Odir Cunha, do Centro de Memória
Sabe onde fica a Igreja do Coração de Maria, na Avenida Ana Costa? Pois há 108 anos ali ficava o campo do Sport Club Internacional, e numa tarde de domingo, 15 de setembro de 1912, foi lá que o Santos fez o seu primeiro jogo oficial, contra o Santos Athletic Club, uma agremiação de origem inglesa, e venceu por 3 a 2, com o seu primeiro gol marcado pelo ponta-esquerda Arnaldo Silveira.
Mas o Santos, fundado em 14 de abril daquele ano de 1912, ainda não tinha feito nenhuma partida? Sim, claro. Mas essas tinham sido jogadas no campo da antiga rua Aguiar de Andrade, 49-E, Vila Macuco, no terreno de José Domingues Martins. Ali foram disputados vários jogos, mas eles não entram nas estatísticas oficiais do clube porque o campo não tinha as dimensões regulamentares.
Assim, o primeiro confronto da rica história santista foi mesmo este de 15 de setembro de 1912, quatro meses depois da fundação do clube e um dia antes do aniversário de 17 anos do ponta-direita Adolpho Millon, outro craque e ídolo nesses primeiros tempos do Alvinegro Praiano.
Aquele Santos pioneiro jogou naquele domingo festivo com o francês Julien Fauvel no gol, Sidnei e Arantes; Ernari, Oscar e Montenegro; Adolpho Millon, Hugo, Nilo, Simon e Arnaldo Silveira. O time dos ingleses apresentou Parsons, Kent e Deweck; Woodon, Seddon e Lee; Saul, De Saone, Allen, V. Cross e Harold Cross.
O que se sabe é que o jogo começou às 14h30 e acabou às 15h30, com tempos de meia hora. A primeira etapa terminou empatada em 1 a 1, gols de Arnaldo Silveira para o Santos e Lee para os ingleses. No segundo tempo, Arnaldo, novamente, e Millon marcaram para o Santos, enquanto Lee fez mais um para o adversário.
Nesse campo da Avenida Ana Costa o Alvinegro disputaria 14 jogos, mantendo-se invicto, com 11 vitórias e três empates. Lá conquistaria o Campeonato Santista de 1913 (a partir de 1915 o time passaria a mandar seus jogos no campo da avenida Conselheiro Nébias, que pertencia à Liga Amadora de Santos e depois passou para o Brasil FC).
Logo na estreia, presença marcante de Arnaldo e Millon
Um dos detalhes importantes dessa estreia oficial do Santos é a presença decisiva de seus dois primeiros grandes jogadores: os pontas Adolpho Millon e Arnaldo Silveira.
Ambos ainda muito jovens, já se destacavam no time e em pouco tempo estariam entre os melhores do País. Millon, como foi dito, faria 17 anos um dia depois desse jogo contra os ingleses, e Arnaldo era apenas um ano mais velho do que ele.
Dois anos depois esses garotos de Santos seriam titulares da primeira Seleção Brasileira, a que conquistou a Copa Roca de 1914, na Argentina. E permaneceriam titulares do Escrete até o Sul-americano de 1919, a primeira grande conquista do futebol nacional. Pode-se dizer, então, sem exagerar, que os dois santistas foram os melhores pontas do início do futebol brasileiro.
Poucos times, na verdade, tiveram a fortuna de ter o seu primeiro gol oficial marcado por um jogador como Arnaldo Silveira, um craque de grande personalidade, que além de melhor ponta-esquerda do País, tornou-se ainda o capitão da Seleção Brasileira.
A notícia no Correio Paulistano
Fundado em 1854, o Correio Paulistano foi o primeiro jornal diário de São Paulo e o terceiro do Brasil. Era o mais importante periódico da Capital em 1912 e retratou em apenas quatro linhas, na página 3, este primeiro jogo oficial do Santos:
SANTOS, 15 – Foi jogado no ground do Santos Foot-Ball Club um match entre este club e o Santos Athletic Club, vencendo aquelle por 3 goals a 2.
O jornal dedicava boas colunas para os acontecimentos de Santos, então uma cidade que se aproximava de 90 mil habitantes (exatos 88.967 moradores) e era mais populosa e rica do que a maioria das capitais do Brasil.
O curioso é que além da atenção especial que se dava às chegadas e partidas do Porto de Santos e também às entradas e altas na Santa Casa, a edição de 16 de setembro do Correio Paulistano deu mais espaço a certos fatos irrelevantes do que ao jogo inaugural do futuro melhor time do mundo.
Enquanto o match do Santos foi retradado em quatro linhas, a notícia de uma rasteira de Joaquim Ferreira no amigo Felisberto Pinto, que caiu, se machucou e acabou atendido na Santa Casa, mereceu nove linhas do prestigioso periódico. Bem, quem poderia imaginar que uma das aventuras mais apaixonantes do futebol tinha começando naquele dia.