Pagão, um craque acima de todas as crenças

Por Guilherme Guarche, do Centro de Memória
Naquele distante sábado, dia 27 de outubro de 1934, um ano antes do Santos FC se sagrar campeão paulista pela primeira vez, nascia na cidade um garoto que recebeu de seus pais, Benedicto Luiz de Araújo e dona Perpétua Rodrigues, o nome de Paulo César de Araújo, mas que ficaria famoso no mundo do futebol com o peculiar apelido de Pagão.
A origem do apelido se deve ao fato de seu pai não tê-lo batizado nos primeiros dias de vida, como tradicionalmente ocorre, e sim quando o garoto já dava os primeiros chutes e participava de peladas com os garotos de mais idade nas ruas perto de sua casa, no bairro Vila Mathias, em Santos.
Pagão começou jogando em times amadores da cidade. Primeiro na AA Americana, clube fundado em 1914 por dissidentes do Santos FC, e aos 16 anos, em 1951, passou para o CA Lanus.
Quem o convenceu a treinar nas equipes amadoras do Jabaquara AC, ainda em 1951, foi Arnaldo de Oliveira, o velho Papa, um descobridor de craques na várzea santista. Porém, insatisfeito com seu baixo rendimento no “Leão do Macuco”, Pagão pensou em abandonar o futebol e prosseguir em outra profissão.
Porém, quis o destino que o habilidoso atacante fosse dar continuidade à sua carreira em 1954, na Portuguesa Santista, levado por seu tio Osvaldo Rodrigues, o Vadico, que era seu mentor e maior incentivador.
Pagão chegou ao Santos em 1955, aos 20 anos, tornando-se o jogador mais famoso a atuar nos três clubes profissionais da cidade. Sua primeira participação no Alvinegro Praiano ocorreu na goleada de 5 a 0 sobre o Guarani, na Vila Belmiro, em jogo do Campeonato Paulista. Nessa estreia Lula o escalou na ponta-direita de um ataque que ainda tinha Negri, Del Vecchio, Vasconcelos e Pepe.
Pagão jogava com a camisa 9, mas não era um centroavante típico. Na verdade era um meia atacante rápido, que se deslocava com muita facilidade, abrindo espaços na defesa contrária. De técnica refinada, fintas secas e passes milimétricos, era uma ameaça permanente para a zaga adversária.
Conquistou a vaga de titular na campanha do bicampeonato paulista, em 1956, quando foi o artilheiro santista da temporada, com 35 gols. Ele, Pelé e Pepe formaram um trio que os torcedores consagraram como “PPP”. Alguns saudosistas do futebol romântico jogado pelo Peixe no final dos anos 50 afirmam que o ataque composto por Dorval, Jair, Pagão, Pelé e Pepe foi o melhor que o clube já teve, superior até ao que viria na sequência, com a entrada de Mengálvio e Coutinho.
Durante um bom período, muitos apaixonados por futebol se deixavam levar por comentários maledicentes, que diziam que a amizade entre Pagão e Pelé não era das melhores e que não mantinham um relacionamento cordial, tanto dentro, como fora de campo. Insinuavam até que Pelé boicotava Pagão porque não o apreciava, preferindo jogar ao lado de Coutinho.
“Nunca houve nada disso, os dois eram amigos e profissionais!”, desmente Vadico, o responsável por intermediar a venda de Pagão para o São Paulo em 1963, por 15 milhões de cruzeiros.
Pagão permaneceu no São Paulo até 1965, enquanto Coutinho e depois Toninho Guerreiro assumiam pó comando do ataque santista. Ainda em meados de 1965 Pagão tentou voltar ao time santista, mas sem condições físicas ideais, apenas participou de alguns treinamentos, mas não jogou mais nenhuma partida pelo seu clube de coração.
