A confiança do maior de todos

Era a primeira excursão do time de Vila Belmiro à Europa. Foram 22 jogos em 44 dias, uma média de uma partida a cada dois dias. Paralelamente, outro clube brasileiro também se exibia pelo Velho Continente: o Botafogo do Rio. O confronto entre as duas agremiações era esperado.
A disputa aconteceria no dia 21 de junho de 1959, pela Taça Teresa Herrera e marcava o encontro entre as maiores equipes do Brasil e do Mundo, base da seleção campeã do mundo na Suécia, no ano anterior.
Na véspera do jogo pelo torneio benemerente, na Espanha, o goleiro Lalá, recém chegado ao clube, e a sensação da última Copa do Mundo, Pelé, dividiam o mesmo quarto do hotel.
Lalá estava encantado com os lugares visitados. A cultura e a moda europeia chamavam a atenção do paranaense. Naquele dia, no curto espaço de tempo, o goleiro visitou uma loja de calçados perto do hotel e encantou-se com um mocassim preto e branco de couro, as cores do Santos.
De volta ao hotel, Lalá mostrou ao companheiro de quarto o seu novo sapato alvinegro. Pelé gostou e quis um igual. Os dois saíram juntos e no caminho encontraram o imenso troféu da Taça Teresa Herrera e as respectivas medalhas em exposição na vitrine de uma loja de artigos esportivos.
Pelé virou-se para Lalá fascinado pela premiação e fez uma promessa: “Amanhã uma dessas medalhas será sua pra sempre”. A presença dos jogadores não passou despercebida pelos passantes. Logo uma aglomeração se formou em torno do famoso jogador. Pelé demoraria a reencontrar o caminho de volta. Retornou desajeitado e sem os sapatos desejados.
Naquele domingo de sonho, 21 de junho de 1959, em que futebol e arte ainda se misturavam, estavam em campo seis titulares da Seleção Brasileira campeã do mundo na Suécia, um ano antes: Nilton Santos, Garrincha, Didi e Zagallo, pelo Botafogo; Zito e Pelé, pelo Santos. Além do santista Pepe, que teria jogado Copa não tivesse se machucado.
O jogo começou com ataques para os dois lados. Pelé chegou a marcar aos 10 minutos, mas o árbitro espanhol Blanco Perez viu impedimento e anulou o gol. O domínio passou a ser santista. Aos 18 minutos, Afonsinho se machucou e foi substituído pelo jovem Coutinho.
O final da primeira etapa estava se aproximando quando Pelé foi derrubado na área por Tomé. Pepe bateu forte e converteu a penalidade, abrindo o marcador a favor do Santos.
No início do segundo tempo o Botafogo estava melhor e chegou a ameaçar a meta santista. Garrincha criava boas oportunidades e Quarentinha perdia chances claras de empatar a partida.
Em uma das cobranças de escanteio, Lalá se antecipou aos atacantes cariocas e segurou a bola. Olhou para o lado e viu, na retaguarda, Pelé. O goleiro virou para o atacante e cobrou a promessa: “É jogando do meu lado que você vai me dar aquela medalha?”. Pelé sentiu a provocação. “Me dá essa bola aqui, Lalá!”. E dali da área começou a pintar o segundo gol. Pelé avançou com a bola, tocou para Zito e recebeu de volta no meio de campo, driblou vários jogadores em direção ao gol e quando o goleiro Ernani ensaiava a sua saída, Pelé chutou cruzado e ampliou para o Santos. A torcida aplaudiu de pé o feito do atacante.
O Peixe ainda marcou o terceiro gol antes de ver o Botafogo diminuir com Zagallo. Mas foi Pepe quem deu os números finais a partida. Depois de encerrada a goleada por 4 a 1, o Alvinegro comemorou dando a volta olímpica enquanto a torcida acenava com lenços brancos.
À frente do esquadrão vitorioso, segurando o sonhado troféu, estava Lalá. A promessa estava cumprida e o goleiro guarda sua medalha até hoje com carinho. Um presente do Rei.
 

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