Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Aquele garoto veloz, habilidoso e atrevido tinha chegado de Bauru há um mês e meio, mas, apesar de impressionar nos treinos, ainda não estreara no time principal. Provavelmente o técnico Lula ainda o considerasse franzino, nos seus 16 anos incompletos. Finalmente, no amistoso de 7 de setembro de 1956, contra o Corinthians de Santo André, surgiu a oportunidade tão esperada.
A imprensa dizia que o amistoso tinha sido marcado em boa hora para melhorar o ânimo do time, que vinha de três resultados ruins: dois empates de 2 a 2, na Vila Belmiro, contra XV de Jaú e Nacional, e derrota para o Flamengo, no Maracanã, por 2 a 1, no confronto entre os campeões paulista e carioca do ano anterior.
Disputado no Estádio Américo Guazzelli, o jogo valeu pelo Troféu Independência, oferecido pela Prefeitura de Santo André. Recebido com as honras de atual campeão paulista, o Santos foi escalado pelo técnico Lula com Manga, Hélvio e Ivan (depois Cássio); Ramiro (Fioti), Urubatão e Zito (Feijó); Alfredinho (Dorval), Álvaro (Raimundinho), Del Vecchio (Pelé), Jair Rosa Pinto e Tite.
O Corinthians local jogou com Antoninho (depois Zaluar), Bugre e Chicão (Itamar); Mendes, Zico e Chanca; Vilmar, Cica, Teleco (Baiano), Rubens e Dore. Arbitrou a partida, Emilio Ramos.
Mesmo com o domínio da partida, o Santos só marcou seu primeiro gol aos 33 minutos, por meio do ponta-direita Alfredinho. Dois minutos depois, Del Vecchio ampliou para 2 a 0. Antes de terminar o primeiro tempo, Álvaro, aos 36, e Alfredinho, aos 44 minutos elevaram o marcador para 4 a 0.
Del Vecchio voltou a marcar aos 16 minutos da segunda etapa e foi então que Lula resolveu descansar o artilheiro do Campeonato Paulista de 1955 e fazer entrar o garoto que os mais velhos apelidaram “Gasolina”, pela rapidez com que corria atrás da bola nos jogos entre titulares e reservas.
E assim, correndo para lá e para cá, com ou sem a bola, o estreante se colocava sempre como uma boa opção para o passe. E ele veio aos 37 minutos, quando o ponta-esquerda Tite alcançou a linha de fundo e cruzou para trás. O garoto dominou e bateu para fazer o primeiro dos seus 1282 gols na carreira.
Aos 39 minutos, Vilmar marcou o único gol dos locais e aos 44 Jair Rosa Pinto definiu o resultado de 7 a 1 para o Santos, iniciando uma série de 13 jogos invictos da equipe que se tornaria bicampeã estadual ao vencer o jogo-desempate com o São Paulo por 4 a 2, em 3 de janeiro de 1957.
O jogo em Santo André marcou seus personagens. O goleiro Zaluar, que entrara no segundo tempo, se orgulharia de ter sido o primeiro a levar um gol do Rei do Futebol. Seu cartão de visitas passaria a ter a inscrição: Zaluar – Gol Rei Pelé – 001. Mas a fama não veio imediatamente.
Um Rei ainda ignorado
Pelé ainda era pouco mais de um desconhecido quando estreou no Santos, há 63 anos. Prova disso é que na escalação do time os jornais grafaram seu nome como “Telé”. E o distraído representante da Liga Santoandreense de Futebol, Nelson Cerchiari, anotou a autoria do sexto gol santista para um jogador que estava no banco de reservas e nem participou da partida. O engano só foi corrigido nos vestiários, quando Del Vecchio alertou Cerchiari para o engano.
Reserva de um meia-esquerda excepcional, como Vasconcelos, Pelé certamente teria sido emprestado para outros clubes, a fim de ganhar experiência, caso uma fratura de fêmur, em dezembro, não afastasse Vasconcelos dos gramados por um longo tempo. Mesmo assim, o futuro Rei do Futebol só se firmaria no ataque santista no início de 1957, durante uma excursão ao Sul do País.