Por Odir Cunha e Guilherme Guarche, do Centro de Memória
Se tudo começa com um sonho, os de Athié Jorge Cury não tinham tamanho. Nascido 1° de agosto de 1904, na cidade de Itu, “o Berço da República”, ou a cidade dos aumentativos, o inquieto filho de Jorge e Olga Coury formou-se em Economia no Colégio Mackenzie, na Capital Paulista; destacou-se como um dos melhores goleiros do País defendendo o Santos de 1927 a 1934, chegou a vereador e deputado estadual e federal, mas consagrou-se mesmo como o presidente mais vitorioso de um clube de futebol, cargo que ocupou por 26 anos, de 1945 a 1971, levando o Santos à conquista de 25 títulos oficiais.
Como nasceu em Itu e passou parte da infância em Piracicaba, onde a família tinha plantação de café; depois viveu a adolescência em São Paulo, onde estudou e defendeu o gol do Esporte Clube Sírio, e por fim se estabeleceu em Santos, como comerciante de café e político, Athié era um líder que não se deixava limitar pelo bairrismo. Ousado, levou o Santos a disputar os Mundiais de 1962 e 1963 em pleno Maracanã, o maior estádio do mundo, longe da cidade de Santos, mas bem próximo do coração dos brasileiros.
Depois de ter sido diretor de esportes, assumiu a presidência do Santos em 27 de fevereiro de 1945, sucedendo a Antônio Ezequiel Feliciano da Silva. Um ano depois levou o Alvinegro Praiano para a maior excursão de um time de futebol no Brasil. Entre o final de novembro de 1946 e o início de fevereiro de 1947 o Santos enfrentou as melhores equipes Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará e voltou para casa invicto. Em 15 jogos, venceu 12, empatou três, marcou 52 gols e sofreu 17.
Essa mesma visão abrangente, em um tempo em que nem se falava em globalização, é que fez o Santos viajar a cada ano, a partir de 1959, para se exibir em campos de todo o mundo, tornando-se a equipe mais conhecida do planeta. Mas a decisão mais importante de Athié para o futuro do clube veio bem antes das excursões internacionais, mais precisamente no final de 1950.
Após ter sido vice-campeão paulista, apenas um ponto atrás do Palmeiras –que com o título estadual ganhou o direto de representar o Estado de São Paulo na Copa Rio de 1951 –, Athié e sua diretoria decidiram que, para se firmar entre os grandes, o Santos não poderia vender ou emprestar nenhum jogador importante, a não ser que já houvesse um substituto à altura. Amparado pelas caixinhas entre seus amigos do mercado de café de Santos, o visionário presidente conseguiu montar e manter um time poderoso.
Um dirigente menos convicto dificilmente teria resistido à tentação das fortunas oferecidas por clubes estrangeiros para contratar os ídolos santistas, principalmente Pelé. Mas a Lei do Passe dava ao clube brasileiro a autonomia para manter seus jogadores e Athié se amparou nela para não permitir que o Santos se desfizesse de seus craques.
Um dirigente exemplar, sem dúvida. Entretanto, como não há ser humano infalível, Athié também cometeu um engano. Em junho de 1965, com informações de que o jogo seria reaberto no Brasil, decidiu pela compra, a prazo, do Parque Balneário, o luxuoso hotel da orla paulista. As coisas não correram como o previsto e o clube, com sérios problemas financeiros, foi obrigado a devolver o imóvel anos depois.
Vencido nas eleições de fevereiro de 1971 por Vasco Faé, Athié afastou-se do Santos e se dedicou exclusivamente à sua carreira política, como deputado federal do Partido Social Progressista. Aposentou-se em 1982 e recolheu-se à vida familiar.
O grande líder dos santistas fora de campo faleceu em 1º de dezembro de 1992, aos 88 anos, no Hospital Beneficência Portuguesa, em Santos. Durante o período em que presidiu o clube, o Santos jogou 1 687 partidas, obtendo 1 035 vitórias, 291 empates e 361 derrotas, com 4 630 gols marcados e 2 549 sofridos.
O legado de Athié Jorge Cury ao Santos é a ousadia, a fé em nossos sonhos, a busca pela excelência, a honestidade e o amor e a fidelidade incondicionais ao Glorioso Alvinegro Praiano. Mesmo atuando cerca de três décadas como político e dirigente do maior time do Brasil, ao morrer o dirigente afável com os funcionários e carinhoso com os jogadores só deixou em seu testamento a casa onde viveu.
Cronologia
Nascimento – Filho de Jorge e Olga Coury, nasce em 1º de agosto de 1904, em Itu, São Paulo. É registrado Coury, mas prevaleceu “Cury”.
