Raul Estevan, do Memorial das Conquistas
Sábado, dia 20 de junho de 1959. Após um café, Pelé decide descer às ruas de La Coruña para visitar uma loja de esportes perto de onde estava hospedado com o elenco santista. Ouviu de Lalá, seu companheiro de quarto, que lá estava exposto o troféu Teresa Herrera, e que havia também um lindíssimo par de sapatos à venda. “Se souberem que é você, é capaz de arrancarem até suas roupas”, avisou o colega de quarto. “Mas eu vou! Quero ver como é o troféu e comprar os sapatos!”, replicou. Passados vinte minutos, voltou ‘arrebentado’, e seu estado denunciava que seu colega tinha razão — mal conseguiu ver o troféu, e muito menos os sapatos.
Nem mesmo o Rei podia compreender, naquele momento, o tamanho de tudo que acontecia. O Santos pousara em território europeu, pela primeira vez, no dia 23 de maio de 1959, em viagem à Bulgaria. Começava um episódio de sua história que seria contada, ao longo de 44 dias, em 22 confrontos. Foram 13 vitórias, 04 derrotas e 05 empates. Com esse número de jogos, o Alvinegro Praiano teve a inexplicável média de um jogo a cada dois dias, viajando por 11 países.
Após diversas empreitadas em solo americano, somente em 1959 que o Peixe se viu pronto para ir além da praia e explorar novos horizontes. Dessa vez, os livros de história contariam algo diferente — era o Novo Mundo indo ao encontro do Velho. De avião, e não mais barcos. Sem armas e nem à procura de riquezas. Nossa missão era uma: desfilar um belo futebol. Para um time que não estava acostumado a jogar fora do país, os números são gigantes. Maior ainda, o amor e a força com que se construíram as histórias.
O início de nossa carreira internacional remonta ao ano de 1954, na excursão ao território de nossos vizinhos argentinos. Até então, no time capitaneado por Zito, pouco se falava sobre ir para longe de nosso continente. Porém, com a conquista da Copa do Mundo em 1958, e com um certo garoto de Três Corações coroado em solo sueco, tudo passou a ser diferente. De uma hora para outra, todos queriam ver o time dos brasileiros campeões.
“O Santos foi como um time desconhecido, e voltou como um dos maiores do mundo”, conta Lalá. Goleiro titular durante a maioria dos jogos, o paranaense se viu diante de um sonho. “Naquela época, éramos uma família. Jogávamos com o coração. Ele e o Santos iam na frente”. Os sacrifícios que foram feitos eram grandes; tudo pelo Manto Sagrado. “Às vezes, mal dava tempo de irmos ao hotel, então precisávamos dormir no aeroporto”, relembra. Mas para o apaixonado, todo esforço é pouco. Mesmo em meio às dificuldades da viagem, o que hoje resta são boas memórias.
Acumulando dois títulos durante a primeira excursão, o elenco da época logo se consolidou como um time de estrelas internacionais. Nem sempre vencíamos, houve derrotas para Real Madrid, Viena e alguns poucos outros — sempre nas condições mais adversas. Mas quando vencíamos, vencíamos com estilo. Os placares variam. Cinco a um contra o Barcelona, sete a um contra a Internacional de Milão. E isso ninguém esquece. Mas a história foi feita muito além das quatro linhas.
Graças aos heróis alvinegros, o Santos já não era só brasileiro. “Dentro da França, Pepe é um fenômeno”, conta Lalá. “Uma vez, o Santos jogava em Paris, e havia uma falta no meio de campo, do lado da nossa defesa. O Pepe arruma a bola e começa a se afastar para fora do campo. A torcida vaia, pensando ‘o que esse homem vai fazer? Por que precisa se afastar tanto?’. Ele bate a falta, e faz o gol no ângulo. Em Paris, Pepe é um nome inesquecível”, destaca. Pepe é Santos. E inesquecível.
Pois assim deve ser. Numerosos dias de viagem, cansaço sem fim. Noites mal dormidas e refeições perdidas para que, hoje, pudéssemos ser o que somos. Mais do que um time vencedor, bicampeão do mundo e eterno detentor do trono do futebol, o Santos é também internacional. Seja na Europa, na África ou nos cantos mais desconhecidos. Nós chegamos lá. E foi feito com amor. Com uma paixão ardente, incessante no modo com que não poderia deixar de lutar para conquistar o mundo. Pois com a nossa camisa, o Santos merece o mundo. Por fim, uma lição: para a eternidade, a gente não fica. As histórias ficam. O Santos fica.