Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Estatísticas por Gabriel Santana e Guilherme Guarche
Nas noites de verão os quartos embaixo do concreto da Vila Belmiro viravam um forno. Mesmo acostumado com o calor, o jovem sergipano de 16 anos não conseguia dormir. Então, pegava o colchão e o carregava até um degrau alto da arquibancada. Lá, sob as estrelas, finalmente adormecia o garoto de Itabaianinha que seis anos depois se consagraria como o melhor médio-volante do mundo.
A vida de Clodoaldo Tavares Santana, que neste 25 de setembro completa 70 anos, foi tão difícil quanto marcar um atacante driblador. Aos seis anos perdeu os pais e pouco depois foi trazido pelo irmão Antonio de Aracaju para a Praia Grande. Lá, mesmo criança, ajudava na faxina da colônia de férias do Banco Noroeste, onde Antonio era zelador.
Aos 10 anos veio morar com a irmã no Morro de São Bento, em Santos, e passou a coroinha de Frei Cosme na Igreja do Valongo. Chegou a estudar alguns meses no Seminário de Frei Galvão, em Guaratinguetá, mas o desempenho no futebol de rua mostrou que sua vocação era outra. Em 1965, aos 15 anos, já morava no Santos.
Lembra-se, ainda hoje, do dia em colocou a cara para fora do quarto e viu Pelé saindo do refeitório dos profissionais. Sorridente, o melhor jogador do mundo lhe ofereceu uma maçã. A alegria, que deixou Clodoaldo em estado de choque, só foi superada quando Zito lhe passou, no vestiário, a sagrada camisa número cinco do Santos.
O garoto destemido, que os amigos chamavam Corró, estreou no Santos aos 16 anos, em 5 de junho de 1966, entrando no lugar de Joel Camargo em partida amistosa na qual o Alvinegro Praiano venceu o Olímpico Blumenau, em Blumenau, por 2 a 0, com gols de Coutinho e Amauri. Nesse domingo o técnico Lula escalou o time com Laércio, Oberdan (Zé Carlos), Mauro e Geraldino; Joel Camargo (Clodoaldo) e Haroldo; Amauri, Salomão, Coutinho (Wilson),Toninho (Del Vecchio) e Abel.
Líder pelo exemplo de garra, amor e gratidão ao time, Clodoaldo defendeu o Santos de 1966 a 1980, participando de 512 partidas e marcando 14 gols. Com a camisa alvinegra foi campeão paulista em 1967/68/69/73 e 78, campeão brasileiro em 1968, campeão das Recopas Sul-americana e Mundial em 1968.
O gol mais importante da Copa de 70
Destro, mas capaz de marcar com a mesma eficiência dos dois lados do campo, Clodoaldo ainda sabia driblar e passar, o que o transformava em um volante com habilidades de meia. Insuperável na defesa, não se conhece quem o tenha visto perder uma dividida. E se percebia que o time precisava dele no ataque, avançava em busca de gols decisivos.
Assim ocorreu na semifinal da Copa de 70, no México, contra o Uruguai. O time sofrera um gol inexplicável de Luis Cubilla aos 18 minutos e a partida se arrastava pesadamente para o final do primeiro tempo sob a sombra do Maracanazzo, a tragédia de 50. O Brasil parecia paralisado. O meia Gérson se mantinha recuado. Então, o mais jovem da equipe decidiu ir à frente.
Pouco antes do fim do primeiro tempo o garoto de 20 anos avançou pela meia, abriu para Tostão, na esquerda, e correu para receber à frente. O passe veio na medida e Clodoaldo enfiou o pé direito com vontade para vencer o goleiro Mazurkiewicz.
Aquele gol acabou com a empáfia uruguaia e sacudiu a Seleção Brasileira, que marcou mais duas vezes na segunda etapa e se classificou para jogar e vencer a Itália no confronto que valeu pela posse definitiva da Jules Rimet e tornou o Brasil o País do Futebol.
Titular absoluto da posição desde 1970, o médio-volante santista era nome certo para a Copa de 1974, na Alemanha, não fosse uma séria contusão no joelho. Ao todo fez 55 jogos e anotou cinco gols pela Seleção Brasileira.
Ainda jogaria até 1980, mas nunca mais seria tão bom. Em tempo: a contusão que abreviou sua carreira foi provocada por um buraco no campo. Jamais por uma dividida.