Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Há jogador de futebol que parece ter nascido craque. É bem-sucedido desde o início, rapidamente se destaca e passa a ser idolatrado pelos torcedores, que não admitem vê-lo no banco de reservas. Outros atletas, porém, têm uma carreira mais difícil e, mesmo admirados, às vezes se tornam coadjuvantes. Mas nunca desistem e voltam a brilhar quando já não se espera muito deles. É o caso do goleiro Laércio José Milani, que neste dia 1º de março faria 89 anos.
Laércio nasceu em Indaiatuba, cidade de 200 mil habitantes a 90 quilômetros de São Paulo. Filho de Humberto Milano e Clofas Mosca Milani, teve sete irmãos – dois homens e cinco mulheres – e ainda criança se apaixonou pelo futebol. Começou em um time chamado Guanabara, mas em 1946, aos 15 anos, era o orgulhoso goleiro do Esporte Clube Primavera.
Em 1948 a Portuguesa Santista fez um amistoso com o Primavera e ficou encantada com o jovem goleiro, contratando-o imediatamente. Laércio ganhou a vaga de Undu, o antigo titular, e passou a ser um dos mais jovens arqueiros do Campeonato Paulista.
Suas atuações despertaram o interesse de Palmeiras e Vasco, que tentaram contratá-lo no início de 1953, mas Manuel Tavares, presidente da Portuguesa Santista, não quis se desfazer de seu notável goleiro. Um ano e meio depois, entretanto, em agosto de 1954, pressionado pelas dívidas, o dirigente decidiu aceitar a oferta palmeirense.
No Parque Antartica Laércio teve a incumbência de substituir o ídolo Oberdan Cattani, e foi titular da equipe vice-campeão paulista de 1954. Mas o Palmeiras também não foi campeão em 1955 e 1956, títulos conquistados pelo Santos, e em 1957 resolveu reforçar sua defesa oferecendo uma alta soma em dinheiro e o passe de Laércio pelo clássico zagueiro santista Chico Formiga.
No Santos, Laércio teve de brigar pela posição com Agenor Gomes, o Manga, titular absoluto da equipe bicampeã de 1955/56. Manga continuaria jogando no título Paulista de 1958, mas Laércio se firmaria na equipe a partir de 1959.
Começou titular nos seis jogos iniciais da primeira excursão do Santos à Europa, em maio de 1959, mas se machucou na vitória de 3 a 0 sobre o Feyernoord, da Holanda, e perdeu o posto para Lalá. Voltou ao time no final do ano, a tempo de participar da superdecisão com o Palmeiras, concluída só no começo de 1960.
Dono da camisa 1 nos anos de 1960 e 1961, passou a se revezar com Gylmar em 1962, temporada em que acabou atuando nos jogos decisivos de mais um título paulista. Em 1963 tornou-se, definitivamente, o reserva de Gylmar, como seria também o reserva de Cláudio a partir de 1965, mas em todo esse tempo, sempre que chamado, deu conta do recado.
À espera de um milagre
Daqueles jogadores aplicados, que continuam treinando com afinco mesmo quando não escalados, Laércio se manteve em forma à espera das oportunidades que sempre vinham. Elástico, corajoso, calmo, inspirava segurança à defesa e respeito aos atacantes adversários.
No primeiro semestre de 1966, como Gylmar estava com a Seleção que disputou a Copa da Inglaterra, Laércio voltou à meta do Santos durante o Torneio Rio-São Paulo. O time estava sendo remodelado, havia gente nova, como Edu e Joel Camargo, e o veterano goleiro, agora com 35 anos, era uma garantia lá atrás.
Mesmo com alguns altos e baixos, a equipe chegou à última rodada, em 27 de março, com chance de título. Na verdade, Santos, Corinthians, Botafogo e Vasco ainda podiam ser campeões. Porém, desfalcado de Pelé, machucado, o reinventado Alvinegro Praiano teria de enfrentar o Corinthians em um Pacaembu que naquele domingo recebeu 43.603 torcedores.
Vivia-se a época do Tabu, em que o alvinegro da capital não conseguia vencer o Santos por competição alguma, e a pressão da imprensa para que isso acontecesse naquela partida decisiva, como é fácil de imaginar, era bastante desagradável para os santistas. Com Rivellino, o centroavante Flávio e o lendário Garrincha, contratado ao Botafogo, o time da capital era considerado favorito.
