Por Odir Cunha, do Centro de Memória
A saída do Rei do futebol coincidiu com uma era de escassez no Santos. Sem poder contratar grandes jogadores, o time não era o mesmo que havia dominado o esporte por quase duas décadas. “Pelé parou, o Santos acabou” gritavam os raivosos adversários nos estádios de 1974 até os primeiros meses de 1979. Mas ninguém contava com a astúcia de Chico Formiga e seus intrépidos Meninos da Vila.
Formiga havia assumido o comando técnico depois de uma noite de quebradeira no Pacaembu – 20 de abril de 1978 –, na qual 20 mil santistas se revoltaram contra o time que perdeu para o Operário de Campo Grande por 2 a 1, pelo Campeonato Brasileiro, e em plena época de regime militar bateram até nos PMs que tentaram conter os torcedores mais exaltados. Naquela noite o técnico interino era Mengálvio, que substituía Ramos Delgado.
Com Formiga no comando, jogadores que tinham sido orientados por ele no juvenil – como Pita, Juary, Zé Carlos, Toninho Vieira, Célio, Rubens Feijão – tiveram sua oportunidade, enquanto alguns veteranos começaram a perder espaço. Pode-se dizer que ali, naquela noite de tristeza e vergonha, começou a ser montado o time que venceria o título paulista de 1978.
Não deu tempo de mudar o rumo no Campeonato Brasileiro de 1978, que o Santos terminou na 23ª posição, mas no Campeonato Paulista daquele ano, que se prolongaria até junho de 1979, o time estreou com outra pegada e logo na estreia, com um sexteto do meio para a frente com Clodoaldo, Ailton Lira, Pita, Nilton Batata, Juary e João Paulo, fez um jogaço contra o Corinthians e empatou em 1 a 1, em espetáculo que atraiu 117.628 pessoas ao Morumbi.
Sem dinheiro para reforços renomados, o Santos dependia da alquimia de mestre Chico Formiga, conhecedor profundo de seus Meninos, para montar uma equipe que ao menos fosse competitiva diante dos três grandes da capital e de Ponte Preta e Guarani, em grande momento técnico (em agosto de 1978 o Guarani fora campeão brasileiro, superando o Palmeiras na final. O São Paulo mantinha o elenco campeão brasileiro de 1977, o Corinthians era campeão paulista e a Ponte cedera o goleiro Carlos e os zagueiros Oscar e Polozzi para a Seleção Brasileira na Copa da Argentina).
Com uma defesa experiente, formada por Vitor, Nelsinho Baptista, Joãozinho, Neto e Gilberto Sorriso; um meio-campo com o perfeito senso de marcação de Clodoaldo, os lançamentos escandalosos de Ailton Lira e impetuosidade de Pita; e um ataque vertiginoso, com Nilton Batata, Juary e João Paulo, logo deu para perceber que o Santos poderia sonhar.
Até porque o banco de reservas ainda tinha boas surpresas, como Flávio para o gol, Fernando e Antonio Carlos para a defesa, Toninho Vieira e Zé Carlos para o meio-campo; Claudinho, Célio, Zé Roberto e Rubens Feijão para o ataque… Enfim, o seu Chico, que no seu jeito mineiro de ser se referia aos jogadores como “Meus Meninos”, criava a sua limonada maravilha com o que o destino lhe dava e assim criava a primeira geração oficial dos Meninos da Vila.
Altos e baixos. E muita sorte
Com a intenção de esticar o campeonato para fazê-lo mais lucrativo, o presidente da Federação Paulista de Futebol, Alfredo Metidieri, criou um mostrengo cheio de fases e regulamentos que invadiu 1979 adentro. Tamanha era a confusão, que nenhum clube parecia estar garantido nas semifinais antes da realização de três turnos classificatórios.
Vice no primeiro turno, ao perder para o Corinthians por 1 a 0, diante de 120 mil pessoas, no Morumbi, o Santos foi semifinalista do segundo turno, derrotado por 2 a 1 pela Ponte Preta, na prorrogação, e precisou de muita resiliência e sorte para garantir uma das duas vagas de seu grupo para as semifinais eliminatórias.
Depois de iniciar o terceiro turno de forma arrebatadora, vencendo Botafogo (5 a 1), Francana (1 a 0) e Portuguesa (5 a 1), todos na Vila Belmiro, o Santos sofreu três derrotas consecutivas: 1 a 2 para o São Paulo, no Morumbi; 0 a 1 para o Juventus, na Vila Belmiro, e 1 a 2 para o Palmeiras, no Morumbi. A surpreendente derrota, em casa, para o time da Moóca, tornou a situação desesperadora.
Para voltar à luta pela vaga o time teria de derrotar o Guarani e a Ponte Preta, ambos no Pacaembu. Em uma quarta-feira, 30 de maio, apenas 13.667 pessoas foram ver o confronto com o favorito Guarani, mas saíram bem mais felizes do que poderiam imaginar, pois com dois gols de João Paulo e um de Juary o Alvinegro venceu por 3 a 1 e continuou vivo.
Uma semana depois, em 7 de junho, Juary marcou no final do primeiro tempo; Ailton Lira cobrou uma falta com perfeição no finzinho do jogo e o Santos, dessa vez diante de esperançosos 46.043 torcedores, venceu a Ponte Preta por 2 a 0.
