Por Guilherme Guarche, do Centro de Memória
Entre o final da década de 1940 e início da de 1950 o Santos contratou vários jogadores de clubes do Rio de Janeiro, principalmente do Fluminense. Entre eles veio um zagueiro alto e visivelmente magro, mas que não se intimidava com atacantes truculentos, pois era duro no desarme e eficiente nas jogadas aéreas. Seu nome, Hélvio Pessanha Moreira, também conhecido como Hélvio Piteira.
Nascido em 20 de janeiro de 1924, em Campos dos Goytacazes, antigo Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro, Hélvio chegou ao Santos aos 25 anos, no início de 1949. O hábito de fumar usando uma piteira já tinha lhe dado o apelido que o acompanharia por toda a vida.
Com as meias arriadas cobrindo as canelas finas, Hélvio começou jogando na ponta esquerda de uma equipe amadora do bairro Humaitá, em Niterói. Em seguida passou a jogar como volante e depois foi para a zaga central. Segundo seus amigos, ele não tinha pretensão de ser jogador profissional, mas quando o Fluminense o procurou, em 1944, abandonou o emprego no Ministério da Marinha e seguiu para o afamado time de Laranjeiras.
No Fluminense, Hélvio fez parte do chamado “Trio de Ossos”, ao lado de Mirim e Ponce de Leon, ambos tão magros quanto ele. Jogou no tricolor carioca até o início de 1949. Em 30 de março daquele ano foi contratado pelo Santos por 150 mil cruzeiros. Menos de duas semanas depois, em 10 de abril, estreou no Alvinegro Praiano em um amistoso contra a Prudentina, em Presidente Prudente.
Naquele domingo, em que foi derrotado por 1 a 0, no estádio Félix Marcondes, o Santos foi escalado pelo técnico Osvaldo Brandão com Chiquinho. Hélvio (depois Artigas) e Expedito; Nenê, Telesca e Pascoal; Alemãozinho, Arturzinho, Simões, Antoninho e Odair (Nando).
Técnico mas viril, se necessário, com grande senso de colocação e ótima impulsão, Hélvio imediatamente garantiu seu lugar na zaga santista. Segundo seus companheiros Pepe e Formiga, o experiente zagueiro, cuja jogada marcante era o rebote de “sem pulo”, foi um dos melhores de sua posição e se orgulhava de nunca ter sido expulso em sua carreira, mesmo atuando como último homem da zaga santista.
Em 1955, convocado pelo técnico Vicente Feola, entrou no lugar do então são-paulino Mauro Ramos de Oliveira na vitória do Brasil sobre o Chile por 2 a 1, no Pacaembu, pela Taça Bernardo O” Higgins. Nesse jogo Hélvio atuou ao lado de seus companheiros do Santos, Formiga, Vasconcelos e Álvaro Valente.
Álvaro, que substituiu Vasconcelos, fez um dos gols que deram ao Brasil a vitória e a taça em disputa. Essa foi a única apresentação de Hélvio pela Seleção Brasileira. Pelo Selecionado Paulista, jogou 10 partidas e foi campeão brasileiro em 1954.
Quando Pelé, ainda um garoto apelidado Gasolina, iniciava sua história no Santos, em 1956, Hélvio era um dos jogadores mais experientes da equipe e muito colaborou com o futuro melhor jogador de todos os tempos, dando-lhe conselhos e servindo de exemplo.
A despedida do grande zagueiro santista ocorreu duas semanas antes de o Alvinegro excursionar pela primeira vez à Europa. Em 9 de maio de 1959, um sábado, no Maracanã, pelo Torneio Rio-São Paulo, Hélvio começou a partida e foi substituído por Feijó na derrota para o América carioca por 4 a 3. Aos 35 anos Hélvio fez sua última partida pelo Santos, ao lado de Laércio, Getúlio, Hélvio (Feijó) e Mourão; Álvaro e Urubatão; Dorval, Jair Rosa Pinto, Coutinho, Afonsinho (Fioto) e Pepe.
Em dez anos de Vila Belmiro, Hélvio participou de 426 jogos e marcou um gol. Nesse período ganhou os títulos paulistas de 1955, 1956 e 1958, o Rio-São Paulo de 1959, o Torneio Internacional da Federação Paulista de Futebol em 1956, o Pentagonal do México em 1959 e mais seis torneios.
A polêmica final de 1956
Como se sabe, o Santos se tornou bicampeão paulista na noite de 3 de janeiro de 1957, quinta-feira, no Pacaembu, ao bater o São Paulo por 4 a 2, com dois gols de Del Vecchio, um de Feijó e um de Tite. No entanto, um fato muito comentado na época colocou em dúvida a honestidade de Hélvio e Ivan, a zaga titular do Santos.
Noticiou-se que horas antes da partida, após receber informações de uma fonte não identificada, a diretoria santista pediu ao técnico Lula que substituísse Hélvio e Ivan, pois os dois jogadores estariam “na gaveta”, ou seja, tinham sido subornados pelo adversário e fariam corpo mole para favorecer a vitória do rival. Então, por precaução, Lula efetuou a troca dos jogadores, escalando os reservas Wilson e Feijó.
O tempo passou e nada foi provado contra os titulares da zaga santista, que permaneceram defendendo o Alvinegro Praiano por mais algumas temporadas. Provavelmente o boato foi plantado para desequilibrar a ótima defesa santista, em uma sórdida atitude que hoje seria denominada fake news.
Depois que deixou o Santos, Hélvio ainda continuou jogando na cidade, mas pelo Jabaquara Atlético Clube, onde encerrou sua carreira profissional em 1960. O clássico, experiente e decidido Hélvio Pessanha Moreira, um zagueiro decisivo na fase de formação do Grande Santos que encantaria o mundo a partir do final dos anos 50, faleceu em sua Campos dos Goytacazes em 24 de maio de 1984, aos 60 anos, vítima de câncer na garganta.