2002, o título que lavou nossa alma

Por Gabriel Santana, do Centro de Memória
A ofensividade e a capacidade de revelar grandes jogadores são duas das principais características históricas do Santos. Em 2002 elas foram responsáveis pelo desempenho do time no Campeonato Brasileiro. No inesquecível 15 de dezembro daquele ano esses dois atributos, aliados à garra, ousadia e determinação, fizeram daquela final uma das mais marcantes da história do Alvinegro.
Nos dois anos anteriores, em 2000 e 2001, o Santos havia investido em contratações dos chamados “medalhões”, como Carlos Germano, Valdir “Bigode”, Edmundo, Márcio Santos, Galván, Rincón, Cléber, Marcelinho Carioca e Viola, que retornava à Vila. As contratações não deram certo e o time santista entrou em crise financeira.
No início de 2002 os resultados não foram bons. As eliminações no Torneio Rio-São Paulo e na Copa do Brasil culminaram na demissão do treinador Celso Roth e em quatro meses sem jogos oficiais. Nesse período o técnico Emerson Leão foi contratado e o time santista disputou quatro amistosos, vencendo todos.
Bateu o Roma, de Apucarana, Paraná, por 1 a 0; goleou o Comercial, em Ribeirão Preto, por 5 a 0; venceu o Rangers, da Escócia, em Nova York, por 1 a 0, no ultimo e mais importante, ganhou do Corinthians por 3 a 1 na Vila Belmiro.
O jogo com o rival alvinegro da capital foi determinante para o restante da temporada. O time corintiano possuía uma boa e experiente equipe e com dois pentacampeões pela Seleção Brasileira, Ricardinho e Vampeta, e o Peixe, com seus ousados meninos, não se intimidou diante do grande desafio. Diego e Robinho comandaram o triunfo, e André Luís, Renato e William balançaram a rede corintiana. A partir dessa partida, Leão resolveu disputar o Campeonato Brasileiro com a molecada, e não solicitou a contratação de mais nenhum atleta.
O Santos iniciou a disputa do Brasileiro considerado, pela imprensa, como um dos candidatos ao rebaixamento. Aquele era o último Campeonato Brasileiro da era “mata-mata” e os oitos primeiros classificavam-se para a fase final. Como era de se esperar, a equipe alternou entre bons e maus resultados, mas sempre se manteve próximo ou dentro desse grupo de oito finalistas.
Nos dois últimos jogos da primeira fase a equipe santista foi derrotada pela Ponte Preta, na Vila Belmiro e pelo São Caetano, no Anacleto Campanella. O time santista se classificou em oitavo, ou seja, na última posição possível, graças a uma vitória na última rodada do rebaixado Gama diante do Coritiba, que brigava com o Peixe pela última vaga.
O primeiro desafio, pelas quartas de finais, foi enfrentar o até então melhor time da competição, o São Paulo. Como o Santos havia se classificado em oitavo, confrontou o primeiro colocado, com a desvantagem de fazer o segundo jogo no Morumbi e ser eliminado em caso de empate em pontos e saldo de gols. Porém, mais uma vez, os Meninos da Vila não se intimidaram.
Na primeira partida, um show na Vila Belmiro. Com o comando de Diego e gols de Alberto, Robinho e do próprio Diego, o Peixe venceu por 3 a 1. Na partida de volta, o São Paulo até tentou, e saiu na frente logo no início do jogo. Mas na segunda etapa, Léo e Diego decretaram a virada e a classificação do Santos para as semifinais, contra o Grêmio.
Novamente o Santos realizou o primeiro jogo em casa e novamente tratou de resolver a disputa em seus domínios. Em jornada impecável, triunfou por 3 a 0, com dois golaços de Alberto, um de letra e outro de fora da área, e outro golaço de Robinho, encobrindo o goleiro Danrlei. Na segunda partida, o time gaúcho venceu apenas por 1 a 0, resultado insuficiente para sua classificação. Resultado: Santos na final do Campeonato Brasileiro.
A decisão cardíaca
O Corinthians foi o grande adversário do Peixe na final, após passar pelo Fluminense nas semifinais. O time do Parque São Jorge tinha a vantagem de jogar pelo empate na soma dos pontos e no saldo de gols, já que havia feito melhor campanha que o Santos na primeira fase.
