Por Gabriel Pierin do Centro de Memória
Nessa sexta-feira, 14 de abril de 2023, o Santos completa mais um ano de vida. Para recordar o nascimento de nosso glorioso clube, precisamos voltar no tempo, para o ano de 1912, há 111 anos.
No dia 9 de abril de 1912, uma quinta-feira, os leitores do jornal Diário de Santos compraram o jornal e foram surpreendidos pela notícia em destaque na seção de esportes:
Vários sportsmen desta cidade estão empenhados em organizar um poderoso club de football, tendo já para isso, conseguido um vasto e esplendido terreno de propriedade do sr. J.D. Martins, à rua Aguiar de Andrade, no Macuco, onde será instalado o ground da nova sociedade esportiva (…) No próximo domingo, às 2 horas da tarde, haverá uma reunião na sede do clube Concordia, para serem apresentadas as bases do novo clube, eleita a sua diretoria e tomadas outras deliberações atinentes aos fins da nova agremiação esportiva. Era já sensível a falta, entre nós, de um bom clube dedicado ao bello sport do football. Acreditamos que o novo clube venha preencher essa lacuna.
A notícia era animadora. Aquele grupo de jovens estava levando a sério a formação de um clube de futebol. Dias antes, Raymundo, Argemiro e Mario Ferraz, da comissão organizadora, percorreram o comércio da cidade em busca de sócios e apoiadores para o empreendimento.
Era mesmo verdade que o futebol precisava fortalecer na cidade. Desde que o Internacional encerrara suas atividades e o Americano mudara-se para a capital, a bola quase parou de rolar em Santos. Muita gente sabia que era necessário ajudar na formação de um novo clube competitivo e organizado para disputar o campeonato mais importante do Estado.
No dia 14 de abril de 1912, um domingo à tarde, dezenas de moços tomaram o mesmo bonde até a Praça do Rosário. O prédio do Club Concórdia, local escolhido para a reunião, ficava bem próximo, na rua do Rosário, 18 (atual João Pessoa). Eles dividiam os degraus da escada que levavam até o amplo salão da sede do clube.
A quantidade de jovens chamava a atenção. Alguns eram meninos. Entre eles, Arnaldo Augusto Millon, filho do Capitão Millon, tinha apenas 15 anos. Seu irmão, Adolpho Millon Junior, 16. Havia alguns rostos conhecidos, que já circulavam nos meios sociais, como Harold, no alto dos seus 27 anos, um dos remanescentes do primeiro movimento futebolístico na cidade.
Jovens, estudantes e esportistas eram a maioria. Aos poucos, o salão foi enchendo. Trinta e nove pessoas se acomodavam no salão quando Raymundo Marques tomou a palavra.
Ele explicou a situação do futebol na cidade desde que o Internacional parou suas atividades e o Americano transferiu-se para São Paulo. Também falou sobre o desenvolvimento do esporte no interior e na capital. A cidade tinha perdido a sua representação no futebol.
A seguir, Raymundo disse que não pretendia concorrer à presidência. O rapaz disse ter conversado com Sizino Patusca e George Cox e sugeriu que a Assembleia aceitasse suas indicações para presidente e vice-presidente, respectivamente. Os presentes bateram palmas e aprovaram a proposição.
Num tom mais descontraído, Raymundo lembrou aos presentes sobre a falta de um nome para o novo clube: “Os senhores confiaram na ideia e aprovaram a indicação para presidente, mas não temos nem o nome definido. Como este clube terá por princípio a democracia, deixarei que deem suas sugestões. O espaço está aberto”.
África, Brasil e Concórdia foram lembrados, mas não agradaram e acabaram rejeitados. Dar nome para um clube parecia tão difícil quanto escolher o nome de um filho. Foi quando Edmundo Jorge de Araújo, filho do conceituado Sóter de Araújo, teve a atenção voltada para si.
“Senhores! Vivemos em Santos. É a nossa cidade. Esse time vai representar a nossa gente, a nossa terra. Por que não Santos? Santos Foot-ball Club?”
Edmundo causou um burburinho. Do outro lado, Raymundo parecia convencido. “Vou colocar em votação”. As palmas se espalharam e tomaram conta do ambiente.
Estava fundado o Santos Foot-ball Club
A segunda-feira acordou radiante. O futebol renascia na cidade. Antes do trabalho, leitores pararam nas lojas e bancas de revistas e jornais e disputaram os diários da cidade.
O jornal A Tribuna deu especial atenção ao neófito clube. Na seção de esportes estava lá, registrado para toda a eternidade:
Santos Football Club com o nome supra acaba de ser fundado nesta cidade, um clube de football destinado, por certo, a uma vida longa e plena de vitórias, para o que conta com os melhores elementos desta terra. Eis a sua primeira diretoria: Presidente, Sizino Patusca; Vice, George P. Cox; 1º Secretário, José Guilherme Martins; 2º, Raul Dantas; 1º Tesoureiro, Leonel Silva; 2º, Dario Ferraz da Frota. Diretores: Augusto Bulle, João Carlos de Mello, Henrique Tross, Raymundo Marques, Cícero F. de Lima Junior e Camyro Faeter.
