[:pb]A maior artilheira da história do futebol feminino do Santos FC, Ketlen Wiggers, pegou muita gente de surpresa ao revelar na última segunda-feira (28), em vídeo publicado em sua conta do instagram, que desde os 19 anos convive com um tipo de epilepsia. Já aos 30 anos e com a doença muito mais estável e controlada, a atacante abriu seu coração depois de se sentir tocada pela atitude de Will Smith na cerimônia do Oscar, a maior premiação do cinema mundial.
Na ocasião, após ouvir uma piada de um dos apresentadores do evento sobre a doença de sua esposa, o ator norte-americano foi à frente das câmeras para defendê-la. “Eu tinha visto o vídeo no dia, dele defendendo a esposa da piada que fizeram. Me senti afetada também naquele momento, porque já passei por isso em público, de as pessoas me zoarem pela epilepsia. Em trabalhos de faculdade, em reuniões de time. Acabei sendo tocada naquele momento porque na época não tinha quem me defendesse e também não conseguia me defender, porque tinha vergonha de falar o que eu estava passando, que eu tinha epilepsia. Eu era muito fechada em relação a isso e a forma como ele defendeu a esposa, não que eu ache que a agressão foi correta, me tocou muito. Eu imagino o que ela passou naquele momento, me senti no lugar dela”, relatou Ketlen.
A camisa 7 santista sofre com um tipo de epilepsia denominado de “crise de ausência”. Segundo a médica do Santos FC, Vanessa Resende, que acompanha o caso desde 2020, quando assumiu o posto no futebol feminino do Clube, “existem por volta de 27 tipos de epilepsia documentados. Ela tem um que a gente chama geralmente de crise de ausência, que é uma crise não-motora. Basicamente, o que ela tinha era uma perda de consciência por, no geral, entre 5 e 20 segundos. O paciente perde a consciência, retorna após poucos segundos como se nada tivesse acontecido e continua a fazer o que estava fazendo, sem entender”, explicou a doutora.
Sem sofrer com essas crises “há cinco ou seis anos”, Ketlen diz se lembrar bem da primeira vez que teve um desses episódios, ao falar pelo telefone com sua mãe, quando já morava sozinha em Santos. “Como eu assistia novela, às vezes falava com ela, mas estava prestando atenção na televisão. Nesse dia, minha mãe parou de falar do outro lado da linha, esperando eu voltar a falar. Mas foi o dia que eu tive a minha primeira crise. Quando eu retornei depois dos 15, 20 segundos que fiquei fora do ar, eu olhei para o telefone e pensei: ‘ué’? Estou falando com alguém no telefone? Quem está aí desse lado? Eu comecei a falar e olhar para o telefone, perguntando se estava falando com alguém. Nisso, a minha mãe gritou do outro lado: filha, sou eu. E eu nem lembrava que estava falando com ela. Deu um branco, era como se apagasse meu cérebro”, relembrou.
Na ocasião, Ketlen já atuava há cinco anos na equipe principal do Peixe e servia a Seleção Brasileira. O baque inicial piorou ainda mais quando vieram as primeiras consultas com neurologistas em seu estado natal, Santa Catarina. As notícias iniciais não foram nada animadoras.
Entre lágrimas, a atacante relembrou um dos momentos mais difíceis de sua vida. “É difícil falar isso. Mas realmente, no momento que eu recebi a notícia do médico, de que eu teria que desistir, que não daria para uma jogadora ser epilética, foi um choque para mim. Eu estava indo atrás do meu sonho, sabia que era isso que eu queria para a minha vida, que eu tinha nascido para isso. Quando veio essa notícia, que o médico me proibiu de jogar tive um choque grande, mas falei para a minha mãe: não é essa a resposta que eu quero”.
Mantendo a esperança, Ketlen ainda teve que ouvir negativas de mais dois médicos de seu estado natal antes de ir à capital paulista, em busca de um neurologista especializado em epilepsia. “A primeira pergunta que eu fiz pra ele quando cheguei foi se eu poderia continuar jogando futebol. Aí ele perguntou no mesmo instante se isso me atrapalhava em campo, mas eu nunca tinha tido nada. Nem treinando, nem jogando”.
Com isso, a atleta iniciou tratamento com medicação controlada e com o tempo, além de não atrapalharem seu sucesso nos gramados, as crises foram diminuindo até evoluir à atual e estável situação clínica. Durante esse período, todos os exames e medicações foram monitorados pelo Peixe e seu Departamento médico, com respaldo das comissões técnicas que sempre respeitaram o sigilo no caso da camisa 7.
E muitas das pessoas que convivem com a atacante, incluindo grande parte das atletas, não faziam ideia dos traumas superados pela atacante até a divulgação do vídeo em sua rede social. Emocionada, Ketlen explicou um pouco mais de suas motivações para abrir seu coração depois de tantos anos.
“Eu tento ser exemplo dentro e fora de campo. Acho que nossas atitudes no dia a dia demonstram quem a gente realmente é e sempre tem muita gente olhando. Eu tento ser eu mesma, tranquila do jeito que eu sou e trabalho para continuar sendo referência, seja jogando futebol ou fora do campo, repassando essa mensagem que transmiti para muita gente e que sei que tocou muitas pessoas. Pra mim, isso é muito importante, porque eu tinha muitas referências quando comecei, então queria passar isso pras meninas, para que sigam atrás de seus sonhos como eu consegui e que não desistam em nenhum momento”, destacou a maior artilheira da história do Santos FC.
(Foto: Divulgação/Santos FC)[:]