Antoninho, o mestre da bola

Guilherme Guarche, do Centro de Memória

Um dos gols mais bonitos e marcantes ocorridos no Estádio Urbano Caldeira aconteceu no primeiro turno do Campeonato Paulista de 1950, aos 20 minutos da etapa inicial, quando Odair bateu o escanteio e a bola veio rápida, mais para chute do que centro. 

Na área o meia-direita santista era marcado por Waldemar Fiúme e Manuelito. O meia do Peixe correu entre os dois saltou e consciente, meteu a testa, jogando a bola no ângulo mais fechado da meta palmeirense, defendida pelo lendário Oberdan Cattani, que se esticou todo, mas não conseguiu evitar o gol de empate santista. 

No final da partida, o árbitro inglês Alwin Bradey fez questão de se dirigir ao autor da obra-prima e cumprimenta-lo sob os aplausos dos torcedores presentes na Vila Belmiro.  

O gol sempre lembrado pelos torcedores da velha guarda do Alvinegro Praiano foi marcado num domingo, 5 de novembro de 1950, meses depois da Copa do Mundo, disputada no Brasil e que não teve no Selecionado Nacional, a participação do craque do Peixe por decisão equivocada dos dirigentes da Confederação Brasileira de Desportos. 

Esse golaço de uma técnica rara e muita inteligência marcado pelo filho de José Fernandes e dona Izabel Lopes e que recebeu na pia batismal o nome de Antônio Fernandes, nascido no dia 13 de agosto de 1921, em Santos, cidade na qual viveu durante os seus 52 anos de vida. 

O início no São Paulinho e no Theodor Wille

O apelido Antoninho o acompanhou desde a infância, quando defendia as equipes amadoras da sua querida Santos, sua paixão pelo Campeão da Técnica e da Disciplina surgiu quando ele era bem menino e defendia as equipes amadoras do São Paulinho, do bairro do Marapé e do Theodor Wille. 

Seu futebol sério chamou a atenção dos dirigentes do Alvinegro que o levaram a treinar nas categorias de base do clube. Sua estreia na equipe principal santista ocorreu em 20 de maio de 1941, aos 19 anos. Naquela distante terça-feira, o time em que ele jogou venceu o amistoso diante da equipe do Coritiba pelo dilatado placar de 10 a 3 na Vila Belmiro. 

O técnico Dario Letona foi quem o escalou no time que formou com: Victor Lovecchio, Neves e Ary Fernandes; Botelho, Elesbão e Inglês; Cláudio, Bonje (Orestes), Carabina (Raul), Antoninho e Tom Mix. O detalhe dessa partida é que o avante Carabina marcou seis gols, sendo cinco de cabeça.  

Antoninho era um meia-direita extremamente técnico, habilidoso, aplicado e incansável. Sua especialidade era a de deixar os companheiros na cara do gol. Odair dos Santos um dos grandes artilheiros do time foi um dos mais beneficiados com as assistências do craque Antoninho. 

Líder nato jogava por amor ao clube santista, prova é que o Palmeiras tentou contratá-lo em definitivo após ele ter jogado por empréstimo no clube da capital, mas seu apego e amor ao Santos prevaleceu e ele não quis deixar a Vila Belmiro e o clube que tanto queria bem. 

Antoninho era reverenciado em todo o território nacional, pois além de atuar como armador era um craque que escondia a bola dificultando a sua retirada dos seus pés pelos adversários. Um de seus maiores fãs era Zizinho, o mestre Ziza que o considerava um dos maiores talentos do futebol brasileiro e dizia sempre que Antoninho era o único jogador da sua posição que ele respeitava. 

Na Seleção Paulista, Antoninho era presença constante, fator pelo qual ganhou o apelido de “Arquiteto da Bola”, devido a sua performance na equipe que se sagrou Campeã Brasileira de Seleções Estaduais. 

Antoninho não conquistou nenhum título estadual como jogador, pois no período em que defendeu o Alvinegro, o trio de ferro paulista tinha a preferência da Federação Paulista nas conquistas e nos arranjos feitos fora das quatro linhas junto aos árbitros, razão pela qual os demais clubes, principalmente o Santos, fizeram questão que árbitros de outros países fossem contratados para apitarem as partidas do certame estadual. 

Pelo Santos ele ganhou a Taça da Taças de 1948, a Taça Cidade de Santos de 1948 e1952, a Taça Cidade de São Paulo de 1949, o Torneio Quadrangular de Belo Horizonte de 1951 e o Torneio Início do Campeonato Paulista de 1952 e foi também vice-campeão nos Paulistas de 1948 e 1950.  

