Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Para muitos o Santos de 1961 já era o melhor time do Brasil, mas faltava o título. Na primeira Taça Brasil, em 1959, a equipe sentiu a ausência de Pelé e perdeu a decisão para o Bahia. No ano seguinte, não participou por não ser campeão paulista. Porém, com o título estadual de 1960 surgiu nova oportunidade para vencer a Taça e ganhar o direito de representar o Brasil na Copa Libertadores. O adversário seria o Bahia, o algoz de 1959, e a segunda partida estava marcada para a Vila Belmiro, em 27 de dezembro.
Antes de chegar à final o Santos passou pelo América, o campeão da Guanabara de 1960. No primeiro jogo, em São Januário, o Alvinegro goleou por 6 a 2, com três gols de Pepe, dois de Pelé e um de Coutinho. Em seguida, surpreendentemente, perdeu na Vila Belmiro por 1 a 0, em jogo conturbado, no qual o árbitro Armando Marques expulsou Pelé. Na partida desempate, goleou no Pacaembu por 6 a 1, com dois gols de Pelé, dois de Coutinho, um de Dorval e um de Pepe.
O América vinha de uma campanha respeitável, pois nas oitavas tinha eliminado o Cruzeiro, o campeão de Minas Gerais, e nas quartas passara pelo Palmeiras, campeão brasileiro do ano anterior. Nos dois confrontos empatara em 1 a 1 fora de casa e vencera por 2 a 1 no Rio. Contra o Santos, porém, a diferença de categoria prevaleceu.
Assim como em 1959, o adversário do Santos na final da Taça Brasil de 1961 foi o Bahia, que em oito jogos tinha obtido sete vitórias e um empate, passando por Santa Cruz, de Sergipe; Campinense, da Paraíba; Fortaleza, do Ceará, e Náutico, de Pernambuco. Contra o Santos, o primeiro jogo seria em Salvador, dia 22 de dezembro, e o segundo na Vila Belmiro, dia 27.
Uma revanche histórica
Disputada por representantes de 17 Estados, a Taça Brasil de 1961 foi jogada de 20 de julho a 27 de dezembro e, como nos anos anteriores, dividida entre os grupos Norte/Nordeste e Centro/Sul. Não se pode perder de vista que a competição tinha como referência o Campeonato Brasileiro de Seleções, em que a Bahia foi o único Estado a furar a hegemonia de paulistas e cariocas, conquistando o título em 1934.
Campeão brasileiro em 1959 sobre esse mesmo Santos, o Bahia encheu seus torcedores de esperança diante de nova decisão com o Alvinegro Praiano e atraiu um público de 41.893 pessoas e renda recorde de Cr$ 7 441 400,00 para o primeiro jogo da final da Taça Brasil de 1961, no estádio da Fonte Nova.
Acostumado a jogar com torcida contrária, o Santos não se intimidou e logo aos três minutos abriu o marcador, com Coutinho. Mas a impressão de goleada não se confirmou. O experiente campeão baiano conseguiu equilibrar a partida e aos oito minutos do segundo tempo Marito aproveitou um rebote de Laércio e empatou o jogo. Com a igualdade, a decisão do título ficou para a Vila Belmiro.
Jogar a segunda partida no seu estádio poderia parecer uma grande vantagem para o Santos, mas não se pode esquecer que em 1959 o Alvinegro perdeu para o Bahia por 3 a 2 no Urbano Caldeira e por 3 a 1 no Maracanã. A única vitória ocorrera em Salvador, por 2 a 0. Dessa vez, uma derrota em casa colocaria tudo a perder.
Para o jogo de volta o técnico Lula manteve o mesmo time que atuou em Salvador: Laércio (depois Silas), Lima, Mauro (depois Olavo) e Dalmo; Calvet e Zito; Dorval, Tite, Coutinho, Pelé e Pepe.
Escalado por Armando Simões, o Bahia jogou com Nadinho (depois Jair), Agnaldo, Henrique, Vicente e Florisvaldo; Flávio e Mário; Marito, Alencar (Carlito), Léo (Didico) e Biriba. O árbitro foi o baiano Bayonilzo Lisboa e o público somou 18.662 pagantes.
Mais ofensivo, o Santos criou as primeiras boas oportunidades, mas o placar permanecia em branco, até que aos 24 minutos Pepe cobrou uma falta pela esquerda, Coutinho aparou a bola para Pelé e este, em gestos rápidos, dominou e já bateu de direita para o gol, abrindo o marcador.
Esse primeiro gol desencadeou uma espécie de frenesi alimentar que é comum na Vila Belmiro. Ao sofrer o primeiro baque o adversário se abala, a torcida grita mais alto e o Santos exerce toda a sua fome de gol. Aos 30 minutos Pelé interceptou uma troca de passes perto do meio campo, driblou três jogadores na corrida, aplicando uma meia lua no último deles, e bateu cruzado, no canto direito do goleiro Nadinho.
Mais um minuto e a jogada começou com uma tabela entre Pelé e Coutinho. O centroavante decidiu não devolver ao Rei e bater a gol, o goleiro rebateu e Pelé, que acompanhava o lance na corrida, fez o terceiro. Mais dois minutos e, em lance parecido, Coutinho penetrou na grande área e bateu forte, de esquerda, completando o quarto gol em nove minutos! A final estava decidida.
O segundo tempo foi jogado em ritmo bem mais lento. Os dois times já sabiam que o Brasil tinha um novo campeão. Coutinho ainda ampliou aos 15 minutos e Florisvaldo, de pênalti, marcou o gol de honra para o Bahia aos 44 minutos.
Pouco depois da goleada de 5 a 1, o empresário Paulo Machado de Carvalho, dono da TV Record, a maior tevê do Brasil na época, entregou a Athié Jorge Coury, presidente do Santos, uma corbelha de flores oferecida pelo primeiro ministro da República, Tancredo Neves.
Enquanto os santistas comemoravam, do lado do Bahia todos estavam conformados. Para o presidente do clube, Hamilton Simões, “o Santos ganhou, e pronto. O campeão paulista ganhou porque dominou o jogo e teve conduta superior. Ao Bahia só restou curvar-se à sua categoria. De há muito tempo que não somos goleados assim.”
O goleiro Nadinho disse que fez o que pode e também inocentou sua defesa. “Posso afirmar que esse foi o ataque mais perigoso que enfrentei”, admitiu. O técnico do Bahia, Armando Simões, reclamou de mais um pênalti a favor de seu time no final da partida, mas arrematou, com raro espírito esportivo: “Agora é torcer para que o Santos levante o título internacional.”
A vontade do técnico e de tantos brasileiros foi atendida pelos deuses do futebol. Em 1962 o Santos não só se tornou o primeiro brasileiro a vencer a Copa Libertadores, como também alcançou a primazia no Mundial de Clubes. Enfim, a era de maior hegemonia de um time brasileiro estava em andamento. De meados de 1961 a meados de 1963 o Alvinegro Praiano colecionaria nada menos do que nove títulos oficiais consecutivos!