Anatomia de uma super goleada

Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Estatísticas por Guilherme Guarche
Santos e Botafogo de Ribeirão Preto se enfrentam pela 97ª vez nessa segunda-feira, às 20 horas, na Vila Belmiro. A supremacia santista é grande, apesar de raros períodos de predominância do adversário. Iniciado em 1950, esse confronto ficou marcado pela super goleada obtida pelo Alvinegro Praiano em um sábado de chuva fina na Vila Belmiro, dia 21 de novembro de 1964, em que Pelé bateu o recorde de gols em uma partida oficial. Uma história que merece ser melhor contada.
Nas estatísticas, como já foi dito, a vantagem santista é impressionante. Dos 96 confrontos realizados, o Santos venceu 58 (nada menos do que 60%), empatou 22 (24%) e só perdeu 16 (16%) ; marcou 213 gols e sofreu 98.
Nas 89 partidas pelo Campeonato Paulista, a superioridade santista continua flagrante: 55 vitórias, 21 empates e 13 derrotas; 202 gols feitos e 88 sofridos. E nos 43 jogos disputados na Vila Belmiro pelo Campeonato Paulista, como será o de segunda-feira, o Santos venceu 31 (72%), empatou 8 (19%) e perdeu apenas quatro (9%); marcou 120 gols e sofreu 38.
O curioso é que antes desses estrondosos 11 a 0 o Santos jamais havia obtido uma goleada acima de cinco gols contra o Botafogo. A maior tinha sido um 5 a 1 em 3 de agosto de 1960, pelo Campeonato Paulista e na Vila Belmiro, em que marcaram, para o Alvinegro, Airton, duas vezes, Pelé, Pepe e Durval.
Outro fato interessante é que o Botafogo estava longe de ser uma equipe fraca. Era mesmo uma das melhores do Interior. Prova disso é que nos dois jogos anteriores à super goleada, ambos pelo Campeonato Paulista, tinha vencido o Santos por 4 a 1, na Vila Belmiro, em 24 de novembro de 1963, e por 2 a 0, no Estádio Luís Pereira, em Ribeirão Preto, em 6 de setembro de 1964, no único jogo do primeiro turno do Paulista de 1964 em que o Alvinegro Praiano não marcou gols.
Algo que pode explicar o ânimo redobrado dos santistas naquele sábado de chuva e gols na Vila é a derrota no primeiro turno, em Ribeirão Preto. Sem Pelé, machucado, e com Zito expulso pelo polêmico árbitro Armando Marques, o Santos viveu momentos no mínimo desconfortáveis no Estádio Luís Pereira, fato que sempre provocava o espírito de vingança de uma equipe que detestava perder.
Para piorar, três dias antes da super goleada o Santos tinha também tinha sido goleado, pelo Guarani, em Campinas. A derrota santista por 5 a 1 provocou grande festa entre os 25 mil torcedores que abarrotaram o estádio Brinco de Ouro e, logicamente, gerou comentários sarcásticos de parte da imprensa.
O centroavante Coutinho costumava dizer que o Santos não perdia dois jogos seguidos. Mas, a verdade, é que o time vivia momento muito delicado no Campeonato Paulista. Antes de ser goleado pelo Guarani já tinha perdido para o Palmeiras, na Vila Belmiro, por 3 a 2, e empatado com a Ferroviária, em Araraquara, por 0 a 0, num jogo em que Pelé perdeu um pênalti no finzinho da partida. Ou ganhava do Botafogo ou o título ficaria entre Corinthians e Portuguesa.
Como um ser vivo, aquele Santos, mais do que garra, às vezes jogava com raiva. E quando entrava em campo com esse sentimento, raramente deixava de fazer um grande exibição e marcar muitos gols. Isso pode ser percebido logo no começo do jogo pelos 9.437 espectadores que foram à Vila Belmiro.
Os 11 gols
3 minutos – Pelé recebe passe de Mengálvio, pelo alto, com um leve toque passa por Maciel e chuta rasteiro na saída do goleiro Machado: 1 a 0.
8 minutos – Na meia direita, Pelé recebe lançamento de Lima, passa na corrida por Tiri, dá um chapéu em Carlucci na entrada da grande área e atira de pé esquerdo: 2 a 0.
16 minutos – Toninho cruza da direita, Pelé sobe mais que todos e cabeceia, firme, para o chão: 3 a 0.