A derradeira vez em que vestiu a camisa alvinegra foi no dia 24 de novembro de 1954, em partida amistosa na Vila mais famosa do mundo, na derrota diante do Vasco da Gama, por 2 a 1. Tite marcou o tento de honra do Peixe que escalado por Luiz Alonso Perez, o Lula formou com: Barbosinha, Hélvio e Ivã; Cássio, Pascoal (Gueguê depois Antoninho) e Urubatão; Carlinhos, Leal, Álvaro, Vasconcelos e Tite. 

Nos 13 anos em que esteve jogando pelo clube de seu coração, Antoninho esteve em campo em 402 oportunidades e marcou 143 gols. É o 12º maior artilheiro do Peixe e o 18º que mais vezes vestiu a camisa santista. 

Após deixar o time Alvinegro foi encerrar a carreira no Jabaquara onde ensinou os jogadores mais jovens a arte de dominar e conduzir a bola. No “Jabuca” formou ao lado de seus ex-companheiros do Santos, Odair e Nicácio. 

O sucessor de Lula no comando do Santos 

Mesmo quando ainda jogador profissional Antoninho exerceu a função de Conferente de Carga e Descarga no Porto de Santos. Na década de 1960 comandou o time do Atlético Mineiro, onde conquistou o título estadual pelo “Galo das Alterosas”. Também trabalhou no Figueirense/SC e nos clubes cariocas do Canto do Rio e do Fluminense. 

No Santos assumiu a vaga de técnico no lugar de Luiz Alonso, com quem vinha trabalhando como auxiliar-técnico em 1967.  

A frente do Alvinegro ganhou os seguintes títulos: 

1967/68/69 – Campeão Paulista – 1968 – Campeão Brasileiro e Recopa Sul-Americana e Mundial, e o Torneio da Amazônia, e o Octogonal do Chile e o Pentagonal de Buenos Aires – 1969 – Torneio de Cuiabá – 1970 – Torneio Hexagonal do Chile e Taça Cidade de São Paulo – 1971 – Torneio de Kingston na Jamaica.  

Após deixar a Vila em 1971 foi treinar o Noroeste de Bauru. Em seu lugar assumiu o ex-atleta do Peixe o zagueiro Mauro Ramos de Oliveira.  

Seu falecido filho, José Roberto, contava que o pai mesmo quando ainda era jogador, insatisfeito com os seus colegas de equipe que sempre chegavam atrasados aos treinos, comprou várias bicicletas e as deu de presente aos jogadores retardatários para que não mais se atrasassem aos treinos. 

Na direção da equipe santista entre os anos de 1967/1971, incluindo o período em que dirigiu a equipe interinamente, nos anos 1950 foram 398 partidas, com 240 vitórias, 80 empates e 78 derrotas. Ele é o segundo técnico que mais vezes dirigiu o Peixe, ficando atrás de Luiz Alonso Perez, o Lula. 

Família de santistas notáveis 

Seu sobrinho, José Paulo Fernandes, foi vice-presidente na gestão do presidente Samir Abdul Hack, já seu sobrinho-neto Marcelo Farias Fernandes, foi o treinador que deu ao Santos o seu 21º título de Campeão Paulista, em 2015.  

Sobre o futebol de Dom Antônio Fernandes foi dito que: 

Antoninho era Santos, acima de tudo (Pelé). 

Antoninho não era um bom um jogador, era sim um escultor de jogadas, que fazia a bola giz e o gramado de quadro negro (Thomaz Mazzoni, jornalista). 

Antoninho era um verdadeiro bailarino. Perdoe-me esse cometo pecado, mas afirmo, pelas evidências, que ele não tinha jogadores à sua altura na equipe. Foi um jogador muito superior à sua geração na década de 40 (De Vaney, jornalista). 

Artista de rara beleza como jogador e professor do jogo da bola (Fiori Gigliotti, locutor esportivo). 

Nunca se ouviu diálogo tão bonito entre um jogador e a bola (Derosse de Oliveira, jornalista). 

O “Arquiteto da Bola” deixou o plano terrestre num dia de domingo, 16 de dezembro de 1973, quando tinha 52 anos após sofrer um infarto enquanto dirigia na Via Anchieta Norte, indo para uma entrevista no Canal 13, e depois iria para o Morumbi assistir o seu time de coração ao clássico Sansão que foi vencido pelo Santos por 1 a 0, gol de Pelé. 

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