Pelé 80: Os milésimos gols do Rei

O Milésimo Gol
Perante um público de 65 167 espectadores, o Rei Pelé marcava o gol mais importante de sua monumental carreira ao atingir a espetacular marca de 1 000 gols, jogando com as camisas da Seleção do Exército, Seleção Paulista, Seleção Brasileira, Combinado Santos/Vasco e, principalmente, Santos Futebol Clube.
Foi em uma quarta-feira, dia 19 de novembro de 1969, que o melhor jogador de todos os tempos atraiu a atenção da imprensa esportiva mundial para o Estádio do Maracanã. Nessa histórica noite, o Peixe venceu o Vasco da Gama pelo placar de 2 a 1, em partida válida pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, também conhecido como Taça de Prata. Pelé e Renê marcaram a favor do onze santista que formou com Agnaldo; Carlos Alberto, Ramos Delgado, Djalma Dias (Joel Camargo) e Rildo; Clodoaldo e Lima; Manoel Maria, Edu, Pelé (Jair Bala) e Abel. O técnico era Antônio Fernandes, o Antoninho.
O brilhante escritor Carlos Drummond de Andrade escreve:
“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É difícil fazer um gol como Pelé. Aquele gol que gostaríamos tanto de fazer, que nos sentimos maduros para fazer, mas que diabolicamente, não se deixa fazer. O gol. Que adianta escrever mil livros, como simples resultado de aplicação mecânica, mãos batendo na máquina de manhã, à noite, traseiro posto na almofada, palavras dóceis e resignadas, ao uso do incolor?
O livro único, este não há condições, regras, receitas, códigos, cólicas que o façam existir, e só ele conta – negativamente – em nossa bibliografia. Romancistas que não capturam o romance, poetas de que o poema está se rindo a distância, pensadores que palmilham o batido pensamento alheio, em vão circulamos na pista durante 50 anos. O muito papel que sujamos continuaria alvo, alheio às letras, que nele se imprimissem, pois aquela não era, a combinação de letras que ele exigia de nós. E quantos metros cúbicos de suor, para chegar a esse não-resultado!
Então o gol independentemente de nossa vontade, formação e maestria? Receio que sim. Produto divino, talvez?
Mas se não valessem exortações, apelos cabalísticos, bossas mágicas para que ele se manifeste…
Se é Deus, Deus se diverte, negando-o aos que o imploram e distribuindo-o a seu capricho, Deus sabe a quem, às vezes um mau elemento. A obra de arte, em forma de gol ou de texto, casa, pintura, som dança e outras mais, parece antes coisa-em-ser natureza, revelada arbitrariamente, quase que à revelia de instrumento humano usado para a revelação. Se a obrigação é aprender, por que todos que aprendem não a realizam? Por que só este ou aquele chega a realizá-la? Por que não há 11 Pelés em cada time? Ou 10 para dar uma chance ao time adversário?
O “Rei’ Pelé chega ao milésimo gol (sem pressa, até se permitindo o charme de retificar para menos a contagem) foi uma totalidade à margem do seu saber técnico e artístico. Na realidade, está lavrando sempre o mesmo tento perfeito, pois outros tantos menos apurados não são de sua competência.
