Num dia em que a bruxa se fazia presente na Vila Belmiro, o Santos Fc, em partida válida pelo Campeonato Paulista, perdia para o São Paulo, do técnico Vicente Feola, pelo placar de 3 a 1, com Pepe cobrando penalidade máxima marcando o gol de honra. O Alvinegro Praiano que nesse triste encontro formou com Manga; Hélvio e Zito; Ramiro, Formiga e Urubatão; Tite, Álvaro, Pagão, Vasconcelos e Pepe. O técnico era Luiz Alonso Perez.
A nota triste da partida foi a grave contusão do atacante santista, Vasconcelos que numa dividida de bola com o zagueiro Mauro Ramos de Oliveira sofreu fratura exposta do fêmur da perna esquerda, ficando afastado dos gramados por um bom período, sendo substituído por uma jovem promessa de apenas 16 anos apelidado de Gasolina, pelos colegas do time. Daí em diante o mundo todo sabe o final da história que consagrou o Rei Pelé.
Valter Fernandes Vasconcelos jogou no time do Peixe no período de 1953 a 1959, foram 181 partidas com 111 gols marcados. O antecessor do Rei Pelé era figura conhecida na noite santista, sobre ele contam-se muitas histórias nos bastidores da Vila Belmiro.
Sobre o craque, por quem o ponta-esquerda Pepe nutria respeito e admiração por ter convivido e atuado com ele no ataque santista durante vários anos, José Macia, o querido Pepe escreveu o seguinte texto:
“Foi o último 10 famoso antes do Rei Pelé no Santos Futebol Clube. Veio do Vasco da Gama do Rio de Janeiro para a Associação Atlética Portuguesa onde fez ala com Tuta durante curto período mostrando ser um bom jogador, muito rápido, hábil e artilheiro. O Santos, então vislumbrado que ali estava uma solução para o seu ataque o contratou e foi pleno sucesso, fazendo com Tite e depois comigo. Incentivou-me muito no início da minha carreira. Jogava fácil e apesar de baixo, não temia a violência. Artilheiro por vocação, tinha cheiro de gol e estava sempre bem colocado na zona da decisão. A data fatídica da sua carreira foi o 09 de dezembro de 1956.
Nesta data, marquei um gol de pênalti e chutei outro por cima da trave, do alambrado e dos telhados das casas em direção ao campo da Americana que ficava a cem metros de distância do gol dos fundos da Vila Belmiro. Perdemos por 3 a 1 para o São Paulo. E o pior perdemos Vasconcelos. Um carrinho raro e infeliz de Mauro Ramos de Oliveira o atingiu e quebrou sua perna esquerda. Ele nunca mais foi o mesmo após a fratura.
Chegou a ir para o Palmeiras, mas fracassou, totalmente sem confiança. Muitos acreditavam que talvez Pelé demorasse um pouco mais a ser lançado, não tivesse Vasconcelos se lesionado tão gravemente. Relembrando, porém, o auge na Vila entre 53 e 56, surgiram com ele passagens interessantes internas e externas na Baleia que ele ajudou a criar.
Era muito simples e quando não havia treino, passava boa parte do dia sentado em uma imensa pedra que havia em frente ao portão de entrada de Vila Belmiro com um enorme chapéu de palha. Ali, às vezes, surgia vagarosamente um táxi e dava uma leve parada e uma enorme trouxa de roupa era lançada por uma mulher no meio da rua. E ela gritava: “Tai a sua roupa, seu ordinário, cafajeste…” era a famosa “máquina” (como ele a chamava), sua namorada efetiva e com que ele vivia melosos momentos de brigas homéricas.
Contam que o dirigente Modesto Roma, que o adorava, o tirou várias vezes do Samba-Danças ou da Delegacia, pois no dia seguinte haveria jogo. Era um boêmio nato. Gostava muito mais da noite do que do dia. Mas não faltava aos treinos e nem criava problemas ao treinador.
Os mais íntimos o chamavam de Bagaço, certa noite em que estávamos no quarto andar da Vila Belmiro, ele participava de um jogo de bozó (dados), a valer dinheiro, o que era muito usual nas concentrações da época, ao mesmo tempo em que ouvia um rádio de pilha os sucessos de Roberto Luna ou Araci de Almeida. O som era ótimo, afinal o radinho lhe custara oito mil cruzeiros na véspera. Vasconcelos estava azarado demais, Rápido, sem se aperceber seu dinheiro acabou. Só dava crepe! O saudoso meia Álvaro (amarelo) aproveitou a chance e ofertou: “Vasconcelos, dou já cinco mil pelo rádio” Vasconcelos topou. Álvaro tinha que descer os quatro andares e buscar o dinheiro no térreo onde se localizava o vestiário. Desceu e subiu de quatro em quatro os degraus com cinco mil. Em vão, pois quando chegou, Vasconcelos já tinha vendido o rádio por três mil para o lateral Ivan e também havia perdido o dinheiro todo. Esse era o Vasconcelos de um tempo diferente. Vivia só o presente sem pensar nem um pouco o futuro.
Sua vida noturna desregrada, com os excessos que fazia o tornou um hipertenso. Seu coração fraquejou e foi proibido de jogar futebol com risco de vida. Fez rigoroso tratamento e quatro meses depois voltou feliz e faceiro. Após seu primeiro treino, debaixo do chuveiro, ao som do violão do compositor Tite, cantou alegremente com sua voz rouca e desafinada: “Oi, minha gente, chegou querendo abafar, ai, ai, ai, ai, o doutor mandou Vasconcelos jogar!!.
Valeu craque Bagaço!.
O mineiro Vasconcelos natural de Belo Horizonte faleceu no dia 22 de janeiro de 1983, na cidade de Brusque, em Santa Catarina, aos 50 anos de vida.
Guilherme Guarche – Coordenador do Centro de Memória e Estatística