Por Gabriel Pierin, do Centro de Memória
Em 21 de abril de 1927 o Santos participou da inauguração do Estádio de São Januário na cidade do Rio de Janeiro, na época Distrito Federal. A equipe santista derrotou a equipe do Vasco da Gama por 5 a 3, com três gols de Evangelista, um de Omar e um de Araken Patusca.
Essa vitória deu ao Peixe o imponente troféu “A Vitória”, hoje exposto no nosso Memorial das Conquistas. Quem dirigia a equipe era o lendário Urbano Caldeira. O estádio de São Januário durante muitos anos foi considerado o maior estádio particular da América do Sul e quem deu o pontapé inicial desse encontro foi o presidente da República do Brasil, Washington Luiz.
O time santista surgiu em campo, aplaudido pela multidão, vestindo elegantes paletós listrados em preto e branco, com a seguinte formação: Tuffy, David e Bilú; Hugo, Júlio e Alfredo; Omar, Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista.
O primeiro gol do novo estádio foi marcado por Evangelista, ponta-esquerda do Santos, aos 20 minutos do primeiro tempo. O Vasco da Gama reagiu, impulsionado por um público de 40 mil pessoas – o maior já registrado no Brasil – e empatou três minutos depois, com Negrito. Apesar do alvoroço da torcida, o Santos conseguiu segurar o ímpeto do time da nova casa até o fim do primeiro tempo.
Aos 15 minutos da segunda etapa Evangelista marcou novamente e o voltou a liderar o placar. Porém, a reação do Vasco não demorou: aos 21 minutos, foi a vez de Bahiano empatar. Mas o jogo aberto, ofensivo, favorecia aos habilidosos atacantes santistas, e aos 28 minutos Omar colocou o Alvinegro Praiano novamente na frente.
O Vasco se empenhou imediatamente em busca de novo empate, mas dessa vez quem marcou, aos 31 minutos, foi o admirável meia santista Araken Patusca, elevando o marcador para 4 a 2. Quatro minutos depois, Evangelista fez o seu terceiro gol na partida, construindo a goleada de 5 a 2, que os vascaínos diminuíram para 5 a 3 nos momentos finais.
Os vencedores foram carregados em triunfo. No vestiário, jogadores e dirigentes do Santos se abraçaram, comemorando a imortal vitória no grande estádio inaugurado por eles. Aos vascaínos coube reconhecer o mérito e parabenizar os adversários por meio de seu presidente, Antônio Campos, que foi ao vestiário dos visitantes para os cumprimentos. Vivíamos tempos de educação e cordialidade no futebol.
Descontente, porém, com o resultado, a direção vascaína pediu revanche ao Santos e foi atendida. A oportunidade surgiu quando o Fluminense marcou a reabertura do Estádio das Laranjeiras, em 14 de julho daquele ano. Assim, novamente Santos e Vasco se enfrentaram, e dessa vez o Santos goleou por 4 a 1, após uma vantagem por 4 a 0.
Inconformados com nova derrota, alguns jogadores vascaínos apelaram para a violência e para provocações, mas os santistas agiram como cavalheiros o tempo todo, o que fez a imprensa carioca passar a chamar o Santos de “Campeão da Técnica e Disciplina”
Além da inauguração de São Januário
Por Odir Cunha, do Centro de Memória
A inauguração do estádio de São Januário representou a libertação da comunidade vascaína da opressão dos clubes elitistas e racistas do Rio de Janeiro, que queriam proibir o cruzmaltino de participar do campeonato carioca e para isso o obrigaram a ter um estádio próprio. Na verdade, o Vasco era discriminado por ter negros e gente humilde em suas fileiras. Assim, sem nenhuma ajuda, a não ser de seus sócios e torcedores, os vascaínos ergueram o maior estádio das Américas e convidaram o Santos para o jogo inaugural, evento de enorme repercussão, que contou com a presença do presidente da República, Washington Luís, e do aviador portugu ês Sarmento de Beires, autor da travessia Lisboa e Rio de Janeiro.
E por que o Santos, quando muitos outros clubes expressivos poderiam ter sido convidados? Ora, porque o Santos era a sensação do futebol paulista, tanto que naquele ano chegaria à marca inédita de 100 gols na competição, com média jamais igualada de 6,25 gols por jogo. E bem provavelmente porque Santos era uma cidade sem preconceitos, aberta para o mundo, a primeira do País a abolir a escravidão. Assim, aquele confronto, mais do que um clássico entre dois times essenciais ao futebol brasileiro, representava um ato histórico contra o preconceito étnico e social.