Sabe apenas fazer o máximo, e quando deixa de destacar-se no campo é porque até ele tem instante de não-Pelé, como os não-Pelés que somos todos. O mundo é feito de consumidores, servido por alguns criadores. O desequilíbrio é dramático, e só não determina a frustração universal porque não nos damos conta de nossa impotência criativa e até nos iludimos, atribuindo-nos uma potência imaginária. Ainda por um absurdo desajuste, a criação, em muitas áreas, nem sequer é absorvida pelos consumidores em carência. Muitos seres não sabem consumir, vegetando em estado de privação inconsciente. Para o consumo, sim é aprendizado. Mas os milhões de analfabetos, subnutridos e marginalizados, dos mundos ocidental e oriental, não desconfiam sequer de que há alimentos fascinantes para fomes não pressentidas. Afortunadamente no caso de Pelé, a comida de arte que ele oferece atinge o paladar de todos. O futebol é desses raros exemplos de arte corporal e mental que promovem a felicidade unânime, embora dividindo a massa de consumidores em grupos antagônicos. Antagonismo formal, pois a fusão íntima se opera em torno da beleza do gesto, venha de que corpo vier. Os mil gols de Pelé não são um só, multiplicado e sempre novo, único em sua exemplaridade. Não sei se devemos exaltar Pelé por haver conseguido tanto ou se nosso louvor deve antes ser dirigido ao gol em si, que se deixou fazer por Pelé, recusando-se a tantos outros. Ou ao gênio do gol, que se encarnou em Pelé, por uma dessas misteriosas escolhas que a genética ainda não soube explicar, pois a ciência, felizmente ainda não explicou tudo neste mundo”.
Mil gols só pelo Santos
Em 2 de julho de 1972, após dois anos, sete meses e 13 dias da marcação do Milésimo Gol de sua monumental carreira, o Rei Pelé voltava a assinalar outro Milésimo, só que desta vez em partidas disputadas somente pelo Santos. Esse feito memorável ocorreu em Chicago, Estados Unidos, numa das mais longas excursões realizadas pelo Alvinegro mundo afora.
Nesse giro internacional o Peixe jogou em quatro continentes – Ásia, Oceania, Europa e América do Norte – não perdeu nenhuma das 17 partidas disputadas, obtendo 15 vitórias e dois empates. Esse feito sem igual no futebol nacional deu ao clube de Vila Belmiro o título de A Fita Azul do Futebol Brasileiro, ofertada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e pela Gazeta Esportiva aos clubes que voltassem após excursões ao exterior.
O festejado Milésimo Gol de Pelé pelo Santos surgiu no décimo-terceiro jogo de uma longa excursão pelos Estados Unidos e foi o primeiro da vitória de 2 a 0 sobre o time da Universidad Unam, do México, no Hanson Stadium, em Chicago. Era um domingo, 2 de julho de 1972. O curioso é que apenas quatro minutos depois Pelé marcou novamente, chegando ao seu gol 1001 com a camisa santista.
Quem dirigia a equipe era dirigida por Jair Rosa Pinto, que desde abril assumira o cargo, sucedendo Mauro Ramos de Oliveira. Jair escalou o time com Cejas (depois Cláudio), Orlando Amarelo, Vicente, Paulo e Zé Carlos (Turcão); Léo Oliveira e Afonsinho (Nenê); Jader, Alcindo (Adílson), Pelé (Ferreira) e Edu.
Essa foi a partida 971 de Pelé pelo Santos. Dessas, 41 foram disputadas nos Estados Unidos, das quais ele venceu 32, empatou quatro e perdeu cinco, marcando 51 gols.
No dia de sua despedida do futebol, 1º de outubro de 1977, ao jogar meio tempo para cada time, Pelé marcou um dos gols da vitória do time de Nova York sobre o Santos por 2 a 1. O gol veio em uma violenta cobrança de falta que surpreendeu o goleiro Ernâni aos 43 minutos do primeiro tempo, empatando a partida.
Todos os gols de Pelé
De um total de 1 282 gols assinalados pelo eterno Rei do Futebol em sua inigualável carreira profissional, 1 091 foram marcados somente em partidas do Santos. Apenas pela Seleção Brasileira, foram 95; pelo Combinado Santos/Vasco, seis; pela Guarda Costeira, 10; pela Forças Armadas e pelo Sindicato dos Atletas, três, e pela Seleção Paulista, nove.
Pesquisadores, em seus levantamentos sobre os gols do Rei, têm informações diferentes quanto a data do milésimo gol somente em partidas do Santos. Alguns apontam o jogo contra o Toronto Metros, e outros o segundo jogo contra a Universidad Unam, do México, partidas jogadas na exaustiva excursão santista pelos quatro continentes.

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