O Santos entrou em campo, escalado pelo técnico Lula, com Laércio, Carlos Alberto, Oberdan, Haroldo e Zé Carlos; Zito e Mengálvio; Dorval (Lima), Coutinho, Toninho e Edu (Joel Camargo). O árbitro era Ethel Rodrigues.
O jogo corria equilibrado quando, aos 34 minutos, Coutinho foi expulso por ter reagido a uma provocação de Édson Cegonha. Mengálvio reclamou do árbitro e também foi expulso. Com dois jogadores a menos, o Santos teve de recuar. Para piorar as coisas, aos 40 minutos Garrincha parou a bola em frente a Zito, saiu pela direita e foi calçado na área. Pênalti.
Aos 44 minutos o artilheiro Flávio se preparou para cobrar. O gol praticamente definiria a partida, já que uma equipe com dois jogadores a menos teria pouca chance de reação. A maioria do estádio ficou de pé e os locutores prepararam o grito tão ansiado… por eles.
Flávio bateu forte, mas Laércio caiu no canto direito e rebateu, a bola sobrou para o atacante corintiano que, pressionado, chutou por cima. Quase todo o time do Santos abraçou o herói Laércio. Como se jogassem para que a façanha do goleiro não fosse em vão, os santistas se desdobraram na segunda etapa e seguraram o empate sem gols.
A Folha de São Paulo disse que o Santos mereceu o resultado porque “soube sustentar o empate com calma, habilidade, espírito de sacrifício e, sobretudo, inteligência”. Além de manter o delicioso Tabu, o resultado acabou colocando os quatro alvinegros na liderança do Rio-São Paulo e, por falta de datas, todos foram declarados campeões.
Herói desse título, Laércio ganhou muitos outros no período em que defendeu o Santos: Campeonato Paulista de 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967 e 1969; Taça Brasil de 1961, 1962, 1963, 1964 e 1965; Taça Libertadores de 1962 e 1963; Mundial Interclubes de 1962 e 1963; Torneio Rio-São Paulo de 1959, 1963, 1964 e 1966; Torneio Roberto Gomes Pedrosa em 1968, Recopa Sul-Americana e Recopa dos Campeões Mundiais de 1968; além de inúmeros torneios nacionais e internacionais.
Fez 337 jogos com a camisa do time brasileiro mais conhecido no mundo entre 1957 e 1969. Recusou várias propostas para ser titular em outros clubes grandes do Brasil. Respondia que preferia ser reseva no Santos.
Ao encerrar a carreira, trabalhou no cartório de seu irmão, em Indaiatuba, e também no Santos Futebol Clube. Faleceu em 29 de agosto de 1985, aos 54 anos, vítima de câncer de próstata. Seu corpo foi sepultado em Santos.
Em 1948 a Portuguesa Santista fez um amistoso com o Primavera e ficou encantada com o jovem goleiro, contratando-o imediatamente. Laércio ganhou a vaga de Undu, o antigo titular, e passou a ser um dos mais jovens arqueiros do Campeonato Paulista.
Suas atuações despertaram o interesse de Palmeiras e Vasco, que tentaram contratá-lo no início de 1953, mas Manuel Tavares, presidente da Portuguesa Santista, não quis se desfazer de seu notável goleiro. Um ano e meio depois, entretanto, em agosto de 1954, pressionado pelas dívidas, o dirigente decidiu aceitar a oferta palmeirense.
No Parque Antartica Laércio teve a incumbência de substituir o ídolo Oberdan Cattani, e foi titular da equipe vice-campeão paulista de 1954. Mas o Palmeiras também não foi campeão em 1955 e 1956, títulos conquistados pelo Santos, e em 1957 resolveu reforçar sua defesa oferecendo uma alta soma em dinheiro e o passe de Laércio pelo clássico zagueiro santista Chico Formiga.
No Santos, Laércio teve de brigar pela posição com Agenor Gomes, o Manga, titular absoluto da equipe bicampeã de 1955/56. Manga continuaria jogando no título Paulista de 1958, mas Laércio se firmaria na equipe a partir de 1959.
Começou titular nos seis jogos iniciais da primeira excursão do Santos à Europa, em maio de 1959, mas se machucou na vitória de 3 a 0 sobre o Feyernoord, da Holanda, e perdeu o posto para Lalá. Voltou ao time no final do ano, a tempo de participar da superdecisão com o Palmeiras, concluída só no começo de 1960.