Em 340 jogos pelo Alvinegro Praiano, Pagão marcou 157 gols é o nono artilheiro do Peixe, pelo qual conquistou os seguintes títulos: Campeonato Paulista de 1955/56/58/60/61/62, Torneio Rio-São Paulo de 1959 e 1963, Taça Brasil/ Campeonato Brasileiro de 1961 e 1962, Copa Libertadores e Mundial Interclubes de 1962.
Coutinho dizia para quem quisesse ouvir que o melhor centroavante que tinha visto jogar, melhor mesmo do que ele, Coutinho, era Pagão. Outro admirador confesso da genialidade desse craque que, por sua fragilidade física, era chamado de “Canela de Vidro”, é o escritor, cantor e compositor Chico Buarque de Holanda.
Em 1985 o compositor organizou uma partida do seu time de artistas, o Pindorama, no estádio de Ulrico Mursa e pôde realizar o sonho de jogar ao lado de seu ídolo.
“Ele era demais em campo. Um jogador de uma leveza admirável. Adorava quando ele pegava a bola no ar e com a parte de fora do pé, vindo de trás, chapelava o adversário. Quando morei em São Paulo, só ia ver futebol por causa do Pagão, para mim mais elegante e mais técnico que o Pelé” – disse Chico Buarque sobre Pagão.
Frases de quem viu o craque jogar
“Para mim, claro que excluindo Pelé, o maior futebolista é Pagão, ou, se o quiserem, foi Pagão. Classe como a dele, sutileza como a dele, leveza e graciosidade como a dele, nem Pelé.” (Walter Dias, jornalista de Santos).
“O mais leve e insinuante jogador que já vi. Ele foi o melhor companheiro de Pelé” (Melão, ex-jogador).
“Suas jogadas ajudaram muito o Pelé no início da carreira. Era um fora de série” (Dorval).
“Foi o melhor centroavante com quem eu tive a oportunidade de jogar” (Tite).
“Seus passes eram calculados, muito veloz. Foi o maior centroavante do Brasil, depois de Friedenreich” (Athié Jorge Coury, ex-presidente do Santos).
“Como todo fora de série, tinha um gênio muito forte. Era tinhoso, mas muito honesto e correto” (Carlos Pierin, o Lalá).
“Foi o maior centroavante de todos. O Pelé era craque e tinha físico. O Pagão era só bola” (Julião, ex-zagueiro e companheiro de Pagão no Lanus e no Jabaquara).
“Bom profissional. Não criava problemas para renovar contrato. Tecnicamente era perfeito” (Augusto da Silva Saraiva, ex-dirigente do Santos).
“Ele era muito visado. Só paravam o Pagão na porrada”. (dr. Daló Salerno, ex-médico do Santos).
“Foi um nota dez. Um QI muito alto. Não é qualquer jogador que tinha essa facilidade com a bola” (Mengálvio).
“Eu o considerava um gênio da bola. Mas nos últimos anos de vida estava desmotivado com o futebol” (José Macia, o Pepe, que se tornaria um dos melhores amigos e conselheiros de Pagão, a quem costumava tratar de “Velho César”.).
O adeus
Paulo César de Araújo adoeceu quando ainda exercia as funções de Escriturário na Cia. Docas do Estado de São Paulo – Codesp –, ficando internado na UTI da Santa Casa de Santos durante 15 dias. Veio a falecer em uma quinta-feira, 4 de abril de 1991, por “falência múltipla de órgãos”. Tinha 56 anos.
Seu corpo foi velado no Salão Nobre da Santa Casa, que ficou pequeno devido à grande quantidade de amigos e admiradores que lá estiveram dando o adeus final ao craque genial e de temperamento forte. O enterro se deu no Cemitério da Filosofia, no bairro do Saboó. Pagão era casado com dona Irene Ogea de Araújo e com ela teve os filhos Paulo César e Luiz Antônio.
Em 2004, em justa homenagem ao craque que vestiu a camisa dos três times tradicionais da cidade, a Prefeitura de Santos batizou com o seu nome o estádio municipal inaugurado no bairro Santa Maria, na zona noroeste de Santos.

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