Por Odir Cunha, do Centro de Memória
No domingo escaldante de 19 de dezembro de 2004 um grupo de pessoas caminhava para o Estádio Benedito Teixeira, em São José do Rio Preto, vestindo camisetas com os dizeres: “Sou santista, não desisto nunca”. Realmente, não se tem notícia de outro campeão que tenha passado por tanta dificuldade fora de campo como o Santos na sua trajetória rumo ao título brasileiro de 2004, que conquistaria naquela tarde.
O simples fato de jogar a última rodada do campeonato na ardente São José do Rio Preto, a 442 quilômetros da capital paulista, já era uma anomalia, resultado de uma punição inédita e rigorosa do autoritário Luiz Zveiter, presidente do STJD – Supremo Tribunal de Justiça Desportiva. Por objetos jogados no gramado da Vila Belmiro, o Santos foi proibido de mandar seus jogos no Urbano Caldeira e em qualquer estádio a menos de 150 quilômetros de sua sede. Com isso, nem restou a opção de jogar na capital do Estado, onde tem a maior parte de sua torcida.
Mas a punição teve um lado positivo: mostrou a força da torcida santista no Interior. Empurrado por ela o time venceu o Figueirense por 4 a 1, em Mogi Mirim; o Fluminense por 5 a 0, em São José do Rio Preto; o Goiás, de virada, por 2 a 1, em Presidente Prudente; o Grêmio por 5 a 1, em São José do Rio Preto, e garantiu o título na última rodada, em São José do Rio Preto.
O caminho teria sido mais suave e a taça já estaria garantida antes da última rodada se as arbitragens não tivessem deixado de marcar meia dúzia de pênaltis e invalidado nove gols legítimos do Santos, dos quais sete do artilheiro Deivid. Tornou-se tão comum a anulação equivocada de gols santistas que em determinado momento o calejado técnico Vanderlei Luxemburgo disse que avisou aos jogadores “que tinham de marcar dois para valer um”.
Outro incidente que poderia ter desestabilizado o time foi o sequestro da mãe de Robinho, o principal jogador do Santos. Traumatizado pela situação, Robinho ficou seis rodadas sem jogar, felizmente muito bem substituído por Basílio, que se mostrou participativo e marcou três gols nessas partidas. Robinho só voltaria no último compromisso, contra o Vasco.
Para complicar, o time perdeu a estrutura do ano anterior, quando tinha sido vice-campeão brasileiro e da Copa Libertadores. Saíram jogadores importantes, como Alex, Renato e Diego. O técnico Émerson Leão foi demitido depois de perder três dos quatro jogos iniciais do Brasileiro. Vanderlei Luxemburgo assumiu em maio, mas no começo teve duas derrotas e um empate e o Santos caiu para vigésimo lugar, uma posição acima da zona de rebaixamento (em 2004 o campeonato tinha 24 times).
O bom trabalho de Luxemburgo
Minutos depois de ser goleado pelo Palmeiras por 4 a 0, na Vila Belmiro, o técnico Vanderlei Luxemburgo teve a coragem, ou a temeridade, de dizer que o Santos ainda poderia ser campeão brasileiro. Bastaria, segundo ele, ganhar sete jogos consecutivos para a equipe entrar no pelotão da frente, que lutava pelo título.
No jogo seguinte o time empatou com o Atlético Mineiro, no Mineirão, por 3 a 3, mas o rendimento melhorou. Robinho perdeu um pênalti e o Santos teve um gol anulado pelo árbitro Wagner Tardelli. A partir daí, como por encanto, a prometida série de sete partidas começou.
Vitória, em Salvador (2 a 1), Internacional, na Vila Belmiro (3 a 0), Guarani, no Pacaembu (2 a 1), Corinthians, no Pacaembu (3 a 2), Ponte Preta, em Campinas (4 a 0), São Paulo, na Vila Belmiro (2 a 1) e Flamengo, na Vila Belmiro ( 2 a 0) foram as vitórias que colocaram o Santos na disputa pelo título.
Depois, mesmo com altos e baixos, a equipe se manteve na luta pela liderança, que finalmente foi alcançada na penúltima rodada, quando venceu o São Caetano por 3 a 0, no Anacleto Campanella, enquanto o Atlético Paranaense era batido pelo Vasco, em São Januário, por 1 a 0.
Mais do que motivar a equipe, Luxemburgo teve o mérito de recuperar jogadores desacreditados. Ricardinho veio da eterna reserva do Middlesbrough, da Inglaterra, para comandar o meio campo do Santos ao lado de Preto Casagrande, que tinha sido rebaixado com o Bahia. Na zaga, o técnico juntou Leonardo, um Menino da Vila, ao experiente Ávalos, zagueiro com uma dispensa por deficiência técnica no currículo. Promoveu a titulares o goleiro Mauro, o meia Basílio e desse balaio de gato conseguiu fazer um time confiante.
No jogo decisivo Luxemburgo escalou o Santos com Mauro, Flávio, Ávalos, Leonardo e Léo; Fabinho, Preto Casagrande, Ricardinho e Elano (Marcinho); Robinho (Basílio) e Deivid (Willian). O Vasco, aliviado por ter escapado do rebaixamento na rodada anterior, foi armado por Joel Santana com Everton, Henrique, Fabiano (Gomes), Daniel e Claudemir; Coutinho, Ygor, Junior (Rubens) e Rodrigo Souto (Rafael); Diego e Marco Brito.
Cerca de 40 mil pessoas, das quais 36.426 pagantes, tomaram o incandescente Benedito Teixeira, o Teixeirão, para ver o Santos conquistar o seu oitavo título brasileiro. A temperatura aumentou ainda mais aos cinco minutos, quando Ricardinho cobrou uma falta no ângulo da meta de Everton. Aos 30 minutos, Preto Casagrande cruzou e Elano cabeceou para fazer 2 a 0.
No início do segundo tempo, Robinho penetrou livre, driblou o goleiro e fez 3 a 0, mas o árbitro Leonardo Gaciba, erroneamente, anulou mais um gol santista no campeonato. Aos 16 minutos o time carioca diminuiu, com Marco Brito, mas ficou nisso. Com 89 pontos ganhos e 27 vitórias, três pontos e duas vitórias a mais do que o Atlético Paranaense, o Santos novamente superou tudo e todos para incluir o oitavo título brasileiro na sua história.
Em meio às comemorações, um dos poucos abatidos era o centroavante Deivid, passou o último jogo em branco e terminou o campeonato com 21 gols, um a menos do que Serginho, o artilheiro do Brasileiro de 1983. “Não fossem os gols anulados, eu teria ao menos igualado o recorde do Serginho”, lamentava. Luxemburgo, por sua vez, reconheceu: “Foi o meu trabalho mais difícil. Pelas dificuldades da competição e por este não ser ainda um grupo homogêneo.”
A conquista do Alvinegro Praiano trouxe novos parâmetros ao futebol brasileiro. O Santos se tornou o primeiro campeão brasileiro tanto no sistema de jogos eliminatórios, como no de pontos corridos. Também foi o primeiro a conquistar dois títulos e um vice em três anos. Bateu o recorde de gols no Campeonato Brasileiro, marca ainda não alcançada, com 103 tentos. Vanderlei Luxemburgo se tornou cinco vezes campeão nacional, igualando a proeza de Luís Alonso Perez, o Lula, pentacampeão pelo Santos de 1961 a 1965.