Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Tarde iluminada de 5 de março de 1961, um domingo de verão no Maracanã. Cerca de 40 mil pessoas assistem a Fluminense e Santos, pela segunda rodada do Torneio Rio-São Paulo. O Santos vence por 1 a 0 e o Fluminense busca o empate. Um jogo bonito e agradável que começa a entrar para a mitologia do futebol aos 41 minutos, quando Pelé pega a bola ao lado da área santista e parte em busca da meta adversária.
Coutinho corria pela esquerda e Dorval pela direita, mas Pelé seguiu quase em linha reta. Clóvis veio marcá-lo e foi driblado. Telê teve a mesma sorte. Depois Edmilson, Jair Marinho… Pelé correu em direção de Pinheiro, mas à distância desviou o rumo e o zagueiro, desequilibrado, foi ao chão. Castilho se atirou aos pés do atacante santista, mas Pelé tocou a bola, mansamente, por baixo do goleiro. O que ocorreu depois foi descrito assim pelo jornalista Mário Filho em seu livro “Viagem em torno de Pelé”:
Era um gol visto do princípio ao fim, como nunca se vira outro. Então aconteceu uma coisa inédita. A multidão não se levantou. Continuou sentada. Mas prorrompeu em palmas. Não houve um só espectador que não batesse palmas. Era uma ovação de Teatro Municipal. As palmas não paravam aumentando de intensidade. Batia-se palmas olhando para o campo, para Pelé. Pelé ouviu as palmas e olhou para as arquibancadas do Maracanã. Depois levantou o braço e acenou com a mão, agradecendo. Recebia os abraços de Coutinho, de Zito, de Pepe, de Dorval e continuava a escutar as palmas… Correu para o meio de campo, acenando com a m&atil de;o lev antada, agradecendo. Era aquela a homenagem mais bela que recebera…
As palmas só cessaram quando Valdo deu a nova saída. Iam recomeçar logo depois, pois acabava o primeiro tempo e Pelé saía de campo. A diferença é que agora a multidão se pôs de pé para aplaudir Pelé. Quando Pelé desapareceu no túnel, ninguém ficou quieto. A vontade que todo mundo tinha era de se abrir, de compartilhar com alguém a alegria do gol de Pelé. Formavam-se grupos. Gente que não se conhecia tornava-se íntima pelo milagre do gol de Pelé.
Entre os presentes no Maracanã estava o jovem jornalista paulista Joelmir Beting, que cobria o jogo para o jornal O Esporte. Joelmir (Tambaú, SP, 21-12-1936 – São Paulo, SP, 29-11-2012) decidiu que aquele gol merecia uma placa. Ele mesmo mandou confeccioná-la, de bronze, pagou do seu bolso e foi levá-la ao estádio, em nome do jornal em que trabalhava. Nela estava escrito: Neste campo no dia 5-3-1961 Pelé marcou o tento mais bonito da história do Maracanã. O Esporte.
Humilde, Joelmir fazia questão de dizer que não era o autor da expressão “gol de placa”, mas a verdade é que ela se consagrou após o gol de Pelé e a placa que Joelmir doou ao Maracanã. Em 2011, quando o gol completou 50 anos, Pelé enviou uma placa de acrílico a Joelmir com os seguintes dizeres: Ao Joelmir Beting. Gratidão eterna do autor do gol de placa ao autor da placa do gol. Edson Pelé.
Símbolo de uma era
Mais do que uma linda jogada fortuita, o primeiro e legítimo gol de placa pode ser visto como o símbolo da era de maior beleza e excelência do futebol brasileiro, cujo maior representante era o Santos. Matérias sobre o jogo do Maracanã publicadas tanto na Folha de São Paulo, como no Jornal do Brasil, dois dos jornais mais influentes do País, coincidiam na mesma visão:
O Santos demonstrou, mais uma vez, ser o maior esquadrão brasileiro da atualidade. A torcida carioca soube reconhecer as grandes qualidades do Santos, sendo inúmeras vezes aplaudida com entusiasmo a tabelinha entre Pelé e Coutinho. O grande meia Pelé demonstrou ser insubstituível (Folha de São Paulo).
O Santos deu, domingo, no Maracanã, uma amostra de seu poderio, confirmando que é, no momento, o melhor team brasileiro – e consequentemente do mundo – ao derrotar o Fluminense, sem se empregar e jogar tudo o que sabe, por 3 a 1, com relativa facilidade (…). É muito difícil explicar o que é o Santos, o que joga o Santos, o que representa o Santos. O seu padrão de jogo atual é, talvez, o que houve de melhor em futebol. Como equipe é quase insuperável e individualmente tem figuras da maior categoria. A alta qualidade de cada jogador se soma para formar um team uniforme, em que os homens se completam sucessivamente. O resultado é um futebol de primeira, um fu tebol de luxo, belo e prático, fabuloso e objetivo. E une a tudo isso o gênio Pelé (Jornal do Brasil).
Naquele domingo de sonho o Santos foi escalado por Lula com Laércio, Fioti, Mauro e Dalmo; Zito e Calvet; Dorval, Mengálvio (Ney), Coutinho, Pelé e Pepe (Sormani). O Fluminense, do técnico Zezé Moreira, atuou com Castilho, Jair Marinho, Pinheiro e Altair; Edmilson e Clóvis (Paulo); Telê Santana (Augusto), Paulinho, Valdo, Jaburu e Escurinho. Na arbitragem, o potiguar Olten Ayres de Abreu.
A vitória de 3 a 1 foi construída com dois gols de Pelé – aos quatro e aos 41 minutos do primeiro tempo –, um de Pepe, aos seis minutos, e o último de Valdo, do Fluminense, aos 41 da segunda etapa.
Na rodada seguinte, em 11 de março, também no Maracanã, o Santos goleou o Flamengo por 7 a 1, diante de mais de 90 mil pessoas, e Pelé marcou mais três gols. Sua fase excepcional incomodava e provocava a violência adversária.
Em 15 de março, no Pacaembu, foi a vez do São Paulo ser batido por 1 a 0, em jogo tenso. Dino Sani e Vitor foram citados na súmula da arbitragem por terem dado pontapés em Pelé. Machucado, o camisa 10 do Santos ficou fora dos três jogos seguintes do Rio-São Paulo, e ao voltar teve dificuldade para recuperar seu melhor futebol, o que foi decisivo para impedir o título do Santos.