Guilherme Guarche, do Centro de Memória
O amor e a dedicação doados ao Santos em seus 20 anos vividos no clube tornaram Urbano Villela Caldeira Filho o maior abnegado que o Alvinegro Praiano teve em sua secular história.
Graças a ele o clube não foi extinto quando tinha dois anos de fundação. Urbano conseguiu agregar vários associados que deram prosseguimento à agremiação depois de alguns fundadores e jogadores a abandonarem, por desavenças políticas.
Nascido num dia 6 de setembro de 1890, em Desterro, hoje Florianópolis, em Santa Catarina, o barriga-verde Urbano Caldeira era filho de Urbano Villela Caldeira e Celina Faria Caldeira.
Aos 21 anos Urbano foi aprovado em um concurso público e se mudou para São Paulo, onde defendeu algumas equipes de futebol, como Vila Buarque e Germânia (atual Pinheiros).
Conseguiu ser transferido para trabalhar na Alfândega de Santos, e de imediato se filiou ao Santos, que ainda não tinha as cores branca e preta e sim azul e branca com frisos dourados. O clube era presidido por Sizino Patusca, tio de Arnaldo Silveira e pai de Araken. Urbano tornou-se sócio em 27 de janeiro de 1913.
No mesmo ano, ainda sem experiência técnica, o time foi convidado e disputou o seu primeiro Campeonato Paulista. Por falta de verbas o Santos desistiu da competição após quatro partidas, mas antes conseguiu um feito histórico.
O onze praiano, que tinha Urbano Caldeira como seu orientador técnico, venceu o Corinthians por 6 a 3, em 22 de junho, no campo da Antárctica Paulista, naquele que foi o primeiro clássico do Estado.
Jogador e dirigente apaixonado. Pelo Santos
Urbano não era um jogador fora de série, e sim muito esforçado. Participou de 41 partidas, entre 1913 e 1918, marcando apenas dois gols.
Por reconhecer suas limitações no campo de jogo, preferiu se dedicar a dirigir a equipe e trabalhar como primeiro secretário e depois diretor de esportes.
A partir de 1916, com a inauguração do estádio de Vila Belmiro, na época chamado de “praça de esportes”, era comum vê-lo aparando a grama do campo antes do Sol raiar, ao lado de carneiros que trazia para comerem a relva a fim de que ela crescesse bem forte e viçosa.
Ele era um sujeito alto, forte, que pisava firme por onde passava. Altivo, fazia da bengala e do chapéu de palheta seus parceiros inseparáveis no dia a dia.
Tinha preferência pela cor branca, usava ternos de linho e sapatos dessa cor. De gestos e atitudes nobres, se impunha pelos hábitos simples, como o gosto pelo viradinho à paulista, seu prato predileto, acompanhado de uma cerveja bem gelada.
Solteiro e boêmio convicto, era um amante da noite e, principalmente, das serestas ao luar no Largo do Rosário, local em que passava o tempo tocando violão com os amigos. Diziam os mais íntimos que o Santos era a sua namorada predileta.
Em uma de suas caminhadas noturnas, ao passar por uma padaria, flagrou alguns jogadores santistas jogando dominó. De imediato levou o fato ao conhecimento do então presidente Agnello Cícero de Oliveira, que puniu os atletas de forma branda, porque não havia indícios de bebidas alcoólicas na mesa do jogo.
Folião inveterado, foi um dos fundadores do Bloco Carnavalesco Flor do Ambiente, que em sua homenagem deixou de existir logo após sua morte. Dois anos depois seus amigos fundaram o Bloco da Bola Alvinegra, mas para que o Flor do Ambiente não fosse esquecido, incluíram seu nome na letra do hino do novo bloco.
Técnico e gestor
Como treinador, sua melhor fase veio a partir de 1924, quando montou a equipe que em 1927 ficou conhecida como o time do ataque dos 100 gols, cuja linha ofensiva era formada por Omar, Camarão, Feitiço, Araken Patusca e Evangelista.
Mesmo depois que esse grande time se desfez, Urbano ainda se manteve como treinador da equipe, acumulando também a vice-presidência do clube, cargo que exerceu em duas ocasiões.
No ano de 1932, em solidariedade ao presidente Guilherme Gonçalves, renunciou ao cargo que ocupava na diretoria santista. Foi morar na praia do Gonzaguinha, em São Vicente, sem deixar de acompanhar as notícias do clube.
Preocupado com a preservação da história do clube, voltou ao Santos para resgatar os troféus e taças que foram vendidos para arrecadar fundos em benefício das tropas paulistas na Revolução de 1932.
A morte do patrono
O lendário santista morreu em 13 de março de 1933, aos 42 anos, como consequência de uma pneumonia contraída durante o Carnaval carioca. Faleceu em sua residência, na rua João Ramalho, São Vicente, em uma noite triste de segunda-feira, 13 de março de 1933.
Sua morte ocorreu um dia após a implantação do profissionalismo no futebol brasileiro, em partida realizada na Vila Belmiro em que o São Paulo da Floresta venceu o Santos.
O carro fúnebre levando seu corpo foi acompanhado por mais de 200 automóveis até o Cemitério do Paquetá, em Santos. Nascido em Florianópolis, Urbano, entretanto, queria ser enterrado na sua cidade do coração, a cidade do time que tanto queria bem.
Alguns dias depois de seu falecimento, por solicitação de Ricardo Pinto de Oliveira à diretoria do clube, presidida por Carlos de Barros, o nome de Urbano Caldeira foi dado ao estádio que ele ajudou a construir e que tratava como ao filho que não teve.
Em 9 de janeiro de 1938 a diretoria do Santos inaugurou o busto de seu primeiro patrono no local em que se encontravam as antigas sociais do estádio. O presidente José Martins determinou que esse dia fosse considerado como “O dia de Urbano Caldeira” a quem considerava um autêntico anjo da guarda do clube.
Nesse mesmo dia, Araken Patusca, um dos atletas comandados por Urbano, colocou sua medalha de ouro, de Campeão Paulista de 1935, na herma de seu saudoso amigo.
Além de Urbano Caldeira, o Santos tem como patronos o atleta Edson Arantes do Nascimento e o dirigente Modesto Roma pai. Na Estância Balneária de Praia Grande, no litoral sul de São Paulo, a prefeitura batizou de Urbano Caldeira uma rua no bairro de Tude Bastos.