Dono da camisa 1 nos anos de 1960 e 1961, passou a se revezar com Gylmar em 1962, temporada em que acabou atuando nos jogos decisivos de mais um título paulista. Em 1963 tornou-se, definitivamente, o reserva de Gylmar, como seria também o reserva de Cláudio a partir de 1965, mas em todo esse tempo, sempre que chamado, deu conta do recado.
À espera de um milagre
Daqueles jogadores aplicados, que continuam treinando com afinco mesmo quando não escalados, Laércio se manteve em forma à espera das oportunidades que sempre vinham. Elástico, corajoso, calmo, inspirava segurança à defesa e respeito aos atacantes adversários.
No primeiro semestre de 1966, como Gylmar estava com a Seleção que disputou a Copa da Inglaterra, Laércio voltou à meta do Santos durante o Torneio Rio-São Paulo. O time estava sendo remodelado, havia gente nova, como Edu e Joel Camargo, e o veterano goleiro, agora com 35 anos, era uma garantia lá atrás.
Mesmo com alguns altos e baixos, a equipe chegou à última rodada, em 27 de março, com chance de título. Na verdade, Santos, Corinthians, Botafogo e Vasco ainda podiam ser campeões. Porém, desfalcado de Pelé, machucado, o reinventado Alvinegro Praiano teria de enfrentar o Corinthians em um Pacaembu que naquele domingo recebeu 43.603 torcedores.
Vivia-se a época do Tabu, em que o alvinegro da capital não conseguia vencer o Santos por competição alguma, e a pressão da imprensa para que isso acontecesse naquela partida decisiva, como é fácil de imaginar, era bastante desagradável para os santistas. Com Rivellino, o centroavante Flávio e o lendário Garrincha, contratado ao Botafogo, o time da capital era considerado favorito.
O Santos entrou em campo, escalado pelo técnico Lula, com Laércio, Carlos Alberto, Oberdan, Haroldo e Zé Carlos; Zito e Mengálvio; Dorval (Lima), Coutinho, Toninho e Edu (Joel Camargo). O árbitro era Ethel Rodrigues.
O jogo corria equilibrado quando, aos 34 minutos, Coutinho foi expulso por ter reagido a uma provocação de Édson Cegonha. Mengálvio reclamou do árbitro e também foi expulso. Com dois jogadores a menos, o Santos teve de recuar. Para piorar as coisas, aos 40 minutos Garrincha parou a bola em frente a Zito, saiu pela direita e foi calçado na área. Pênalti.
Aos 44 minutos o artilheiro Flávio se preparou para cobrar. O gol praticamente definiria a partida, já que uma equipe com dois jogadores a menos teria pouca chance de reação. A maioria do estádio ficou de pé e os locutores prepararam o grito tão ansiado… por eles.
Flávio bateu forte, mas Laércio caiu no canto direito e rebateu, a bola sobrou para o atacante corintiano que, pressionado, chutou por cima. Quase todo o time do Santos abraçou o herói Laércio. Como se jogassem para que a façanha do goleiro não fosse em vão, os santistas se desdobraram na segunda etapa e seguraram o empate sem gols.
A Folha de São Paulo disse que o Santos mereceu o resultado porque “soube sustentar o empate com calma, habilidade, espírito de sacrifício e, sobretudo, inteligência”. Além de manter o delicioso Tabu, o resultado acabou colocando os quatro alvinegros na liderança do Rio-São Paulo e, por falta de datas, todos foram declarados campeões.
Herói desse título, Laércio ganhou muitos outros no período em que defendeu o Santos: Campeonato Paulista de 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967 e 1969; Taça Brasil de 1961, 1962, 1963, 1964 e 1965; Taça Libertadores de 1962 e 1963; Mundial Interclubes de 1962 e 1963; Torneio Rio-São Paulo de 1959, 1963, 1964 e 1966; Torneio Roberto Gomes Pedrosa em 1968, Recopa Sul-Americana e Recopa dos Campeões Mundiais de 1968; além de inúmeros torneios nacionais e internacionais.
Fez 337 jogos com a camisa do time brasileiro mais conhecido no mundo entre 1957 e 1969. Recusou várias propostas para ser titular em outros clubes grandes do Brasil. Respondia que preferia ser reseva no Santos.
Ao encerrar a carreira, trabalhou no cartório de seu irmão, em Indaiatuba, e também no Santos Futebol Clube. Faleceu em 29 de agosto de 1985, aos 54 anos, vítima de câncer de próstata. Seu corpo foi sepultado em Santos.