Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Em 1918 o Santos fazia um ótimo Campeonato Paulista e tinha chance de lutar pelo título quando, uma hora antes de começar a rodada de 10 de outubro, policiais e agentes sanitários apareceram nos estádios para impedir a realização dos jogos e a concentração de pessoas devido à proliferação da gripe espanhola, ou “Influenza Hespanhola”. Só naquele dia foram registrados 358 casos novos da gripe em São Paulo e outros 316 em Santos.
Antes da interrupção, o Santos estava embalado. Em 15 de setembro, um domingo de Vila Belmiro abarrotada, pela primeira vez em sua história o time venceu o esquadrão do Paulistano, com Friedenreich e todos os seus craques. Haroldo Domingues fez o único gol daquele choque de gigantes, em que o Alvinegro Praiano jogou com Costa e Silva, Arantes e Cícero; Pereira, Marba e Ricardo; Adolpho Millon, Jarbas, Ary Patusca, Haroldo Domingues e Arnaldo Silveira.
Para se ter uma ideia da repercussão de tal vitória, basta relembrar o que o jornal Correio Paulistano escreveu sobre o jogo:
O match de ontem valeu bem pela consagração dos dois briosos conjuntos: foi ótimo, foi magnífico. A colossal multidão que acorreu ao campo da Vila Belmiro teve ocasião de vibrar, emocionada, porque a luta foi farta de lances empolgantes.
Depois de perder para o Paulistano por 7 a 3, em São Paulo, o Santos conquistou sete vitórias e três empates, colocando-se entre os melhores do campeonato. Nesse caminho, entre outros jogos, goleou o Internacional duas vezes (5 a 3 e 7 a 2), o Minas Gerais (6 a 2), o Mackenzie (4 a 0) e venceu o Corinthians, na Vila, por 4 a 2. Mas aí a gripe entrou em campo…
A guerra veio para dentro de casa
A Primeira Guerra Mundial, de 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918, que matou 38,7 milhões de pessoas entre militares e civis, ainda não tinha terminado quando a gripe espanhola surgiu. A longa, penosa e suja guerra de trincheiras, que obrigou milhões de jovens a passar todo o tipo de privações, era o nascedouro perfeito para as epidemias, como tifo, cólera, difteria, que depois alcançavam a população exausta e faminta da Europa. Assim nasceu a temida “hespanhola”.
No começo, parecia uma gripe comum, mas em pouco tempo se desenvolvia como uma pneumonia jamais vista. O corpo arroxeava e a falta de ar matava as pessoas em poucas horas. Ela chegou ao Brasil em outubro de 1918, trazida pelos navios às cidades portuárias.
Quando o Campeonato Paulista foi suspenso, o Rio de Janeiro já estava alcançando 700 mortos. No dia 21 de outubro, um dia depois da suspensão, morreu o primeiro paulistano. Então, como estamos vendo hoje, as escolas, cinemas, teatros e eventos públicos foram suspensos. O comércio se encerrava às 17 horas e a imprensa recomendava que a população evitasse a friagem da noite.
Em 31 de outubro, dez dias depois de sua primeira morte, São Paulo contava 4.887 casos e 35 mortes. Três semanas depois, em um único dia, 20 de novembro, registraram-se 771 casos e 138 mortes na capital. Durante duas semanas as pessoas quase não saíram à rua.
Mas os jornais continuavam indo às bancas, e com muitos anúncios de remédios milagrosos para acabar com a gripe e ofertas de funerárias na primeira página, destacando os preços dos caixões. Em São Paulo, bondes da Light eram utilizados para transportar caixões e os cemitérios da Consolação e do Araçá recebiam iluminação de emergência para os enterros noturnos.
O pior ciclo da gripe durou dois meses. Em meados de novembro seu efeito se arrefeceu, depois de matar 35 mil pessoas no Brasil e cerca de 50 milhões em todo o mundo. Mas a gripe ainda teria uma nova onda de fevereiro a maio de 1919 e nesse período causaria a morte do presidente do Brasil, Rodrigues Alves, e de um dos fundadores do Santos, Raymundo Marques.
Só com duas derrotas, o Santos desistiu
Duas semanas antes do anúncio da interrupção do campeonato, em 6 de outubro, o Santos enfrentou a Associação Atlética Palmeiras, na Vila Belmiro, em mais uma partida elogiada à exaustão pela imprensa da época. Pelos relatos dos jornais, o Santos dominou amplamente, criou inúmeras oportunidades – quase todas salvas pelo goleiro Tuffy, que depois seria contratado pelo Alvinegro Praiano – e acabou perdendo por 1 a 0.
O jogo foi tumultuado. Adolpho Millon e Lapa, defensor do Palmeiras, foram expulsos pelo árbitro Irineu Malta, que, segundo o jornal Correio Paulistano, “atuou de forma lamentável”. Ocorreram muitos incidentes e a Associação Paulista de Esportes Atléticos resolveu interditar o estádio da Vila Belmiro.
Quando o campeonato recomeçou, em 15 de dezembro, o Santos não estava mais entre os participantes. A gripe espanhola, que debilitou seu elenco, e a crise com a APEA são causas apontadas pela decisão do clube de desistir da competição (aqueles tempos eram bem desorganizados, mesmo, tanto que o Palestra Itália abandonou o campeonato de 1918 depois de discordar de uma arbitragem, mas voltou normalmente em 1919).
O Santos ainda teria mais três jogos para fazer: Ypiranga, Mackenzie e São Bento, todos em São Paulo. Eram vitórias possíveis, que o colocariam na luta pelo título. Com a desistência, ficou com 18 pontos ganhos, na quinta colocação, porém com apenas duas derrotas, uma a menos do que o Paulistano, o campeão.