Zetti, um valente

Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Depois de viver as mais profundas alegrias e tristezas que o futebol pode proporcionar, o goleiro Zetti chegou ao Santos no início de 1997, aos 32 anos. Mais do que técnica e experiência, o goleiro forte e arrojado, nascido em Capivari em 10 de janeiro de 1965, trazia para a Vila Belmiro a confiança que faltava para tirar o time de uma fila que já durava 12 anos.
Com a liderança serena do calejado goleiro o Santos venceria o Torneio Rio-São Paulo de 1997, superando Vasco, Palmeiras e Flamengo, e no ano seguinte conquistaria a Conmebol, seu quarto título sul-americano oficial, passando por equipes que depois se tornariam campeãs da Copa Libertadores, como Once Caldas e LDU, e enfrentando uma decisão cardíaca contra o Rosário Central, da Argentina.
A dor e glória de um goleiro
Armelino Donizetti Quagliatoo, o Zetti, iniciou a carreira no Capivariano e se transferiu para o Guarani, de Campinas, do qual foi dispensado por ser considerado “gordo”. Mudou-se, então, para o Palmeiras, mas o time tinha muitos goleiros e ele era sempre emprestado para equipes menores. Acabou tendo uma chance entre os titulares em 1987, aos 22 anos, e não decepcionou. Ficou 1 238 minutos sem tomar gol!
Em 17 de novembro levou um pisão de Bebeto, do Flamengo, e teve fratura na perna direita. Ficou sem jogar até maio de 1990, período em que apelou para a pintura para combater a depressão e cogitou abandonar o futebol. Ao voltar para os treinos, Velloso era o titular e ele não tinha mais espaço no Palmeiras. Então, comprou seu passe e o alugou para o São Paulo.
Com a saída de Gilmar, Zetti se tornou o número 1 do time do técnico Telê Santana, o mais vitorioso da histórica tricolor, bicampeão mundial em 1992 e 1993. No Morumbi, Zetti inspirou um jovem goleiro que se tornaria um dos maiores ídolos do clube, Rogério Ceni.
Um Menino da Vila de 32 anos
Quando se transferiu para o Santos, não faltaram cronistas esportivos para prever um fim de carreira sem brilho para o notável goleiro, como se sua história já estivesse concluída. Porém, Zetti mostrou que não seria bem assim.
Em 25 de janeiro de 1997, em São Januário, no jogo de volta contra o Vasco pelo Torneio Rio-São Paulo, pegou um pênalti durante a partida e mais um na disputa de penalidades que classificou o Santos para a fase seguinte.
Prosseguiu jogando bem contra o Palmeiras, nas semifinais, e foi um dos destaques nas partidas finais com o Flamengo, que após uma vitória por 2 a 1 no Morumbi e o empate de 2 a 2 no Maracanã deram ao Alvinegro Praiano o seu quinto título do Torneio Rio-São Paulo, a primeira conquista importante do clube desde o Paulista de 1984.
“Jogamos dentro do Maracanã, com 70 mil flamenguistas, e o time vibrou. Para nós o importante é que podemos jogar dentro de casa, ou fora de casa, em outro Estado, se jogarmos dessa forma” – resumiu um tranquilo Zetti ainda no gramado.
Conmebol, a prova de fogo 
Organizada pela Confederação Sul-americana, a Copa Conmebol de 1998 reuniu equipes tradicionais e emergentes do futebol sul-americano. Para chegar à decisão contra o aguerrido Rosário Central, da Argentina, o Santos trilhou um caminho repleto de perigos, em que teve de se defrontar com dois futuros campeões da Libertadores.
O primeiro deles, o colombiano Once Caldas, perdeu na Vila Belmiro por 2 a 1, venceu em Manizalis pelo mesmo placar e só foi eliminado na cobrança de pênaltis (ou tiros diretos da marca penal), em que a presença de Zetti foi mais uma vez decisiva.
Depois, veio a LDU, do Equador, que empatou em Quito por 2 a 2 e perdeu na Vila Belmiro por 3 a 0. Em seguida, um surpreendente Sampaio Correa, campeão da Copa Norte, empatou sem gols na Vila Belmiro e foi goleado por 5 a 1 no estádio Castelão, em São Luís, com 95.720 espectadores, um recorde de público ainda vigente no Maranhão.
Por fim, a decisão com o Rosário Central, um time aguerrido, com aquela dose de catimba natural de qualquer time argentino, que ainda teria a vantagem de fazer a segunda partida em seu campo, um caldeirão mais fervente do que La Bombonera, tanto que foi escolhido pela Seleção Argentina para fazer os seus jogos na Copa de 1978.
Na Vila Belmiro, em 7 de outubro, quarta-feira à noite, 14.715 espectadores ficaram com o coração aos pulos o tempo todo. As entradas duras e as provocações fizeram o árbitro uruguaio José Luis da Rosa expulsar três jogadores do Rosário e o artilheiro Viola e o zagueiro Jean, do Santos. No futebol, só deu Peixe.
Claudiomiro acertou cabeçada fulminante aos 28 minutos do primeiro tempo, aproveitando escanteio batido com curva por Anderson Lima, Athirson perdeu um pênalti aos 27 minutos do segundo tempo, muitas outras chances foram criadas, mas o placar não saiu da contagem mínima, o que parecia insuficiente para garantir o título.
Duas semanas depois, o estádio Gigante do Arroyto recebeu 43 mil pessoas, seis mil a mais do que assistiram  a Argentina 0, Brasil 0 pela Copa de 1978. O ônibus do Santos foi recebido com tiros para o alto. No banco de reservas o técnico Émerson leão só podia contar com quatro jogadores.
A situação ficou pior quando o árbitro paraguaio Ubaldo Aquino expulsou o médio-volante Eduardo Marques. Minutos depois, porém, em mais uma confusão, o meio campo Daniele também foi expulso, o que manteve os times com o mesmo número de jogadores.
Como se esperava, o Rosário buscou pressionar o Santos desde o início. Caso fizesse um gol, seria muito difícil segurar a avalanche argentina. Oportunidades não faltaram, quase sempre em chutes de fora da área. Flores acertou um belo sem pulo que entraria no canto direito não fosse o salto de Zetti, que jogou para escanteio. Pouco depois um arremate ainda mais forte buscou o alto da meta santista, mas novamente o goleiro pulou para espalmar.
No ataque, Fernandes e Alessandro, depois substituídos por Baiano e Adiel, até que conseguiam segurar a bola e tentar alguma jogada, mas invariavelmente a iniciativa passava para o Rosário, que em determinado momento decidiu apelar para os cruzamentos, o que obrigou Zetti, no alto dos seus 1,89m, a praticar inúmeras intervenções.
Na última jogada de ataque do time argentino, Zetti saltou, encaixou a bola e foi desequilibrado por um jogador adversário. Virando o corpo no ar para não torcer o joelho, caiu com a bola entre os braços e ganhou alguns segundos reclamando de dores. Mal a bola foi reposta, Aquino apitou o fim da partida.
Emocionado, mas contido, na primeira entrevista após a conquista Zetti brincou que nunca tinha chegado a um estádio “embaixo de tiro”. Depois, revelou aquela grande alegria que estava sentindo em parte amenizava a tristeza pela morte de seu pai, dez dias antes.
O programa Globo Esporte do dia seguinte terminou com a reportagem da final da Conmebol e uma frase escrita pelo editor Tonico Duarte: “O épico se faz de conquistas temperadas pelo sofrimento. É assim a história do Santos, esse time encantado.”
Uma história que o valente Zetti ajudou a escrever.

Pular para o conteúdo