O primeiro jogo era mando do time santista, mas as duas partidas foram realizadas no Morumbi, com os ingressos divididos igualmente entre as duas torcidas. Destemidos, os Meninos não se intimidaram. Logo aos 15 minutos Diego fez um lançamento preciso para Alberto, que correu por trás da zaga e bateu entre as pernas do goleiro Doni, abrindo o marcador para o Peixe.
No segundo tempo, os corintianos tentaram empatar a todo custo, mas sem sucesso. Já no fim do jogo, aos 43 minutos, em uma saída de bola errada da zaga do Corinthians, Robinho interceptou o passe de Fabrício e lançou Renato, que tocou por cima de Doni, fazendo 2 a 0. Com a vitória por 2 gols de diferença, o Santos foi para a partida derradeira podendo perder por um gol de diferença.
Diante de 74.592 pagantes o Santos se apresentou com Fábio Costa, Maurinho, Alex, André Luis e Léo; Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego (Robert)(Michel); Robinho e William (Alexandre). O Corinthians, treinado por Carlos Alberto Parreira, jogou com Doni, Rogério, Anderson, Fábio Luciano e Kleber; Fabinho (Fabrício), Vampeta, Renato (Marcinho) e Deivid; Guilherme (Leandro) e Gil. Na arbitragem, o gaúcho Carlos Eugênio Simon.
A partida começou preocupante para o time santista. O jovem camisa 10 Diego sentiu uma distensão na coxa no primeiro minuto de jogo. Robinho foi até o amigo, que saia de do campo de maca, e disse que iria ganhar a final para ele. O experiente Robert, vice-campeão brasileiro em 1995. Entrou no lugar de Diego.
Segundos depois, o Corinthians quase abriu o placar em uma cabeçada do atacante Guilherme. Fábio Costa realizou sua primeira grande defesa naquela tarde. Aos 10 minutos, foi a vez do zagueiro André Luís cabecear e Doni fazer boa defesa.
Aos 35 minutos, Léo tocou para Robinho, na esquerda do ataque santista. O camisa 7 pegou a bola e foi avançando, enquanto o lateral Rogério, que estava na sua marcação, foi recuando. Robinho passou os pés sobre a bola oito vezes, e eternizando o lance com essas inesquecíveis pedaladas. Sem saber o que fazer, Rogério cometeu o pênalti. O Menino da Vila foi para a cobrança, sem medo da responsabilidade, e abriu o placar da decisão. O primeiro tempo terminou com a euforia do time santista e a preocupação do lado corintiano.
O Corinthians retornou decidido a empatar nos primeiros minutos da segunda etapa, e aos 13 e 14 minutos só não conseguiu devido às monumentais defesas de Fábio Costa. A primeira, em cobrança de falta de Rogério, que desviou em Paulo Almeida e obrigou o arqueiro a uma defesa de puro reflexo. Um minuto depois, em cabeçada de Fábio Luciano, o camisa 1 do Peixe mais uma vez foi extraordinário, colocando a bola para escanteio.
De tanto tentar, aos 30 minutos, Deivid, de cabeça, conseguiu empatar. Nove minutos depois, o zagueiro Anderson virou a partida, em nova cabeçada. De repente a torcida santista ficou quieta e tensa. Um filme passou pela cabeça. No ano anterior, com um gol nos segundos finais, o Corinthians havia eliminado o Santos nas semifinais do Campeonato Paulista. Agora faltavam seis minutos, mais os acréscimos. Era uma eternidade. Mas, não esqueçamos, Robinho havia feito uma promessa para Diego…
Aos 43 minutos, após deixar Anderson para trás, Robinho invadiu a área pela direita, ergueu a cabeça e achou Elano livre para empurrar para as redes e aliviar o coração do torcedor santista. O empate já estava de bom tamanho, mas Robinho queria a vitória. Três minutos depois, após lançamento de Léo, ele correu pela esquerda da área adversária, deu um breque que deixou Kléber e Vampeta batendo cabeça e devolveu para Léo, que, de perna direita, no último lance do jogo e do campeonato, colocou no ângulo de Doni e decretou a vitória santista.
A Carlos Eugênio Simon restou pedir a bola a Doni, consolar o goleiro corintiano e apitar o final de uma das decisões mais emocionantes do Campeonato Brasileiro. O alívio havia chegado para o Santos e para aqueles torcedores carentes de grandes alegrias e grandes momentos. O título era uma dádiva dos Meninos da Vila de 2002 ao Glorioso Alvinegro Praiano. A conquista fez o Santos ressurgir. O amor do santista por seu time estava renovado e mais forte do que nunca.

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