19 minutos – Pepe cobra um escanteio com força, Machado tenta tirar de soco e joga a bola para dentro do seu gol: 4 a 0.
25 minutos – Coutinho corre com a bola pelo lado direito do ataque, toca para Pelé que a deixa passar e devolve de calcanhar para Coutinho, que domina e coloca na saída do goleiro: 5 a 0.
38 minutos – Pepe cobra o escanteio, dessa vez pela direita. Pelé amortece no peito no bico da pequena área e enche o pé de esquerda. A bola bate em Carlucci e volta para o Rei, que chuta novamente, mas de direita; 6 a 0.
40 minutos – Pepe corre pela ponta-esquerda e cruza. Coutinho dá um peixinho para cabecear a bola, mas fura. Pelé vem na corrida e acerta um sem-pulo que estufa as redes do Botafogo: 7 a 0.
Segundo Tempo
25 minutos – Pelé recebe lançamento de Mengálvio, dribla Helio Vieira, engana Machado com um jogo de corpo e, quase sem ângulo, empurra para a meta: 8 a 0.
27 minutos – Pepe penetra pela esquerda e é derrubada por Ditinho. Pênalti que Pelé cobra para fazer o seu oitavo gol na partida: 9 a 0.
28 minutos – Pepe cruza da esquerda e Pelé entra para fazer o seu oitavo gol na partida: 10 a 0.
45 minutos – Toninho, na meia-lua, recebe passe de Coutinho, mata no peito e chuta rasteiro para fazer o seu gol: 11 a 0.
O jornal Folha de São Paulo se enganou ao anunciar que com os oito gols marcados em uma partida oficial, Pelé superava o recorde de Arthur Friedenreich, do Paulistano, que em 1929 tinha marcado sete gols em um jogo contra o União Lapa, pelo Campeonato Paulista. Na verdade, o primeiro a fazer sete gols em uma partida oficial foi o santista Araken Patusca, em 3 de abril de 1927, na Vila Belmiro, em jogo no qual o Santos goleou o Ypiranga, de São Paulo, por 12 a 1.
A super goleada sobre o Botafogo deu tal confiança à equipe, que o Santos venceu, com relativa facilidade, os cinco jogos que lhe faltavam e acabou conquistando o título ao derrotar a Portuguesa por 3 a 2, na Vila Belmiro. Entre esses jogos goleou o Corinthians, no Pacaembu, por 7 a 4. Pelé, que estava atrás de Flávio, do Corinthians, na artilharia do campeonato, com os oito gols pulou à frente e terminou na liderança, com 34 gols, completando o nono ano seguido como artilheiro do Campeonato Paulista.
Grandes e pequenos tabus
De 4 de dezembro de 1966 a 21 de abril de 1976 o Santos ficou 17 jogos sem perder para o Botafogo, conquistando 16 vitórias e um empate. Também passou 11 jogos invicto de 16 de agosto de 2001 a 23 de março de 2018, com nove vitórias e dois empates.
Entretanto, o adversário também teve os seus momentos. O Botafogo não perdeu o confronto por seis jogos seguidos, de 23 de março de 1977 a 24 de setembro de 1978. Nesse período, o craque emergente Sócrates marcou três gols e teve participações decisivas para o time interiorano. Não se pode esquecer, ainda, que na última partida entre as duas equipes, jogada em 20 de março de 2019, no Estádio Santa Cruz, Ribeirão Preto, o Santos foi derrotado por 4 a 0.
O último duelo jogado na Vila Belmiro, em 21 de março de 2018, correspondeu à partida número 6.000 da história do Santos. Orientado pelo técnico Jair Ventura, o Santos jogou com Vanderlei, Daniel Guedes, David Braz, Lucas Veríssimo e Dodô; Alison, Léo Cittadini e Jean Mota (Diogo Vitor); Rodrygo (Arthur Gomes), Eduardo Sasha (Vitor Bueno) e Gabriel.
Após o empate de 0 a 0, o Santos venceu nas cobranças de tiros livros da marca de pênalti por 3 a 1, com gols de Gabriel, Diogo Vitor e Arthur Gomes, e se classificou para a semifinal.
Artilheiros do confronto pelo Campeonato Paulista
1 – Pelé, 38 gols.
2 – Coutinho, 12 gols.
3 – Toninho Guerreiro, 11 gols.
4 – Pepe, 10 gols.

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