Mil vezes Pelé

Victor Hugo, do Memorial das Conquistas

Dos raios, o maior. Dos melhores, o melhor. Dos reis, o único. Pelé, agora no dicionário, é por definição: “Aquele que não pode ser igualado”.

Na noite do dia 19 de novembro, o Santos enfrentou o Vasco da Gama no Maracanã, diante de 65.157 torcedores, pelo Campeonato Brasileiro de 1969. As arquibancadas pulsavam por e para Pelé, as homenagens já estavam preparadas e a festa apenas aguardando para iniciar.

O Alvinegro Praiano chegou a sair atrás no placar, logo aos 16 minutos do primeiro tempo, e buscou o empate aos 12 minutos da segunda etapa, com um gol contra do zagueiro vascaíno Renê. Enfim, aos 78 minutos, com o tempo se esgotando, o lendário volante santista, Clodoaldo, enfiou uma bola a Pelé, que foi derrubado dentro da área.

A penalidade foi marcada, e Pelé, que durante sua carreira marcou centenas de golaços que beiram o inenarrável, marcou um dos seus mais importantes numa cobrança de pênalti. Um jogador tão veloz, habilidoso e de tanta força, balançava as redes muitas vezes sem a torcida sequer ver a bola. Contudo, seria um pecado futebolístico tamanha grandeza passar tão rapidamente. O mundo inteiro pôde assistir, apreensivo, ao milésimo gol do Rei.

Atrás das redes do goleiro argentino Andrada, os fotógrafos apontavam suas câmeras com as mãos já suadas de ansiedade pela cobrança, suspirando por estarem diante do maior registro que poderiam efetuar. Os torcedores, trêmulos nas arquibancadas, desviaram de quaisquer distrações e evitaram piscar para não perder sequer um instante.

O (MIL)agre

E lá estava ele: Pelé. Posicionado à risca da cal, aguardando o soar do apito do árbitro Manuel Amaro de Lima, com o intangível peso de milhares de olhares sobre suas costas. Foram apenas cinco passos, e uma paradinha, que fez os espectadores, calados, inquietos e ansiosos, explodirem de emoção. Com gritos, risos e choros de alegria.

Quando a bola tocou o fundo da rede, uma cena diferente da que nos habituamos a ver. Nenhum sorriso, nada do famoso ‘soco no ar’, Pelé correu para buscar a bola nas redes, a beijou e começou a chorar. Ainda debaixo das traves foi cercado por dezenas de jornalistas, que invadiram o gramado para registrar o momento, acabando com o jogo e iniciando – precocemente – as festas e homenagens. Nessas horas, alguns se questionaram: “onde está a arbitragem? Onde estão as regras? ”. Elas ficaram de lado, o fato era mais importante.

Pelé foi fisicamente carregado pelos ombros de Carlos Alberto Torres, e espiritualmente nos ombros de todo um país, deu a famosa volta olímpica ao redor do gramado, que se encerrou no vestiário da equipe santista. Pelé saiu de campo e entrou Edson.

O gol de Edson Arantes do Nascimento

Após um dos seus momentos mais importantes de sua carreira, Edson declarou aos jornalistas que o circundavam: “Não quero festas para mim. Acreditem que para mim é muito mais importante ajudar as criancinhas pobres, os necessitados. Pensem no Natal. Pensem nas criancinhas”.

Com o passar dos anos, muitos podem ter se esquecido dos detalhes. De como chegaram até o estádio, o que gritaram após o gol e até mesmo qual foi o placar da partida. Mas existe algo que nem a mais poderosa das forças, a do tempo, pode fazê-lo esquecer dos seus mais profundos sentimentos: o coração. Ele guardou tudo que o torcedor precisa se lembrar.

Pelé: De gols, mil. De apaixonados, impossível enumerar.

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