959. Na noite de terça-feira, em que 40 mil espectadores lotaram o Parc des Princes, Coutinho, ainda com 16 anos, fez três gols, e Pelé e Pepe completaram a goleada de 5 a 3 que encantou os franceses e a crônica europeia.
No segundo gol santista, a cinco minutos de jogo, Pelé pegou a bola após uma tentativa de drible de Mengálvio, driblou cinco jogadores em um espaço de oito metros e colocou, rasteiro, no canto direito do goleiro Colonna. Uma obra-prima. Dois dias depois o Alvinegro derrotou o Racing Paris, bicampeão do torneio, por 4 a 1, com dois gols de Coutinho, um de Pelé e um de Pepe. A partir daí, o técnico Lula não tinha mais o que pensar na hora de escalar o ataque.
97 jogos, 68 vitórias, 314 gols
O Ataque dos Sonhos iniciou 97 partidas pelo Santos, das quais obteve 68 vitórias e marcou 314 gols, o que dá uma média de 3,23 gols por jogo. Nos três anos em que mais atuaram, entre 1961 e 1963, fizeram 74 jogos e marcaram 254 gols. Destes, Pelé fez 118; Coutinho, 79; Pepe, 57; Dorval, 30 e Mengálvio, 11 (os cinco também atuaram, juntos, em três jogos da Seleção Brasileira).
O quinteto se exibiu em 18 países espalhados pelas Américas do Sul e Central, Europa, África e Oriente Médio. O país em que mais jogou foi o Brasil (47 vezes), seguido por França (9) e Itália (8). No Brasil estão os três estádios em que mais se apresentou: Pacaembu (17 jogos), Vila Belmiro (10) e Maracanã (9).
A quantidade de jogos que os cinco fizeram juntos pode parecer pequena, mas ocorre que o Santos era constantemente desfalcado por convocações da Seleção Brasileira; por contusões, como as de Coutinho em 1964 e de Pelé em 1962, pela transferência de Dorval para o Racing da Argentina, em 1964, e pelas opções do técnico Lula, que sempre que podia poupava alguns titulares.
Durante o período em que reinou, o Ataque dos Sonhos teve reservas de alto nível, que eventualmente assumiam a titularidade. Em 1960 os “intrusos” eram Sormani, Tite, Ney Blanco, Pagão. O ponta-direita Angelo Sormani, oriundo de Jaú, depois faria carreira na Itália, onde seria chamado de “Pelé bianco”. O ponta Tite e o centroavante Pagão tinham nível de Seleção Brasileira e Ney Blanco era um goleador experiente e eficiente.
Sem contar o curinga Lima, que em muitos jogos importantes saiu da lateral-direita e substituiu Mengálvio, como nas finais da Libertadores de 1963 e dos Mundiais de 1962 e 63. Na verdade, mesmo fazendo parte da linha ofensiva mais famosa do futebol, Mengálvio jogava mais recuado, protegendo a defesa, enquanto Zito avançava mais. Não por coincidência Zito marcou 57 gols com a camisa do Santos, o dobro de seu companheiro de meio campo.
Muitos já tentaram explicar a força daquele ataque e daquele time. A qualidade técnica daqueles jogadores, obviamente, é um aspecto sempre lembrado. Mas o centroavante Coutinho, falecido em 11 de março do ano passado, definiu assim o segredo do quinteto de ouro:
O segredo não era o entrosamento, mas a amizade. Todos nós chegamos ao Santos na faixa dos 15 a 20 anos e nos tornamos amigos. A gente morava junto, saía junto, viajava junto e brigava junto. Isso nos deu muita força.