Na última rodada do terceiro turno, porém, o time perdeu para o Corinthians por 1 a 0, em um Morumbi lotado com 106 767 espectadores, e ficou dependendo de um empate ou uma derrota do Juventus, no Pacaembu, para a Ponte Preta. Então, a torcida santista foi ao Pacaembu e torceu para a Ponte como o Santos fosse. O time de Campinas venceu por 2 a 1 e o Alvinegro Praiano, finalmente, pôde comemorar a passagem para a semifinal.
Ninguém podia parar os Meninos!
Segundo colocado de seu grupo, o Santos enfrentou nas semifinais o Guarani, justamente a equipe de melhor campanha no campeonato. Porém, o Alvinegro Praiano parecia ter entrado naquela espécie de transe que leva algumas equipes ao título, contra tudo e todos. Nada poderia barrar seu caminho.
Mesmo sem os titulares Vitor, Neto, Clodoaldo, Ailton Lira e Nilton Batata, o Santos amassou o time de Campinas e venceu por 3 a 1, com dois gols de Juary e um de João Paulo. Zenon, de pênalti, diminuiu para o Guarani quando o Santos vencia por 2 a 0. Exatas 44.208 pessoas foram ao Morumbi assistir ao espetáculo, 90% delas santistas.
Assim, Santos e São Paulo iniciaram em uma quarta-feira à noite, 20 de junho de 1979, a disputa da melhor de cinco pontos que definiria o campeão paulista de 1979. Ainda sem cinco titulares, entre eles Clodoaldo, Ailton Lira e Nilton Batata, o Santos enfrentou o São Paulo, que passara pelo Palmeiras, com Flávio, Nélson, Joãozinho, Antônio Carlos e Gilberto Sorriso; Zé Carlos, Toninho Vieira e Pita; Claudinho, Juary e João Paulo. O jogo teve arbitragem de João Leopoldo Ayeta e foi visto por um público de 81 788 pessoas.
O centroavante Serginho, então ídolo e artilheiro do São Paulo, abriu o marcador aos 18 minutos de jogo, após jogada de Dario Pereyra pela esquerda. Sete minutos depois, Juary recebeu pelo meio e bateu firme na saída de Waldir Peres, empatando a partida. Aos sete minutos da segunda etapa, Pita deu uma entortada em Tecão e bateu para garantir a vitória santista.
No domingo seguinte, os times voltaram a se enfrentar e o Santos estava garantindo o título até os 44 minutos do segundo tempo, quando Zé Sérgio marcou e o empate obrigou a realização de uma terceira partida. Nesse segundo jogo, o Alvinegro jogou ainda mais desfalcado. João Paulo e Zé Carlos foram substituídos por Rubens Feijão e Célio, o autor do gol santista.
A noite da redenção
Por Gabriel Pierin, do Centro de Memória
Era uma noite fria do inverno de 1979, mas os 80 488 torcedores que foram ao Morumbi transformaram o estádio em um verdadeiro caldeirão. Não era para menos. Santos e São Paulo faziam a terceira partida de uma final histórica de Campeonato Paulista.
O Santos buscava o 14º título paulista de sua história e estava bem próximo de alcançá-lo. Havia vencido a primeira partida por 2 a 1, com gols de Juary e Pita, e empatado a segunda em 1 a 1, com gol de Célio. Um empate nesse terceiro jogo e o time do técnico Chico Formiga realizaria um feito extraordinário. Seria a primeira conquista de uma nova geração sem Pelé. O último estadual conquistado, em 1973, ainda tivera a presença do Rei.
Quando o Campeonato Paulista de 1978 começou, o Santos era olhado como um azarão, um time de garotos inexperientes. Com o desenrolar da disputa, o mundo do futebol brasileiro percebeu que estava diante de uma nova geração, a primeira dos Meninos da Vila, que encantou o País com Pita, Nilton Batata, Juary, João Paulo e outros “meninos” que infernizaram as fortes equipes paulistas com seus dribles desconcertantes, jogadas improvisadas e a alegria nas comemorações que eram as marcas de uma equipe que veio para fazer história.
O São Paulo, porém, não iria deixar barato. O time comandado por Rubens Minelli contava com destaques como Waldir Peres, Dario Pereyra, Chicão, Serginho Chulapa e Zé Sérgio. No tempo normal da derradeira partida, o tricolor fechou a contagem em 2 a 0, levando o jogo para a prorrogação. Pelo critério de desempate, a prorrogação contava como mais uma partida e, por ter a melhor campanha, o empate daria o título ao Santos.
Nesse momento crucial, a juventude veio a favor dos Meninos da Vila. Ágeis, incansáveis, surpreendentemente renascidos da derrota, minutos antes, se atiraram com amor à bola e mal deixaram o adversário andar em campo, além de criar duas ótimas chances. No final, a ausência de gols na prorrogação fez daquele jovem e atrevido Santos o justo campeão paulista de 1978.
Para levar à Vila Belmiro o enorme troféu do certame, o time praiano jogou o incrível número de 56 partidas (não nos esqueçamos que o campeonato teve três turnos, mais semifinal e final), venceu 26, empatou 16 e perdeu 14. O time marcou 80 gols e sofreu 47. Lépido e irreverente, o centroavante Juary foi o artilheiro da competição, com 29 gols.
Nesta sexta-feira, 28 de junho de 2019, a partir das 16 horas, teremos a presença de muitos desses “Meninos da Vila” no nosso Memorial das Conquistas, a fim de que sejam homenageados pelo aniversário de 40 anos desse título improvável e espetacular. Lá estarão Pita, Juary, João Paulo, Joãozinho, Neto… Compareça. Prestigie a rica história santista!