Como todo santista sabe, ou tem obrigação de saber, o Santos é o time brasileiro mais conhecido no mundo, e isso porque jogou fora do País três meses por ano por 16 anos seguidos, de 1959 a 1974. O que nem todos sabem é que a primeira viagem internacional, ainda sem Pelé, ocorreu em 1954, para a Argentina, e depois de três empates a primeira vitória santista no estrangeiro veio em um 4 de abril, como hoje, em forma de uma goleada de 5 a 0 sobre o Club Atlético Talleres, o conhecido Talleres de Córdoba.
A estreia naquela excursão ocorreu em 21 de março, um domingo, em que uma disparada e o chute poderoso de Del Vecchio arrancaram o empate de um gol com o Gimnasia & Esgrima. No domingo seguinte o Santos empatou em 3 a 3 com o San Lorenzo, depois de virar uma partida que perdia por 2 a 0. Vasconcelos, duas vezes, e Álvaro fizeram os gols santistas. A própria imprensa argentina escreveu que o time merecia vencer, pois jogou melhor e ainda teve um gol de Álvaro mal anulado.
No terceiro compromisso, na noite de quarta-feira, outro empate com o Gimnasia, dessa vez por dois gols (Tite e Walter). A essa altura os exigentes cronistas argentinos já tinham percebido que estavam diante de uma equipe que sabía jugar al fútbol . Hélvio, Formiga, Álvaro, Del Vecchio e Vasconcelos eram os mais elogiados.
De Buenos Aires, a comitiva alvinegra partiu em viagem de 17 horas de trem até Córboda, segunda cidade mais populosa da Argentina, hoje com 1,2 milhão de habitantes, onde, no domingo à tarde, o time enfrentaria o Talleres reforçado por jogadores do Belgrano.
O desgaste da viagem foi compensado pela boa notícia de que Álvaro poderia voltar ao time , o que permitiria a Giuseppe Ottina, o italiano que treinava o Santos, escalar o ataque com Del Vecchio, Walter, Álvaro, Vasconcelos e Tite, uma linha que estava entre as melhores do Brasil.
Na defesa e meio campo Ottina formou o time com Barbosinha, Hélvio e Feijó; Urubatão, Formiga e Zito (Hugo também chegou a participar da partida, entrando no lugar de Vasconcelos). Enfim, uma equipe forte e equilibrada.
Disputado no estádio Julio César Villagra, mais conhecido como “O Gigante de Alberdi”, pertencente ao Club Atlético Belgrano, o confronto foi dominado amplamente pelos santistas, mais técnicos e entrosados, que obtiveram a vitória inapelável por 5 a 0, com dois gols de Vasconcelos, um de Hugo, um de Walter e um de Tite.
Um historiador que se preze gosta de descrever lances do jogo e, principalmente, os gols, mas no caso desta partida não foi possível encontrar mais detalhes. A imprensa não noticiou e nenhum dos santistas presentes ao jogo estão vivos (Pepe, então com 19 anos, ainda era um novato e não viajou para a Argentina).
Ainda naquela excursão o Santos perdeu para o San Martín por 4 a 1, ganhou a revanche contra o mesmo San Martín também por 4 a 1, venceu o Tucumán por 3 a 1 e no último jogo, cansado e desfalcado de Álvaro e Vasconcelos, perdeu para o River Plate, no Monumental de Nuñez, por 2 a 0. Mesmo perdendo, o Alvinegro fez um jogo equilibrado, mostrou qualidades e voltou para o Brasil mais tarimbado, pronto para novas jornadas internacionais.
De estádios deslumbrantes da Europa a campos acanhados da África, o Santos seria assistido, ao vivo, por mais de 10 milhões de pessoas, que transmitiriam a seus filhos e netos o encantamento que era ver aquele time jogar. Os mágicos brasileiros venceriam os melhores times do mundo e conquistariam, um a um, os troféus mais cobiçados do futebol. Mas, justiça histórica seja feita, tudo havia começado – a alegria pura, quase infantil, do primeiro triunfo em terras estrangeiras – naquele quase esquecido 4 de abril de 1954, em Córdoba.