Cores do novo clube: Branco e azul, com um friso amarelo entre as duas cores
Naqueles primeiros tempos o Santos formava um grande clube familiar. Diversos jogadores e dirigentes estavam ligados por laços de parentesco. Além da paixão pela prática esportiva, havia um fio condutor na história dessas pessoas com o futebol na cidade, desde a introdução do esporte passando pela participação em clubes até a chegada do Santos.
E, se quisermos ir mais além, essas pessoas que construíram o Santos estavam unidas pelos feitos dos seus antepassados. Não podemos desconsiderar que a população de Santos era pequena naquela época (aproximadamente 90 mil pessoas), mas deixar de atribuir a esses fatores é deixar ao acaso e o presente texto desmente essa hipótese.
Podemos confrontar o parentesco de qualquer um desses personagens, mas tomemos como exemplo o abnegado Agnello Cícero de Oliveira, presidente do Santos nos primeiros tempos do clube (1914 a 1917), responsável por conduzir a compra do terreno e a construção da Praça de Esportes, futuro estádio de Vila Belmiro. À frente do Santos em três oportunidades, ainda presidiu o clube durante a transição para a profissionalização do futebol (1932-1933).
Agnello era irmão de Ricardo Pinto de Oliveira, jogador do primeiro quadro do time do Santos em 1913, além de diretor do clube. Ricardo era primo e esposo de Ismênia da Silveira Pinto de Oliveira, figura benquista na cidade, pela participação nos círculos sociais, religiosos, esportivos e assistenciais. Ismênia era irmã de Arnaldo e Oswaldo Silveira, jogadores do Santos. Portanto, Ricardo era, além de companheiro de equipe, cunhado e primo de Arnaldo e Oswaldo.
Em 1918, outros dois irmãos de Agnello e Ricardo, Randolfo e Américo Pinto de Oliveira ingressariam no quadro santista. Virgílio Pinto de Oliveira, o Bilú, outro dos irmãos Pinto de Oliveira, também fez parte da equipe de 1918, mas foi como técnico que se consagrou: Bilú foi o primeiro treinador Campeão Paulista pelo Santos, em 1935.
A única irmã do clã, Iraídes Ricardina de Oliveira Ratto, dona Didi, foi a primeira costureira do clube. Foi ela quem fez os primeiros uniformes do time praiano em seus jogos iniciais. Dona Didi foi também a responsável pela confecção da primeira bandeira do clube. Ela era casada com Francisco José Ribeiro Ratto, mais conhecido como Nhonhô Ratto. O marido de dona Didi foi de grande importância para o Santos. Era ele quem dirigia um burrico atrelado a um pesado rolo compressor para o nivelamento do primeiro campo do clube, na Villa Macuco.
Por outro lado, Arnaldo e Oswaldo Silveira, Iraídes, Agnello Cícero, Randolfo, Virgílio, Américo e Ricardo Pinto de Oliveira eram sobrinhos do primeiro presidente do Santos, Sizino Patusca; assim, também primos dos futebolistas Ary, Ararê e do consagrado Araken Patusca. A única filha de Sizino, Aracy Patusca, foi casada com o também jogador Siriri. Ele, ao lado do irmão Camarão e do cunhado Araken formaram o inesquecível ataque dos 100 gols em um único campeonato.
Como se não bastasse, seriam primos de Francisco Martins dos Santos, jogador na década de 1920 e importante historiador da cidade, filho de Valentina Guiomar Patusca Martins dos Santos (irmã de Sizino) e Américo Martins dos Santos. Além de Francisco, eram pais de Alzira Martins Lichti, figura renomada na área da Educação da região e que, entre outras atividades, foi fundadora do Clube Feminino Santista, onde montou e participou da primeira equipe de bola-ao-cesto feminino de Santos. Organizou também a primeira torcida uniformizada feminina do Santos Futebol Clube. Alzira era casada com o diplomata Armando Lichti, presidente do Santos no biênio 1922/1923.
Na medida em que o clube se desenvolvia, novos rapazes formavam o quadro de sócios. Jovens, pois em sua maioria eram estudantes e empregados no comércio, solteiros e com idades entre 15 e 24 anos (66%). Isso demonstra a força de um esporte que avançava rapidamente. Nos anos 1910 o futebol ia se transformando em esporte mais popular. O Santos Foot-ball Club, entre suas diversas conquistas, formava um clube democrático, livre de preconceitos de idade, gênero e raça.