Na Capital – Em 1926, aos 22 anos, estuda Economia no Colégio Mackenzie e defende o gol do Esporte Clube Sírio, na Capital Paulista.
No Santos – Filia-se ao Santos em 9 de setembro de 1927, trazido pelos dirigentes Zeca Ratto e Ricardo Pinto de Oliveira. Seu proponente é o presidente Guilherme Gonçalves. Vem para substituir Tuffy, o “Satanás Negro”, que tinha sido expulso do clube por indisciplina.
Estreia no gol santista – Em 9 de outubro de 1927, aos 23 anos, já formado em Economia, faz sua primeira partida pelo Alvinegro Praiano. Em jogo amistoso, o time goleia o Corinthians de Santo André por 9 a 0, com cinco gols de Feitiço, três de Siriri e um de Camarão. O Santos joga com Athié, Bilu e David; Alfredo, Júlio e Hugo; Omar, Camarão, Siriri, Feitiço e Passos.
Copa de 1930 – A briga entre dirigentes paulistas e cariocas impede que jogares de clubes de São Paulo participem na primeira Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai. Athié e Feitiço eram santistas com nome certo na Seleção Brasileira.
Herói da Revolução – Alista-se nas tropas paulistas que lutam na Revolução Constituinte de 1932 contra a ditadura do presidente Getúlio Vargas.
Última partida – Em 15 de abril de 1934 disputa sua última partida oficial como goleiro titular do Santos. Deixa o arco santista após ter participado de 171 jogos de 1927 a 1934. É sucedido por Cyro Maciel Portieri, apelidado “Gato Preto”.
Presidência do Santos – Após ser diretor de esportes, é eleito presidente do Santos em 27 de fevereiro de 1945, sucedendo Antônio Ezequiel Feliciano da Silva.
Excursão ao Norte/Nordeste – De 29 de novembro de 1946 a 2 de fevereiro de 1947 leva o Santos para enfrentar as melhores equipes de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará. Time faz 15 jogos e volta invicto, com 12 vitórias e três empates, 52 gols a favor e 17 contra.
Vereador – Em 1948 é eleito vereador de Santos pelo Partido Social Progressista.
Ginásio – Em sua homenagem, o ginásio de esportes do clube, inaugurado em 26 de janeiro de 1950, passa a ter o seu nome.
Deputado estadual – Em 1950 se torna deputado estadual pelo mesmo PSP.
Bicampeão Paulista em 1955/56 – Como resultado da filosofia de seu presidente de não se desfazer de seus melhores jogadores, o Santos se torna bicampeão paulista com uma equipe que é a base da seleção do Estado e se prepara para uma época de predomínio no futebol brasileiro.
Deputado federal – Em 1962 é eleito deputado federal. Na pauta, a defesa dos interesses dos trabalhadores portuários e dos demais trabalhadores da Baixada Santista.
Cinquentenário de ouro – Em 1962, ano do seu cinquentenário, o Santos conquista as quatro competições oficiais que disputa: Campeonato Paulista, Brasileiro (Taça Brasil), Libertadores e Mundial. De meados de 1961 a meados de 1963 o time conquistaria nove títulos oficiais consecutivos!
Fora da presidência – Em 28 de fevereiro de 1971, após 26 anos no cargo, Athié Jorge Cury deixa de ser presidente do Santos Futebol Clube, vencido nas urnas por Vasco José Faé. Em seu mandato o Santos conquistou 11 títulos Paulistas, seis Brasileiros, duas Copas Libertadores, dois Mundiais, uma Recopa Sul-americana, uma Recopa Mundial, quatro torneios Rio-São Paulo e mais de uma dezena de torneios internacionais. O dirigente passa, então, a se dedicar exclusivamente à política.
Fora da política – Em 1982 aposenta-se do Congresso Nacional e de todas as suas atividades políticas.
Morte – Em 1º de dezembro de 1992, aos 88 anos, o grande presidente dos santistas morre no Hospital Beneficência Portuguesa, em Santos.
Dia Athié Jorge Cury – Em 1º de agosto de 2008 celebra-se o primeiro Dia Athié Jorge Cury, em alusão à data de nascimento do notável santista.
Nesta quinta-feira, 1º de agosto de 2019, às 15 horas, com a presença de crianças de franquias do Santos e personalidades da direção e do Conselho Deliberativo do clube, o Dia Athié Jorge Cury será comemorado nas tribunas do quarto andar do estádio, ao lado do busto deste eterno presidente santista.